terça-feira, 22 de junho de 2010

O banquete


Lendo um livro intitulado "Os 10 mais belos experimentos científicos", encontrei logo de cara, na introdução, trechos que eu achei que não podia deixar de citar (achei também erros bem feios - o termo "neutral currents", ou seja, correntes neutras, aparece como "correntes neutrais" e, logo após, como "correntes neurais"):
"[Para Faraday] beleza significa "não aquela que parece mais bela, mas aquela que age de forma mais bela". A seus olhos, uma vela é bela porque funciona de forma elegante e eficiente em decorrência de várias leis universais.

(...)

Às vezes desconhecemos nossas expectativas até que elas sejam atendidas, mas um objeto belo traz com ele uma feliz realização: "Era isso o que eu queria!" O fato de os experimentos possuírem essas propriedades sugere que eles podem ser chamados de "belos" - e não apenas de forma metafórica, ampliando o sentido literal do termo, mas na forma legítima e tradicional da palavra."
A busca pela beleza desse tipo é o que deveria mover o mundo e a ciência. Eu afirmo isso, claro, puxando a sardinha para minha brasa: o que me move, creio, é uma curiosidade fundamentalmente ligada à busca por essa beleza elegante, eficiente e repleta de significância. Tal pensamento não é novo; já o encontrei expresso pelo francês Henri Poincaré:
"O cientista não estuda a natureza porque isso é útil; ele a estuda porque se deleita com isso, e se deleita porque ela é bela. Se a natureza não fosse bela, não valeria a pena conhecê-la, e se a natureza não merecesse ser conhecida, a vida não valeria a pena ser vivida."
Beleza, beleza, beleza - pois é: este é o assunto que mais me assombra...

(imagem: pintura de Modigliani, presente em um livro chamado "Modigliani: a poesia do olhar", onde pode-se ler que "com esta série de nus, que pintou num curto período de tempo, Modigliani erigiu um segundo templo de beleza, já que estas telas exprimem a mesma arrebatada sublimidade das suas esculturas; a sua beleza idealizada passa pela mesma transfiguração poética"; o título desta postagem vem de um discurso de Platão que fala do amor e, é claro, da beleza...)

A tempestade


No final de semana descobri uma locadora de vídeos com um acervo que vai muito além do trivial. Arrisquei uma versão cinematográfica de uma peça de Shakespeare, "Prospero's books", dirigida por Peter Greenaway (em português, o título é "A última tempestade"). O ponto mais conhecido da peça é a fala
"We are such stuff
As dreams are made on, and our little life
Is rounded with a sleep."

[Nós somos feitos
da mesma substância que os sonhos, e nossa pequena vida
é cercada por um sono.]
Já o filme é um delírio visual. Com um monte de gente nua ou semi-nua e imagens barrocas, cheias de panos e rendas, me lembrou circo, peças do José Celso Martinez Corrêa, Fellini, e sei-lá-mais-o-quê. Assisti no cinema, recentemente, um filme dinamarquês, "Italiano para principiantes", de uma cineasta ligada ao movimento Dogma e, assim, acho adequado dizer que este Shakespeare que eu vi é um filme totalmente anti-Dogma...

Minha vida, ultimamente, tem sido quase isso: a escolha entre extremos. Ou um confortável filme de temática pequeno-burguesa, adequado para as multidões, ou uma sofisticada - talvez até mesmo barroca e extravagante - peça de teatro de "vanguarda", que agrada a poucos. Não que eu goste de ou saiba estar na vanguarda mesmo (e eu não quero ser burguês ou elitista), mas cansei dos clichês típicos de Hollywood e das situações esquematizáveis da literatura e da dramaturgia convencionais (que seriam 36, segundo uma classificação que se encontra por aí): minha praia é outra.

Só não sei se dá para fugir disso, da convencionalidade e do mediano, o tempo todo, e se fugir disso significa mesmo ter que ir para o outro lado, o dos que "ousam" demais  - como eu não sou José Celso Martinez, eu preferia achar um meio-termo (que espero ter encontrado), mas não sei se o mundo permite esse tipo de acordo...

