segunda-feira, 25 de junho de 2007

Relics

Alguns fantasmas parecem estar me rondando: remexendo em minhas caixas de coisas velhas e surfando na internet fui levado, de forma confusa, não-linear, a um lugar de que eu já nem me lembrava, só para encontrar imagens e sons de um tempo em que havia bobagens e esperança - infelizmente, no vocabulário de hoje creio que ambos significam o mesmo.

domingo, 24 de junho de 2007

Buda

Nestes dias recebi uma mensagem de uma amiga antiga, cobrando que eu lhe escrevesse. Não sei direito o que responder. Ela é de um outro tempo, de uma outra vida que eu vivi, em outras terras, quando eu acreditava em mim, na humanidade, no meu país...

Hoje não sei no que eu acredito. Em Buda e no Nirvana, talvez. No caminho reto. Na ciência como diversão. No poder do dinheiro. Na existência da beleza.

Mas escrever o quê? As palavras podem tão pouco, minha amiga... Às vezes eu prefiro o silêncio. Hoje, como às vezes, a música: ouça, se puder, algo de Bach - as frases dele servem, hoje, para dizer o que eu sinto. Ou então sente-se debaixo de uma árvore, num dia ensolarado, e encontre a paz: nela você encontrará o que eu gostaria de poder dizer a você - e a todos.

Um abraço.

quinta-feira, 21 de junho de 2007

My hero

Dizem que uma imagem vale por mil palavras, e que a música é uma linguagem universal. Acho que se isso for verdade, quer dizer que mesmo que eu escreva milhões das mais belas palavras, um vídeo curto, de uns poucos minutos, tem maior valor... Como não sou nem cineasta nem músico, deixo aqui uma das coisas que encontrei viajando pela internet e que fala por si mesmo, mas que também fala por mim de um jeito que eu jamais falaria.

E é isso: não sou um "artista", só escrevo um blog. Em resumo, posso muito pouco, e a cada dia descubro que posso menos ainda. Não é um brilho como o do sol que me encobre, fazendo-me invisível, mas uma simples lâmpada cotidiana.

domingo, 17 de junho de 2007

Leviatã

Hoje, parece que quem quer conhecer o mundo não precisa sair de casa: mesmo ignorando-se a internet, fantástica, onde quase tudo pode ser encontrado, pode-se apelar para a TV, que tem no mínimo uma dezena, quando não centenas, de canais jorrando informação a princípio vinda de toda parte.

No entanto, num domingo pela manhã, não foi isso que vi: num canal, a visão de soldados posando de heróis ao matarem inúmeros árabes; noutro, imagens de um esporte em que homens, em um campo verde riscado de números, corriam e se digladiavam violentamente, acho que atrás de uma coisa ovalada, que certamente não era uma bola; noutro, negros com correntes de ouro e óculos escuros e capuzes falavam num ritmo que eu não conseguia acompanhar; noutro, crimes encenados como diversão; noutro, anúncios intermináveis de traquitanas eletrônicas... De posse do controle remoto fui passando pelos mais de cinqüenta canais da minhaTV - a cabo - e naquela procissão de imagens vi uma só, um único monstro, falando uma única língua, uma única cultura, disforme, doente, um mosaico de violência, egoísmo e hedonismo.

Por um instante, acho que senti o terror que deve ter motivado alguns a jogar aviões e passageiros contra prédios, vendo neles não construções de aço e concreto onde viviam pessoas, mas uma encarnação real do - mal? não acho outra palavra - que vi na TV. O que eu vi, meu Deus?

Se a Estátua da Liberdade é símbolo de alguma coisa, hoje é disso: de algo que está em cada cidade, em cada lar, em cada tela quadrada desta nossa porção de mundo, milhões, bilhões de estátuas que, para o bem da humanidade, talvez devessem todas serem explodidas, derrubadas uma a uma, como símbolo da libertação de uma tirania. Mas que tirania! Doce enquanto cruel, e barulhenta enquanto silenciosa, e que promete o mundo mas entrega miragens entorpecedoras, vindas de um único deserto.

quarta-feira, 13 de junho de 2007

Contingência, ironia e solidariedade

Fazendo compras no Wal Mart encontrei numa banca de ofertas um livro ilustrado sobre as viagens de Marco Polo por menos de dez reais. Impossível não comprá-lo mesmo tendo dúzias de outros livros para ler.

No entanto, ao ler as descrições da China antiga e ver os desenhos do livro, o que me veio à mente foram outras viagens em outros livros: a literatura - e, é claro, a filosofia - são só isso mesmo, coleções de descrições de viagens imaginárias, mesmo que baseadas na realidade.

Uma cidade visitada, uma paisagem vista, não são nada diferentes de idéias que surgem na alma, de sonhos que se tem ao dormir, de textos escritos com uma linguagem não-escrita. A realidade, para todos os termos práticos, em tudo que importa, é só uma construção com uma certa sintaxe.

E as imagens que temos sobre o mundo são isso: frases que eu leio com os meus olhos de hoje de modo diverso ao que vi com os meus olhos de ontem, e que entenderei e descreverei de modo diferente amanhã. Quanto aos outros homens, então, pouco posso dizer: são outros mundos, distantes... Mas no meu isolamento, só reconheço a miséria humana, e me solidarizo com todos - por mais irônico que me pareça, hoje, invejo os que acabaram de morrer: a mortalidade é uma bênção que ainda não me alcançou em cheio.

Lithium

Nos últimos meses, o vento se apresenta ruidosamente nas janelas ao meu redor. A cidade está logo ali, do outro lado do vidro, mas eu estou longe demais dela, com meus ossos doendo sob o abraço constante de um frio que parece interminável.

Fico sozinho e em silêncio agora quase todos os dias. Quando quero companhia humana, ligo a TV nem que seja para ver e ouvir bobagens. Ontem, por exemplo perdi alguns momentos vendo um filme desconhecido, que depois descobri ter sido julgado impiedosamente como "a horrible little movie about a high school ancient history class". No entanto, por uns instantes ele foi para mim uma boa companhia, melhor do que a das paredes brancas de meu apartamento vazio.

O problema maior do silêncio e da solidão é que eles forçam à reflexão. Nesse filme, por exemplo, eu achei um espelho, que me seguiu até a manhã de hoje. Numa cena, um ex-professor, que havia acabado de dar a um antigo aluno um pequeno sermão sobre virtudes, recebe uma resposta do tipo "Quem dá a mínima para isso?". Tal frase ecoou profundamente em meu apartamento e ressoando se fixou em meu crânio.

Na cama, à noite, eu ainda podia ouvir a redescoberta silenciosa que tais palavras me trouxeram: eu sou nada. Aos quarenta anos, eu sou nada. Portanto, nunca serei nada. No entanto, "quem dá a mínima para isso?" Eu viajei muito, vi diferentes terras e paisagens, só para chegar em casa e encontrar uma terra arrasada e infértil, jazendo sobre os meus ombros. Agora é tarde, mas só agora descobri que meu talento é nenhum.

Sou um professor ridículo, de um filme de quinta categoria, que ninguém viu, e que escreve em silêncio palavras que ninguém lê. Meu trabalho, meu destino, é esse: semear no vazio para colher o vento. E ainda estou no outono: o inverno parece que vai ser longo. Mil aulas inúteis ainda me esperam, de segunda a sexta, quase todas as noites.