quinta-feira, 29 de julho de 2010

God only knows

Uns tempos atrás, aproveitando uma promoção, comprei alguns CDs que esqueci no fundo de meu armário. Hoje, cansado de ouvir as mesmas musicas de sempre, abri um desses CDs - "Pet Sounds", do grupo americano Beach Boys - e para minha surpresa encontrei "God only knows"...
"I may not always love you
But long as there are stars above you
You never need to doubt it
I'll make you so sure about it

God only knows what I'd be without you

If you should ever leave me
Though life would still go on believe me
The world could show nothing to me
So what good would living do me

God only knows what I'd be without you
God only knows what I'd be without you

If you should ever leave me
Well life would still go on believe me
The world could show nothing to me
So what good would living do me

God only knows what I'd be without you"

[Eu posso não te amar sempre
Mas enquanto houver estrelas sobre você
Você nunca vai precisar duvidar
Eu vou fazer você ter muita certeza disso

Só Deus sabe o que eu seria sem você

Se você me deixasse
Embora a vida ainda continuasse, acredite-me
O mundo não poderia mostrar nada para mim
Então que bem viver me faria?

Só Deus sabe o que eu seria sem você
Só Deus sabe o que eu seria sem você

Se você me deixasse
Bem, a vida ainda continuaria, acredite-me
O mundo não poderia mostrar nada para mim
Então que bem viver me faria?

Só Deus sabe o que eu seria sem você]
E foi também hoje que descobri que o "Pet Sounds" está numa lista, publicada agora em julho, dos 50 álbuns que construíram o rock progressivo.


Moral da história: por um desses mistérios do universo, hoje eu pude cantarolar, por acaso, exatamente o que eu sentia...

Pigs on the wing

"If you didn't care what happened to me,
And I didn't care for you,
We would zig zag our way through the boredom and pain,
Ocasionally glancing up through the rain,
Wondering which of the buggers to blame
And watching for pigs on the wing.

You know that I care what happens to you,
And I know that you care for me too,
So I don't feel alone, or the weight of the stone
Now that I've found somewhere safe to bury my bone.
And any fool knows that a dog needs a home,
A shelter from pigs on the wing."

[Se você não importasse com o que aconteceu comigo,
E eu não me importasse com você,
Nós ziguezaguearíamos nosso caminho através do tédio e da dor,
Ocasionalmente olhando para cima através da chuva,
Querendo saber qual dos vagabundos culpar
E observando porcos que voam.

Você sabe que eu ligo para o que acontece com você,
E eu sei que você se importa comigo também,
Então eu não sinto a solidão, ou o peso da pedra,
Agora que eu encontrei um lugar seguro para enterrar o meu osso.
E qualquer idiota sabe que um cão precisa de um lar,
Um refúgio contra porcos que voam.]

segunda-feira, 26 de julho de 2010

Poema de sete faces


Meu amor é uma taça de cristal, fina e delicada, que vibra e canta quando tocada com a ponta dos dedos.

Meu amor é uma fruta doce, macia e saborosa, que se deixa cortar com uma faca quase sem fio.

Meu amor é uma teia, feita de mil fios que aprisionam delicadamente as gotas de chuva.

Meu amor é um nada, que substitui com seu calor o nada dos espaços frios que o universo me apresenta.

Meu amor tem sete letras e nome, cor, sabor, textura e cheiro que são só dele.

Meu amor é um unicórnio branco de olhos verdes e crina negra, caminhando num jardim florido.

Meu amor não cabe em lugar algum, e enche os meus olhos e minha alma, até que eu transbordo, e descanso, repleto de lágrimas e letras.

(imagem: um universo preenchido por heptágonos - segundo a wikipedia, "o heptágono regular é o menor polígono regular que não pode ser construído com régua e compasso"; o título desta postagem vem de um poema de Carlos Drummond de Andrade)

segunda-feira, 19 de julho de 2010

O segredo de Beethoven

Meus olhos, doentes e vazios, são quase sempre tudo que me resta, tudo que sou. Com eles, às vezes, eu saio a pescar e pego algo, que mostro a quem passa por aqui.

