Não pude deixar de perceber que eu poderia ter conversado com algumas pessoas que acompanham este blog (estou realmente surpreso que elas existam) e com autores de outros blogs que eu acompanho, em Arraial do Cabo, no último fim de semana. Mas praticamente não o fiz: entrei quase mudo e saí quase calado. Aos meus leitores acho que devo um pedido de desculpas, e essa postagem é meio que para isso.
Acho que a minha primeira paixão "aconteceu" quando eu tinha uns treze anos. Ela era uma mocinha oriental (acho que se chamava Kelly Cristina, ou algo assim) e, um belo dia, depois de perceber o quanto eu estava abobalhado, ela me convidou para uma festa na casa dela, para um daqueles bailinhos de adolescentes com músicas românticas. Eu me senti totalmente perdido: a menina era muito bonita, e sua casa era no centro da cidade, enquanto eu era muito feio e morava na periferia. Hoje vejo que eu estava no meio de um daqueles filmes de "besteirol americano", fazendo, é claro, o papel clássico de
nerd.
Trinta anos depois disso, aconteceu o EWCLiPo (ótimas descrições do evento podem ser achadas em outros
blogs), no último final de semana. E, ao ver as palestras e pessoas lá, saltei uns trinta anos para trás. As pessoas lá eram todas -
todas - muito mais bonitas, mais bem vestidas, mais saudáveis e mais inteligentes do que eu. Ao ver uma palestra - muito, muito interessante - sobre
gastronomia molecular, me senti um neandertal: gastronomia, para mim, é um luxo, algo que eu nunca entendi. Ao ver, na confraternização do primeiro dia, a distribuição de um risoto de (ou seria com?) frutos do mar, me senti um mendigo: eu nunca como nada assim tão sofisticado. Durante a confraternização algumas pessoas falavam de cervejas européias, estadas na Alemanha, pós-docs sei lá aonde.
Com o passar dos dias, meu sentimento de inferioridade só foi crescendo. A junção de arte e ciência era algo que eu só sonhava que existisse, como projeto, em minha cabeça, algo que eu nunca vira no mundo real, e estava lá, na minha frente, apresentada por
duas pessoas, com o anúncio até de uma
oficina literária. O ápice se deu com a apresentação de uma
neurocientista, uma moça com uma fala e aparência tão diferente das moças e pessoas que eu vejo e vi nos meus dias, que já até apresentou uma matéria no Fantástico, que eu me senti um alienígena, morando num acampamento improvisado, vivendo num
refúgio de periferia criado para criaturas estranhas como eu.
E mesmo as pessoas "estranhas", de aparência não televisiva, falaram de coisas tão inteligentes, que eu me senti uma ameba.
Não estou exagerando: estudei na USP e na UNESP, em diferentes cidades, campi, cursos e níveis, trabalhei em duas universidades federais, em dois estados diferentes, e nunca, nunca estive num meio tão socialmente sofisticado. Meu mundo foi, e é, o de gente comum, que come arroz, feijão e miojo todos os dias.
Eu como miojo quase todas as noites. A peça de roupa mais cara que eu comprei na minha vida
toda é a bota que eu uso hoje, que comprei apenas para poder acompanhar melhor os alunos em caminhadas no mato, e que custou uns cem reais.
Onde eu vivi esse tempo todo? Não sei. Acho que vivo de restos e migalhas de um mundo que eu não consigo enxergar, de uma mesa que é alta demais para que eu possa ver o que há nela. E eu, pelos critérios do Brasil, sou um privilegiado: eu estudei e tenho um emprego. Eu sou parte da elite - e não sou nada.
Tudo isso é muito estranho. A neurocientista, charmosamente carioca e impressionantemente "estilosa" (sentado atrás dela, não pude deixar de reparar que ela retocou o batom antes de levantar para falar), comentando, em sua apresentação, aulas de dança de salão que ela teve, me lembrou uma colega, oriental e bióloga, filha de cientistas, que dança graciosamente ao andar, e tudo isso me lembrou Kelly e as dúzias de paixões (não correspondidas) que eu tive: acho que as perdi, em parte, por eu nunca ter sabido dançar.
Eu nunca dancei, eu nem mesmo consigo perceber o ritmo, a não ser quando já é tarde demais, e, por isso mesmo, acho que já dancei...
(imagem: mais uma imagem tirada da wikipedia - ""Il Ballo" (ou "A dança", com a legenda, em italiano, dizendo mais ou menos "Uma dança festiva desperta o amor e alimenta a esperança com viva alegria."), de Giuochi, Trattenimenti e Feste Annue Che si Costumano in Toscana e Specialmente in Firenze"; já o título dessa postagem é tirado de um conto de Tolstoi)