segunda-feira, 31 de agosto de 2009

Os robôs do amanhecer


Acabo de sair de um seminário da área de cognição, onde o palestrante falou sobre uma tal de "embodied embedded cognition", teoria em que se supõe que o pensamento é totalmente dependente do corpo e do ambiente. Cada indivíduo teria em si uma série de respostas pré-programadas (todas dispostas em camadas equivalentes no "corpo") que estariam esperando para serem ativadas; o ambiente é que dispara esta ou aquela resposta em detrimento das outras.

Achei interessante a idéia, para não dizer o mínimo, por ir além do dualismo cartesiano de corpo e alma. E, se não me engano, tem (ou pode ter) aplicações na psicologia e na robótica.

(imagem: um enxame de robôs - talvez nossos cérebros sejam assim, mil ações individuais prontas para trabalhar...)

Tristes trópicos


Eis Claude Lévi-Strauss, que encontrei num outro blog:

"Tudo o que os físicos e os biólogos ensinam me apaixona; nada estimula mais minha reflexão. Ao mesmo tempo, parece-me que cada problema resolvido, ou que acreditamos resolvido, faz surgir novos problemas, e assim por diante, indefinidamente; de modo que nos compenetramos cada vez mais da certeza de que nossa capacidade de pensar é e permanecerá sempre inadequada ao real, de que a natureza profunda do real escapa a qualquer esforço de representação."

Eis o que eu vivo querendo dizer, mas não consigo. Eu também sinto que o mundo é muito mais sofisticado - e ao mesmo tempo paradoxalmente mais simples - do que nossa mente é capaz de imaginar. Representar o mundo é quase impossível, mas é necessário.

É: às vezes, me dá uma enorme vontade de largar tudo isso e andar nas matas, e ser índio, ou bicho (golfinho acho que seria legal), em comunhão com o cosmos...

(imagem: representação clássica de indígenas brasileiros, por Debret, na wikipedia)

domingo, 30 de agosto de 2009

O 18 Brumário de Luis Bonaparte


Há num texto do filósofo Karl Marx a frase “todos os fatos e personagens de grande importância na história do mundo ocorrem, por assim dizer, duas vezes.” Não sei bem o que isso significa: eu nunca li Marx tão a fundo.

Mas tenho minhas memórias e é delas que eu tiro algo particular: em 1989 eu morava numa república de estudantes em Araraquara, interior de São Paulo. Éramos seis, e só um de nós não estudava farmácia (fazia economia), e só um não era do interior de São Paulo (eu). Pois bem, era ano de eleições e, aparentemente, cada um ia votar num candidato diferente: meu colega da economia gostava do candidato dos comunistas, outro gostava de um velhinho que se lançara candidato, havia um outro que ia votar num ex-prefeito biônico de São Paulo, que mais tarde se tornaria senador e governador (ou ele já era senador? sei lá! olha na wikipedia, que eu estou com preguiça..), e assim por diante.

Eu me lembro que, num dia daqueles, eu vi claramente que todos os candidatos tinham seus méritos, menos um, que para mim tinha cheiro de golpe. Me lembro de ter falado aos meus colegas: votem em quem vocês quiserem, mas não votem nesse sujeito - ele é uma fraude. Adivinha quem ganhou a eleição? Ah, é, não precisa adivinhar, está tudo nos livros de história. Houve um impeachment uns poucos anos depois, quando eu já estudava física...

Enfim, de novo sinto aquele cheiro de vinte anos atrás. Não é o mesmo, mas é parecido. Parece, na verdade, um cheiro de uns poucos anos atrás - ou, muito, mas muito de leve, com um cheiro que não morre, um de muitos anos atrás, de mais de setenta anos de idade. Como eu sinto esse cheiro, acho que não me custa avisar, mesmo que eu esteja errado, mesmo que ninguém ouça.

E se a história se repetir? Bem, eu não controlo as forças históricas: sou só um Zezinho de uma esquina de periferia, que gosta de pensar que pensa de forma independente. Mas tudo isso pode ser mera ficção ou, mais provavelmente, um enorme auto-engano.