Hoje, na minha rede veio um filme, um musical cheio de dramas humanos, e que fracassou nas bilheterias. Pena: "Dinheiro do céu" chega a ser tocante.
"If you want the things you love
You must have showers.
So when you hear it thunder
Don't run under a tree
There'll be pennies from heaven for you and me."

No fim de semana, o que encontrei foi Beethoven.
"The vibrations on the air are the breath of God speaking to man's soul. Music is the language of God. We musicians are as close to God as man can be. We hear his voice, we read his lips, we give birth to the children of God, who sing his praise. That's what musicians are." 
[As vibrações no ar são o sopro de Deus falando à alma do homem. A música é a linguagem de Deus. Nós músicos estamos tão perto de Deus quanto o homem pode estar. Nós ouvimos a sua voz, lemos os seus lábios, que dão à luz aos filhos de Deus, que cantam seus louvores. Isso é o que os músicos são.]
"O segredo de Beethoven" é um filme que ilustra o possível papel que um ser humano pode ter na vida de outro, tudo emoldurado por locações muito belas e músicas que dispensam comentários.


Mas no fundo, no fundo, eu nem queria mesmo ter visto esses filmes. Tudo que eu queria ver eram outros olhos em frente aos meus, olhos tocantes, belos e que dispensam comentários, e sobre os quais eu gostaria de falar aqui, mas que ainda não fui capaz de capturar - só posso imaginá-los, belos e musicais, falando de Deus à minha alma, me aproximando de Deus tanto quanto é possível...

Moving waves


Há deslizes que parecem imperdoáveis, por serem de proporções monumentais. Os famosos "atos falhos", por exemplo, podem se encaixar nessa categoria:
"Um ato falho, ou tecnicamente parapraxis, é um erro na fala, na memória, ou numa ação física que é interpretado como ocorrendo devido à interferência de algum desejo, conflito ou linha de pensamento inconsciente ("dinamicamente reprimido", muitas vezes sexual)."
O que me incomoda nessa frase é a palavra "interpretado": nem tudo precisa ou pode ser interpretado (e, bem, eu não concordo que tudo tenha fundo sexual). Só que a maioria das pessoas - eu, inclusive - quer ver significados em tudo, e assim é fácil esquecer que muitas vezes, um charuto é só um charuto. Sorte que alguém na wikipedia lembrou disso:
"Em contraste com Freud e seus seguidores, os psicólogos cognitivos afirmam que deslizes linguísticos podem representar um conflito de seqüenciamento na produção da gramática. A partir dessa perspectiva, deslizes podem ser devidos a subespecificações cognitivas que podem assumir uma variedade de formas - desatenção, dados sensoriais incompletos ou conhecimentos
insuficientes. Em segundo lugar, podem ser devidos à existência de algum padrão de resposta adequado a nível local que é fortemente condicionado pelo seu uso anterior, ativação recente ou alteração emocional ou pelas condições de chamada da situação (...). Em outras palavras, [nesses casos] os erros foram devido à substituição de hábitos fortes."
Eu tenho um milhão de hábitos, alguns bem antigos, já que sou um cachorro velho, que demora a aprender truques novos. E um que eu já devia ter aprendido há bastante tempo é o de ter muito cuidado com coisas delicadas.

Eu escrevo tudo isso porque ontem eu, por conta de "hábitos fortes", quebrei um diamante, e hoje sinto ainda os cacos dele na minha mão, debaixo das minhas unhas, piores que farpas de madeira. O pior de tudo é sentir não haver o que fazer: parece que não há cirurgião que retire esses pedaços da minha carne e, especialmente, parece não existir cola ou técnica que remonte o que eu quebrei.

Eu me sinto como Orfeu, que foi até o inferno resgatar a quem ele amava, e que já na saída com ela cometeu o único erro que ele não podia cometer...