(imagem: Miranda, único personagem feminino da peça de Shakespeare, em pintura do início do século XX, sobre quem o personagem Ferdinando fala, na primeira cena do terceiro ato, "Admirável Miranda! Sim, remate de toda perfeição, digna de quanto no mundo há de mais raro. A numerosas damas já dirigi olhares ternos, por vezes tendo-me ficado presos os atentos ouvidos na harmonia de seu doce falar. Dotes variados me fizeram gostar de outras mulheres, sem, contudo, empenhar nisso a alma toda, porque sempre se opunha algum defeito às suas qualidades mais sublimes, para o valor manchar-lhes. Vós, no entanto, ah! tão perfeita e incomparável, fostes feita de tudo o que de mais custoso pode haver na criação.")

terça-feira, 15 de junho de 2010

Perception

Recebi ontem uma mensagem me avisando de que haverá um seminário na universidade intitulado "The effects of sex hormones on cognition". Fiquei impressionado: há diferenças de gênero na percepção do universo?

Sendo homem, eu confesso: eu sempre tive curiosidade em saber como seria ser uma mulher (sem piadinhas, por favor). Há algo de intrinsecamente diferente entre as almas feminina e masculina, ou é só uma questão de focos distintos, desentendimentos, erros de interpretação e uso de linguagens diferentes?

Tenho inveja de Tirésias - personagem masculino da mitologia grega que foi mulher por um tempo - e de Orlando - personagem de Virginia Woolf  que um dia acorda mulher... Se der, volto noutra vida mudado, só para saber como é.

Mas não é só isso: ultimamente, por conta de discussões linguísticas (tenho tido contato com um pouquinho, muito pouquinho mesmo, de alemão), eu fiquei pensando se faz sentido dividir o mundo em entidades masculinas e femininas. Sabe como é: os alemães falam "Der Mond" que, traduzido ao pé da letra, seria  "O Lua", enquanto os franceses falam "la mer", que seria "a mar". O que faz o mar e a lua serem masculinos ou femininos?

Minha dúvida atual é até pior que essa: há ciências, disciplinas e teorias masculinas e femininas? A física, por exemplo, parece ser uma disciplina masculina por excelência, mas relatividade geral e mecânica quântica eu apostaria que são de gêneros opostos... Já discuti o assunto com alguns colegas e não consigo chegar a um acordo. Com tempo, se der, vou anotar os argumentos neste blog.

Por ora, deixo como "frase de encerramento" um vídeo que mostra uma ilusão cognitiva: o cérebro humano, complexo como ele só, é muito facilmente enganado...

quarta-feira, 2 de junho de 2010

The boney king of nowhere

Ontem fui a uma mesa redonda em que dois filósofos da ciência falaram sobre suas idéias e experiências pessoais. Um deles me assombrou, ao se dirigir aos alunos, dizendo que "a felicidade está fora da academia, nos amigos, na família".

Acho que não entendo nada de felicidade, nem de amigos ou de família. Hoje, não sei se conheço tais coisas. No frio desta manhã, parece que só existe a solidão, me envolvendo como um oceano, desde sempre, para sempre.

Há cerca de um ano fui a um show do Radiohead sozinho. Foi provavelmente o melhor espetáculo musical que eu já assisti, mas faltou algo: alguém do meu lado (e eu estava esmagado no meio de uma multidão). E hoje pela manhã, ao estacionar o carro no pátio do meu local de trabalho, fiquei uns minutos a mais, com o carro desligado, só para terminar de ouvir "There There", enquanto eu observava as nuvens correndo por sobre os prédios:
in pitch dark i go walking in your landscape.
broken branches trip me as i speak.
just because you feel it doesnt mean it's there.
just because you feel it doesnt mean it's there.

there's always a siren
singing you to shipwreck.
(don't reach out, don't reach out)
steer away from these rocks
we'd be a walking disaster.
(don't reach out, don't reach out)

just because you feel it doesn't mean it's there.
(there's someone on your shoulder)
just because you feel it doesn't mean it's there.
(there's someone on your shoulder)

there there

why so green and lonely?
heaven sent you to me.

we are accidents
waiting waiting to happen.

we are accidents
waiting waiting to happen.
Até ontem, eu pensava que havia caído em meu colo, por puro acidente, um tesouro, brilhante como o Sol, enviado para mim talvez diretamente das mãos de Deus, mas me esqueci que sempre há nuvens: o que resta, hoje, é o vazio de eras passadas, que acho que vai persistir até que eu me dissolva na Terra. Acho que foi ontem, quando me botaram na rua, que me disseram que eu sou um príncipe. Não, não mesmo: eu sou um saco de ossos ambulante, rei de lugar nenhum...

É: eu ainda posso dizer, como na canção, "Nós somos acidentes esperando para acontecer", mas creio que eu vou ter que esperar um bocado mais - e é bem provável que nada aconteça.

Me resta a academia.