(imagem: uma personagem grega)

sábado, 29 de agosto de 2009

Uma teoria da dissonância cognitiva


Umas poucas postagens atrás, eu usei um truque sujo: eu falei mal de algo ao mesmo tempo em que usava essa mesma coisa. Eu explico: quando os outros usam é golpe baixo, já quando eu uso o uso é justificado ;)...

(imagem: um pensador num cemitério; uma dissonância cognitiva muito grande pode levar à inação e à morte - assim é melhor racionalizar e se auto-justificar...)

A dialética da natureza

 


Li numa postagem recente uma notícia em que aparecia o seguinte trecho:
"The most public critique came from Sam Harris, a prominent voice in the neo-atheist vanguard of best-selling authors and polemicists, said that "few things make thinking like a scientist more difficult than religion." (A crítica mais pública veio de Sam Harris, uma voz proeminente na vanguarda neo-ateísta de autores de best sellers e polemistas, cujo artigo opinativo de 26 de julho no The New York Times dizia que "poucas coisas fazem pensar como um cientista mais difícil do que a religião")"
Não sei não, mas não acho que essa opinião esteja correta: Newton certamente era religioso (gastou boa parte da vida tentando decifrar a Bíblia) e Einstein também (embora deva ser lembrado que ainda que religioso, Einstein não era um religioso comum).

A religião é incompatível com a ciência? Eu acredito que não. Mas há muita gente - do lado religioso e do lado científico - que quer que elas sejam antagônicas. Eu, certamente, não sou uma dessas pessoas: eu acredito e, ao mesmo tempo, reflito sobre minhas crenças. Meu espírito é o da conciliação.

(imagem: busto de Parmênides, um filósofo grego que escreveu sobre opostos)

quinta-feira, 27 de agosto de 2009

...sexo e física quântica


Como professor, tenho encontrada muita gente bem intencionada e bastante motivada que vem me apresentar coisas que elas consideram interessantes. "Professor, o senhor conhece o filme tal?" "Eu li em tal lugar que tal coisa é assim ou assado: o quê o senhor acha?"

Como professor com formação em física, muitas vezes as pessoas me apresentam coisas que elas imaginam serem relacionadas à mecânica quântica. "A mecânica quântica explica a alma, não é professor?" Bem, quando eu ouço coisas desse tipo eu me lembro de um dos maiores físicos ainda vivos, Stephen Hawking, que teria dito  "When I hear of Schrödinger's cat, I reach for my gun" (Quando ouço falar do gato de Schrodinger, eu procuro minha arma), e de um dos maiores físicos que já existiu, Richard Feynman, que teria dito "It is safe to say that nobody understands quantum mechanics" (É seguro dizer que ninguém entende a mecânica quântica).

Eu mesmo não acho que entendo a mecânica quântica (e olha que eu estudei esse negócio, como qualquer físico teórico). No entanto, entendo um pouquinho a ciência, de forma geral: mecânica quântica é um ramo da ciência como qualquer outro, com área de aplicabilidade bem definida. Não dá para explicar, por exemplo, a digestão dos alimentos no organismo humano usando a teoria da relatividade: a teoria da relatividade não tem essa função. Do mesmo modo, não dá para explicar um monte de coisas com mecânica quântica: a mecânica quântica não é uma teoria mágica e todo-poderosa que explica tudo. É só uma teoria boa para explicar o funcionamento de algumas estruturas pequenas - e só. Usá-la para explicar, por exemplo, a alma, a homeopatia ou a evolução é charlatanismo ou ignorância (ou ambas as coisas).

Usar a mecânica quântica para vender livros (ou filmes, ou conceitos, ou "sabedoria") a mentes jovens e impressionáveis é mais do que charlatanismo ou ignorância: é estelionato intelectual, algo como vender terrenos no céu, ou algo como usar sexo para vender qualquer coisa...

Enfim, é uma pena que as pessoas queiram explicações mágicas: eu só posso indicar explicações honestas.