(imagem: Orfeu; o título desta postagem vem de um álbum do grupo de rock progressivo Focus, que tem uma música de dezesseis partes chamada "Eruption", sendo que uma delas é "Orfeus")

terça-feira, 13 de julho de 2010

Papillon


Trecho de um texto do colunista João Pereira Coutinho, publicado na Folha de São Paulo de hoje:
""Brilho de Uma Paixão" começa por oferecer essa gramática; uma gramática sobre "a santidade dos afetos do coração", como afirma Keats, e nós vamos acompanhando a evolução desses afetos, apresentados na sua forma mais bela, despojada, dir-se-ia até pueril.  
Fanny conhece Keats de forma casual, sem os heroísmos habituais dos filmes de época; em seguida, procura conhecer os seus poemas. Compra e lê "Endymion", o poema que a crítica, sempre inteligente, ridicularizou a golpes de maldade. E quando o reencontra dias depois, diz-lhe com uma honestidade tocante: "Não estou certa de ter gostado de "Endymion", mas o começo é algo de perfeito. Não conheço palavras mais sábias e premonitórias".  
É o princípio de uma história de amor, embora "amor" seja termo assustador e ambíguo para o assustadiço e ambíguo Keats. Mas ele cede. E cede porque sabe: três dias de paixão são mais valiosos do que 50 anos de banalidade, escreve ele numa missiva. Mesmo que os dias sejam fugazes e, como na vida das borboletas, mortais."
Uma amiga me disse que os alemães têm uma expressão, "Schmetterlinge im Bauch", que fala do frisson causado pelo amor: quem ama sente "borboletas na barriga". Isso é assustador, mas ter borboletas na barriga significa também temer que elas morram cedo demais: três dias de paixão são mais valiosos do que 50 anos de banalidade, mas o problema é ter que viver 50 anos banais depois de viver três dias verdadeiros.

Quanto a mim, não, não sou Keats, mas anseio pela minha Fanny: eu morreria em paz depois de viver ao lado dela...

(imagem: Der Schmetterlingsjäger, do alemão Carl Spitzweg, século XIX)

domingo, 11 de julho de 2010

Admirável mundo novo



Flanando pela Paulista nesse domingo, ao lado de um amigo, vimos um garoto andando de skate. Até aí nada demais, exceto pelo fato do rapaz ter uma prótese no lugar de uma das pernas. Meu amigo, espantado, disse algo do tipo "como é maravilhosa a tecnologia de hoje", e daí nossa conversa enveredou por esse rumo: celulares, internet, etc.

Eu não posso mesmo discordar do maravilhamento de meu amigo: comigo em casa, sozinho, de frente a este meu netbook de segunda mão conectado a uma rede sem fio, viajo sem sair do lugar, e mesmo não sendo o mesmo que estar onde eu queria, longe daqui, rápido consigo esquecer, por um bom tempo, que nestes dias falta algo em minha vida...

(imagem: cartão postal francês de 1910, "antecipando"o Skype; eu troco postais usando um site da internet - coisa de maluco, mas aceito que eu sou mesmo meio estranho)

sábado, 10 de julho de 2010

I'm free

Frase interessante que achei rolando na internet:
"Go to work, send your kids to school, follow fashion, act normal, walk on the pavement, watch T.V., save for your old age, obey the law. Repeat after me: I am free."

[Vá trabalhar, mande seus filhos para a escola, siga a moda, aja normalmente, ande na calçada, veja TV, economize para sua velhice, obedeça à lei. Repita comigo: eu sou livre.]
Pois bem: repita comigo...



Einstein's telescope


O que não se faz por amor? Quantas loucuras, bobagens e atos sublimes o amor inspira...

Mas, é claro, há também o outro lado, algo esquecido, que é o das loucuras, bobagens e atos sublimes que são feitos quando não se tem alguém por perto para amar. Eu, por exemplo, sozinho estes dias e em férias, me senti totalmente sem saber o que fazer de mim. Então, por pura falta do que fazer, me peguei pensando em fundamentos da física...

Alunos do ensino médio já devem ter ouvido falar de Isaac Newton, cientista inglês do século XVII, e das três leis do movimento formuladas por ele. O que, em geral, os alunos não ouvem são comentários sobre o que significam as leis de Newton.

É fácil e intuitivo entender que os corpos, de uma forma geral, tendem a permanecer como estão, ou seja, se algo está parado esse algo tende a permanecer parado se ninguém mexer com ele. A grande "sacada" de Newton foi perceber que se um corpo estiver em movimento ele também vai tender a continuar em movimento - isso não é intuitivo, pois, no mundo em que vivemos, as coisas não ficam se movendo para sempre: em geral, elas param. O que Newton percebeu foi que mesmo para fazer o movimento de um corpo acabar é preciso mexer com o corpo, interagir com ele, e a natureza costuma fazer isso, através do atrito, por exemplo. Assim, do mesmo modo que para tirar um corpo do repouso é preciso agir sobre ele, para parar um corpo, ou diminuir sua velocidade, também é preciso agir sobre ele. Essa é a lei da inércia.

