domingo, 30 de maio de 2010

Imagens do Brasil


Acabo de sair do cinema, onde, impulsionado por uma promoção ("Sessão Desconto") que vende ingressos a menos de um terço do valor cheio, vi um filme nacional: "Chico Xavier".

Ultimamente, tenho visto um bocadinho de filmes, em vídeo, na TV a cabo e no cinema. Antes desse de hoje, eu tinha visto, por exemplo, um filme anglo-macedônio meio antigo, "Antes da Chuva" (em vídeo), Clint Eastwood e seu discurso de direita em "Gran Torino" (TV a cabo), e um filme finlandês deprimente, "Luzes na escuridão" (cinema). O contraste com "Chico Xavier" é patente.

Um bocado de tempo atrás fiquei surpreso com "2 filhos de Francisco", filme que conta a vida de uma dupla sertaneja, e a surpresa foi boa: eu vi o Brasil, não aquele Brasil estereotipado - Nordeste, bandidagem da perifas do Rio e São Paulo, ou classe média urbana da Zona Sul do Rio - mas outro Brasil, muito mais próximo daquele em que eu e uns tantos porcentos da população brasileira vivemos cotidianamente.

Acho que o retorno que essa cinebiografia "pioneira" teve (segundo a wikipedia "recorde de bilheteria do cinema brasileiro")  prestou o grande serviço de abrir as portas para o ramo das cinebiografias e documentários nacionais populares: apareceram assim "Lula, o filho do Brasil", "Rita Cadillac, a lady do povo" e "Alô, alô, Terezinha" (sobre o apresentador Chacrinha). Eu, brasileiro, acho muito bom que isso esteja acontecendo. O Brasil precisa se ver nas telas do cinema, e não só o Brasil dos estereótipos ou das preocupações da elite bem alimentada.

"Chico Xavier" cumpre bem essa tarefa de entreter o público mais comum, sem grandes aspirações intelectuais. É um filme de entretenimento, informativo e televisivo, e por isso mesmo, por ser televisivo, é profundamente brasileiro, mostrando uma face importante da cultura brasileira (há TVs em quase 100% dos lares brasileiros), e faz questão de se expor assim mesmo: dirigido por um famoso diretor de TV, o filme parte de uma entrevista do médium na finada TV Tupi.

Além disso, onde mais, senão no Brasil, existe alguém como Chico Xavier? Eu digo "existe", pois o sujeito é, ainda hoje, quase dez anos após sua morte, um marco cultural, um grande vendedor de livros e difusor de idéias religiosas sincréticas.

O Brasil é uma salada, mas uma salada com um gosto próprio, com cores, cheiros e temperos locais que não podem ser encontrados em nenhum outro lugar, e o cinema brasileiro deveria documentar isso. Me parece que ele acordou tarde, mas ao menos parece ter acordado. Eu, brasileiro que vive numa linha fina entre a elite e o resto do país, torço para que isso continue e que copiemos cada vez menos os modelos estrangeiros, abrindo os olhos para o que há de nosso nesse país e povo imenso em que estamos mergulhados.

(imagem: uma jaboticabeira carregada, árvore que, segundo a wikipedia, é nativa do Brasil; além disso, como este é um ano de copa do mundo não é à toa que eu me lembro de Araquém. Quem? Araquém, o Show Man! Mas o Araquém homenageado nesta postagem é outro: é um fotógrafo da natureza aparentemente bastante importante, autor de um livro que empresta seu título para esta postagem)

sábado, 29 de maio de 2010

A insustentável leveza do ser

Este blog esteve fechado, por razões pessoais, nos últimos vinte e poucos dias. Para fazê-lo voltar a funcionar tive que impor regras novas para os comentários - eles agora só serão publicados depois de minha aprovação. Viver, especialmente em público, é complicado, perigoso, exigindo certos cuidados que eu não tinha tomado, por preguiça ou excesso de otimismo. Não posso ter esses luxos.