(imagem: gatinho revoltado da desciclopedia; esta postagem, cujo título saiu de uma postagem noutro blog que achei por aí, faz parte de uma blogagem coletiva)

segunda-feira, 24 de agosto de 2009

O triunfo da vontade


Há algum tempo li um livro bem interessante sobre a história da eletricidade: "Universo Elétrico", de David Bodanis. O livro conta, por exemplo, parte da história de homens como Faraday, um brilhante autodidata que, talvez por inspiração religiosa, "inventou" o conceito de campo, Hertz, um experimental dedicado que morreu precocemente, e Turing, o pai da computação moderna (há uma versão, bastante plausível, de que o logotipo da Apple é o que é em homenagem a ele, que se matou mordendo uma maçã envenenada).

Nesse livro aparece um trechinho que eu não conhecia e que me assombrou pela sua modernidade: "Toda propaganda deve apelar ao povo, e seu nível intelectual deve ser ajustado de acordo com a capacidade receptiva das pessoas mais limitadas entre as que ela pretende atingir. Quanto maior a massa de homens a ser atingida, tanto mais baixo se deve ajustar o seu nível intelectual. [...] Mesmo das mentiras mais impudentes sempre fica alguma coisa."
O autor desse texto, tirado do livro "Minha Luta", é um famoso líder alemão que criou a Segunda Guerra Mundial.

Sim, os nazistas entendiam de manipulação da informação, a começar por seu líder.

Minha razão para lembrar disso? Hoje, como ontem, as pessoas são manipuladas e nem percebem. Os "nazistas" de hoje ganham muito dinheiro. E poucos, pouquíssimos, tentam pensar criticamente. Sinceramente, não conheço quem conheça o termo "cui bono" (que não existe na wikipedia em português): no entanto, para mim, é sempre preciso perguntar - em qualquer ação - "a quem isto beneficia?"

Vi ontem um filme, em casa, com a família de minha esposa - evangélicos - que se regozijaram com a mensagem passada: nem todos os chamados serão escolhidos. O filme? "Presságio", com Nicholas Cage. Para mim, não foi um filme, foi algo como tortura chinesa - em poucos minutos eu vi a "propaganda" religiosa/conservadora descarada e decifrei qual seria o desfecho, algo que ninguém mais na sala (havia umas dez pessoas) viu...

Enfim, eu leio jornais todos os dias - tenho a assinatura de dois diferentes - e vejo um monte de propaganda neles. As manchetes principais são pura propaganda, mas parece que só eu vejo isso. A classe média todinha, que me envolve em meu ambiente de trabalho e que eu ouço de minha mesa, parece incapaz de fazer essa mesma análise e compra sem pestanejar o que é vendido.

Pena: falta o ensino de pensamento crítico nas escolas do Brasil. E a quem isso beneficia?

(imagem: Leni Riefenstahl, cineasta alemã que trabalhou - muito bem - para o partido nazista alemão e cujo filme principal, "O triunfo da vontade", recebe o seguinte comentário na wikipedia em português: "É um dos filmes de propaganda política mais conhecidos na história do cinema, com grande reconhecimento das técnicas utilizadas por Riefenstahl, que depois passaram a influenciar filmes, documentários e comerciais".)

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

Any colour you like


Li num blog de um amigo uma discussão interessante sobre os conceitos biológicos de espécie - parece que os biólogos não tem uma definição única, satisfatória em todos os sentidos. Biólogos são mesmo uma espécie complicada...

O problema, porém, parece não ser apenas da biologia: estou estudando japonês e uma das palavras que aprendi - "aoi" - pode significar azul e verde (isso mesmo: basta procurar num dicionário online para ver essa indefinição).

O que parece é que a "categoria" cor é uma invenção humana. O Sol, por exemplo, emite luz em faixas contínuas, que a gente enxerga como branco e, por isso mesmo, essa cor branca pode ser explicada como composta pela mistura de todas as cores. Um prisma separa a cor branca em um arco-íris, mas as diferentes cores aparecem lado a lado - assim, num arco-íris, onde termina o amarelo e começa o laranja? Há amarelos mais alaranjados e laranjas mais amarelados... A diferença entre o que é considerado uma espécie e o que é considerado outra muitas vezes é quase assim também: basta uma mudança sutil, de base genética.