Bem, Newton percebeu, assim, que, quando se interage com um corpo, pode-se alterar não só sua posição, mas principalmente sua velocidade. A velocidade é que importa, junto com a massa do corpo: corpos mais massivos são mais difíceis de parar ou mover que corpos leves. Da união dessas duas idéias é que sai a noção de quantidade de movimento, que é uma quantidade construída pelo produto da massa e da velocidade de um corpo.

O próximo passo natural é pensar no que pode alterar a quantidade de movimento: Newton pensou que para haver alteração da quantidade de movimento deve haver algo chamado força agindo no corpo. Ou seja, o conceito de força é algo que Newton "inventou" - ou definiu - como sendo qualquer coisa que causa mudança na quantidade de movimento. Como normalmente a massa de um corpo não muda, é mais comum que a quantidade de movimento se altere por uma alteração na velocidade do corpo, e uma alteração de velocidade é conhecida como aceleração.  Logo, a segunda lei de Newton é geralmente conhecida como dizendo apenas "força é igual a massa vezes aceleração".

A aceleração, entretanto, é mais que uma mudança da velocidade. A velocidade pode ser definida como mudança de posição: se algo se move, esse algo tem alguma velocidade. Mesmo algo que não se move tem velocidade, só que nesse caso ela é zero. Assim, a aceleração é uma mudança "dobrada" da posição - em termos matemáticos, a aceleração é a segunda derivada da posição.  Ou seja, uma força é algo que, em geral, está ligado a uma segunda derivada da posição.

É importante lembrar que a velocidade pode mudar em quantidade e em direção. Se você estava indo para a frente a 60 por hora, e de repente, faz ma curva para algum lado, ainda a 60 por hora, você alterou sua velocidade, e sofreu uma aceleração. Ou seja, há uma força envolvida também em mudanças de direção.

Os planetas do sistema solar, como a Terra, se movem ao redor do Sol, em trajetórias curvas. Portanto, os planetas estão constantemente se movendo e mudando de direção, voltando ao ponto de onde saíram depois de um "ano" (depois de uma órbita completa ao redor do Sol), mas se movendo sempre, com uma certa aceleração. A força ligada a essa aceleração é a gravidade.

A relatividade geral, criada pelo alemão Albert Einstein no início do século XX, muda um pouco essa descrição da gravidade. O que Einstein notou é que não é a segunda derivada da posição (ou seja, a aceleração) que é importante para uma descrição da gravidade, mas sim a segunda derivada de uma outra quantidade, ligada à geometria.

A posição de um corpo num determinado local tem que ser medida a partir de um ponto de referência, chamado de origem, e essa medida pode ser escrita como "tantos metros de distância da origem na direção tal". A distância entre dois corpos independe da minha escolha de origem ou da direção em que eles estão da origem: essa distância só depende da posição relativa dos dois corpos. Pois bem, a distância entre dois corpos depende de uma quantidade geométrica chamada de métrica, que indica como é o espaço entre os dois corpos: se o espaço entre eles é curvo, como é a superfície da Terra, a métrica é uma, ao passo que se o espaço entre eles é plano, como numa folha de papel, a métrica é outra.

O que Einstein entendeu é que a gravidade está ligada à segunda derivada da métrica, e não da posição, e que essa ligação não é simples como é a ligação entre a força e a aceleração. No fundo, isso significa que a gravidade está ligada com a geometria do espaço e do tempo. Em outras palavras, a gravidade está ligada com a curvatura do espaço-tempo e, nesse sentido, não é uma força como as outras: esse é o espírito da relatividade geral.

Embora a descrição da gravidade feita por Einstein explique muita coisa, especialmente na região do sistema solar (a órbita de Mercúrio, por exemplo, só é explicada adequadamente quando se usa a gravidade de Einstein), ela parece falhar quando se trata de explicar o movimento das estrelas na periferia das galáxias, por exemplo. Para que ela funcione a contento nessa região, é preciso supor que exista uma quantidade de matéria lá que não é visível, a não ser por sua aparente influência no movimento das estrelas - é a assim chamada matéria escura.

O que eu me peguei pensando estes dias é que isso pode ser só um truque da nossa visão de mundo. Não parece haver matéria escura no sistema solar (ela não é necessária para explicar o movimento dos nossos planetas vizinhos), mas talvez haja tanta matéria escura aqui como em qualquer outro lugar, em média, e essa quantidade pode ser nenhuma. O que pode estar acontecendo é que a relatividade geral - ou outras teorias "alternativas" da gravidade - pode não estar considerando adequadamente o status do observador.

E o que eu quero dizer com status do observador? Vou fazer uma analogia com o magnetismo: para haver um campo magnético é preciso haver elétrons se movendo. O magnetismo é um "resíduo" da movimentação dos elétrons. Alguém montado num elétron poderia, ao menos em princípio, ter dificuldade em perceber que esse seu elétron se move, do mesmo modo que nós, humanos, tivemos, por séculos, dificuldades em perceber que a Terra se movia, e assim poderia ter dificuldades para conhecer a força magnética e associá-la aos elétrons em movimento. Mas se esse alguém olhasse para outros sistemas de elétrons em movimento poderia perceber que algo diferente acontece lá, e seria talvez tentado a postular a existência de elétrons não visíveis lá longe.

O que eu quero dizer, portanto, é que pode ser que a nossa movimentação no sistema solar não permita percebermos a força da gravidade como ela é, ao nosso redor, assim como um hipotético observador montado num elétron não perceberia de imediato o magnetismo acontecendo ao seu redor causado pela movimentação desse elétron. Confuso?

Bem, bem, são apenas especulações de uma mente solitária, só isso e nada mais: não faço a menor idéia de como expressar isso matematicamente, ou se o que eu escrevi acima faz sentido logicamente. Estou sozinho e faz frio nesta cidade de milhões de almas: só me resta achar como passar o tempo...

(imagem: curvatura do espaço por um aglomerado de matéria, causando o que se chama de uma lente gravitacional, que pode ser percebida pela existência de uma orientação circular na imagem; o título desta postagem - numa tradução livre, "O telescópio de Einstein" - vem de um livro sobre a busca pelo "lado escuro" do universo que comprei recentemente e não consigo terminar de ler, já que está bastante frio e eu só quero dormir...)

domingo, 4 de julho de 2010

Mulheres alteradas


Trechos de entrevista dada pela quadrinista argentina Maitena, autora de uma série de quadrinhos intitulada "Mulheres alteradas":
O que faz as mulheres ficarem alteradas no século 21? Filhos, casa, trabalho, corpo, amor?
Maitena: A alteração das mulheres vem exatamente da soma de todas essas coisas. Se fosse só uma delas, levaríamos na boa. O problema é que queremos fazer muitas coisas ao mesmo tempo. E isso não dá, ou dá, mas a um custo muito alto. Mas o que mais nos preocupa é o tema afetivo. Mesmo que estejamos cada vez mais independentes e realizadas, isso não muda. Para as mulheres, é o amor que nos faz sentir vivas.
Ser uma mulher alterada é bom ou mau? E o que os homens pensam disso?
Maitena: Eu acho que estar um pouco alterada é bom, é saudável. Nos tratam como loucas porque somos extrovertidas e mais expressivas, rimos, choramos, gritamos e ficamos enjoadas (às vezes, tudo junto, ao mesmo tempo). Com facilidade, colocamos tudo pra fora. Então, passamos a imagem de maior desequilíbrio que os homens, que são mais contidos, mas também têm úlcera, acidez, bebem até cair. Nós, mulheres, nos alteramos, eles se estressam.
O que mais me estressa não é querer tudo ao mesmo tempo, ou me conter o tempo todo - é não saber conviver com as mulheres...

(imagem: reprodução de pintura de Ingres, que tenho em casa - a pintura retrata uma mulher jovem, adolescente, como fonte... de quê? Respostas nos comentários, por favor...)

sábado, 3 de julho de 2010

And you and I


"And you and I climb, crossing the shapes of the morning.
And you and I reach over the sun for the river.
And you and I climb, clearer, towards the movement.
And you and I called over valleys of endless seas."