Pois é: na natureza as gradações, em geral, não são descontínuas - entre o 1 e o 2 há o 1,4, o 1,4142, o raiz de 2, e assim sucessivamente. E ir do 1 ao 2 pode envolver infinitos passos, especialmente em sistemas complexos, como são os sistemas envolvendo a vida. Ainda bem que eu não sou biólogo...

(imagem: de que cor são os círculos e os quadrados? A resposta é interessante... O título dessa postagem vem de uma música do Pink Floyd, que aparece no disco "The Dark Side of the Moon", cuja capa é um prisma.)

quarta-feira, 12 de agosto de 2009

Abbey Road


No mês passado, comemoraram-se os quarenta anos da chegada do homem à Lua. Coincidentemente, eu também fiz quarenta anos, quase no mesmo dia. E não vi motivos para grandes celebrações em nenhum dos casos. O homem foi à Lua: e daí? Foi por razões políticas, um país querendo mostrar que podia mais que o outro, e só. Pavões mostrando suas caudas e, terminado o embate, cada um foi para o seu lado. A Lua ficou lá, no céu, esquecida e despovoada como antes. Quanto a mim, fiz quarenta anos e também pensei: e daí? Estou velho, e é só.

Na semana passada, acordei com uma música dos Beatles na cabeça, vinda da região fronteiriça entre o sonho e a cosnciência. Imediatamente me lembrei do álbum que tem a música, e fui buscá-lo no meu escritório, onde ele jazia adormecido. Ao por o CD em minhas mãos , notei que eu não o ouvia há anos. Curioso que eu tivesse me lembrado da música assim, do nada. Levei o CD para o meu carro e fiquei com ele no aparelho que tenho lá, e lembrei da minha adolescência, quando descobri os Beatles e um mundo de coisas.

No sábado, a surpresa: fazia quarenta anos que a foto da capa do CD havia sido tirada. Haveria uma comemoração em Londres. Eu não fazia idéia.

E eu conto tudo isso para dizer que essa semana, saindo de casa pela manhã, ao parar com o carro num semáforo perto de casa, ouvindo o mesmo CD dos Beatles, dei de cara com a morte. Não, não vi a morte de alguém, vi a minha morte, que veio clara, com uma certeza infalível. Eu me vi morrer, não num tempo definido, mas em breve, não num futuro distante e quase inatingível, mas num dia desses, que pode ser amanhã ou daqui a quarenta anos. E isso não me assustou, muito pelo contrário: achei tão natural como esperar que depois da manhã venham a tarde e a noite.

Pois é, estou consciente da minha mortalidade e da minha irelevância. Eis o que eu vejo no espelho retrovisor que existe dentro da minha cabeça: um homem pequeno, de capacidades intelectuais tão grandes quanto as de um esquilo (não é auto-depreciação, não: após um teste aparentemente simples fui avaliado por um estudioso da área de cognição, que classificou minha capacidade de dedução como equivalente à de um esquilo), e que vai se gastando como o estofamento do meu carro, pelo uso puro e simples.

O que as pessoas ouvirão daqui a quarenta anos? Beatles, Beethoven, NX Zero? Sei lá... O que lembrarão de mim? Sei lá... Assim como a Lua permaneceu pouco tocada pela passagem humana, também o mundo provavelmente continuará o mesmo depois da minha passagem: eu, como todo mundo, só estou aqui como um pavão, mostrando minhas penas numa infinita competição de egos.

Pena que não era nada disso que eu tinha em mente, ao menos lá atrás, quando eu era um adolescente. Por isso, lá atrás em minha vida, escolhi a ciência: eu achava, ingenuamente, que podia fazer alguma diferença.

(imagem: um machado prateado de um geólogo, usado para mostrar a efemeridade da vida - dá para ver um fóssilzinho no meio das pedras...)