Só a idéia (ou a imagem) de vales de mares sem-fim me deixa doente de saudade dos vales onde eu queria estar, que são de amores sem-fim...

Cemetry gates


Há vezes, na vida, em que a gente se sente perdido, como um cachorro que caiu de um caminhão de um mudança... Hoje, estou assim: meu coração está noutra parte, e não neste mundo em que sou obrigado a vagar.

Vagando, fui almoçar numa padaria perto de casa, onde há várias revistas à disposição dos clientes que aguardam os seus pedidos. Em meio a revistas sobre carros e dicas de saúde e beleza, encontrei uma "Veja", que nunca leio ou compro, por discordar - muito - de sua linha editorial, e fui folheando até achar, na resenha de um filme envolvendo uma parte da vida do poeta inglês Keats, um parágrafo que me agradou demais. Sem caneta à disposição, fotografei a revista com meu celular, que tem uma câmera de baixa resolução e, agora, o que consigo ler nas duas fotos que tirei é isso:
"Brilho de uma paixão é suntuosamente fotografado e muito embevecido com a beleza de suas casas, jardins e figurinos (sem falar na beleza limpa e fresca de sua atriz, uma espécie de versão alimentada a leite integral da também australiana Nicole Kidman). Para o espectador distraído, pode assim passar como mais uma história "de mulherzinha" sobre uma paixão impossível e de fim trágico. Quando Keats morreu de tuberculose longe dela, na Itália, aos 25 anos, Fanny se entregou a paroxismos de sofrimento, o que poderia ser visto como confirmação dessa hipótese. Mas, prestando-se atenção ao desenvolvimento perspicaz que Jane Campion dá ao romance, entende-se o que Fanny de fato perdeu: não só seu primeiro amor, como a possibilidade de uma conexão verdadeira e sem reservas. O que não é só muito - é quase tudo."
"Uma conexão verdadeira e sem reservas" é quase tudo que eu acreditava ser impossível existir entre seres humanos. Romântico e idealista, eu já quis escrever coisas como as que o ultra-romântico Keats escreveu:
"My love has made me selfish. I cannot exist without you — I am forgetful of every thing but seeing you again — my Life seems to stop there — I see no further. You have absorb'd me. I have a sensation at the present moment as though I was dissolving — I should be exquisitely miserable without the hope of soon seeing you. [...] I have been astonished that Men could die Martyrs for religion — I have shudder'd at it — I shudder no more — I could be martyr'd for my Religion — Love is my religion — I could die for that — I could die for you. [Meu amor me fez egoísta. Eu não posso existir sem você - estou esquecido de tudo exceto de vê-la novamente - a minha vida parece parar aí - eu não vejo além. Você tem me absorvido. Tenho uma sensação no momento presente de que é como se eu estivesse me dissolvendo - Eu seria intensamente miserável sem a esperança de vê-la em breve. [...] Me surpreendia que homens pudessem morrer mártires da religião - isso me arrepiava - não me arrepio mais - eu poderia ser martirizado por minha religião - minha religião é o amor - eu poderia morrer por isso - eu poderia morrer por você.]"
Mas, olhando para mim e o meu entorno, em meu passado, quando eu era moço, nunca vi para quem endereçar devaneios desse tipo. E hoje, com a velhice se anunciando nas minhas juntas, o que me restou foi almoçar um prato feito de padaria, enquanto a TV mostrava a Espanha enfrentando o Paraguai...

Se Deus permitir, aceito uma outra sugestão de outra revista "Veja" da padaria e, ao invés de ficar aqui, vou até Santos ("a bola da vez") num fim de semana desses. Lá, posso até não encontrar o que eu queria, mas há a Bolsa do Café, e, como sempre, o mar onde, quem sabe, posso afogar meus olhos à vontade.

(imagem: Keats, num retrato que está num belo museu de Londres; preciso voltar lá um dia desses... O título desta postagem vem de uma música dos Smiths: "So we go inside and we gravely read the stones / All those people all those lives / Where are they now? / With the loves and hates / And passions just like mine / They were born / And then they lived and then they died / Seems so unfair / And I want to cry")