Enfim, devo voltar a escrever, e para isso retorno ao meu teclado com a cópia de um trecho retirado de uma edição antiga de "A insustentável leveza do ser", de Milan Kundera, da finada Editora Rio Gráfica, livro que eu comprei em uma banca de revistas em 1986, e que hoje tem páginas amareladas, envelhecidas como eu:
"Ao contrário de Parmênides, Beethoven considerava o peso como algo de positivo. "Der schwer gefasste Entschluss", a decisão gravemente pesada está associada à voz do Destino ("Es muss sein!"); o peso, a necessidade e o valor são três noções íntima e profundamente ligadas: só é grave aquilo que é necessário, só tem valor aquilo que pesa.
Essa convicção nasce da música de Beethoven, se bem que seja possível (ou talvez provável) que ela seja mais da responsabilidade dos exegetas de Beethoven do que do próprio compositor; todos nós a compartilhamos de uma certa forma hoje em dia: para nós, o que faz a grandeza de um homem é ele carregar seu destino como Atlas carregava sobre os ombros a abóbada celeste. O herói de Beethoven é um halterofilista que levanta pesos metafísicos." 
Atlas eu também, carrego meu destino, minha história pesa sobre meus ombros como o céu, e eu não me sinto nenhum herói. Sinto sim outra coisa: debaixo do céu parece que, finalmente, encontrei meu lugar, e me vejo escrevendo minha história, o que embora canse, me faz feliz...

sábado, 1 de maio de 2010

Sobre o amor e a morte


Acabo de chegar do cinema, onde vi uma comédia de Woody Allen. O personagem central do filme é um físico, eu também. O personagem central do filme tenta se matar - mais de uma vez - e, se tivesse uma arma aqui nessa casa, agora, ah!

Morrer. Morrer. Morrer. Não consigo parar de pensar nisso. O meu fluxo de pensamento vai a outras regiões e, invariavelmente, volta a isso.

Razões? Nenhuma, assim como não há nenhuma para eu estar aqui. Mas posso tentar argumentar com o que vi no filme, que é uma comédia agradável sobre relacionamentos, um bando deles. E como em todo filme agradável tudo acaba bem, pois, afinal, ninguém (bem, quase ninguém) vai ao cinema para sair com um gosto ruim na boca.

Mas, obviamente, é tudo uma bobagem enorme: toda essa coisa de relacionamentos humanos é uma merda, que só aparece de forma realista no cinema em raríssimas ocasiões. Deixa eu me explicar melhor: como físico, eu sei que a existência de simetrias é importante; no entanto, embora possam existir simetrias ideais e bonitinhas na natureza, as que existem mesmo, em geral, são feias, quebradas, quase não-simetrias. No relacionamento humano é a mesma coisa: nos filmes e livros pode-se imaginar relacionamentos simétricos, bonitos, regulares, mas o que há no mundo do lado de cá das páginas e telas é algo completamente diferente, quase sempre assimétrico - os lados de um casal quase nunca sentem o mesmo igualmente; um deles está sempre numa posição "superior" e aí pobre de quem é o "inferior".

Por isso tudo, amar e buscar relacionamentos é algo infeliz, estúpido e doentio, mas, felizmente, é uma doença que se cura com a morte (ou assim espero).

Ah! se tivesse um revólver nessa casa, ou se fosse um prédio, não uma casa... Eu sei que, de verdade, eu queria outra coisa, mas o que me resta, hoje, é só querer morrer. E nem isso eu vou conseguir, pelo menos não agora: hoje, eu sofro de um desejo absurdo de amar, que eu sei que não vai ser satisfeito, ficando no lugar dele esse desejo maravilhoso de morrer, que a minha covardia me impede de saciar.

(imagem: há um filme de Woody Allen, de 1975, cujo título original em inglês é "Love and Death" [Amor e Morte], onde aparece o diálogo "Sonja: You were my one great love. Boris: Oh, thank you very much. I appreciate that. Now, if you'll excuse me, I'm dead" [Sonja: Você foi meu único grande amor. Boris: Oh, muito obrigado. Gostei disso. Agora, me desculpe, eu estou morto], mas o título dessa postagem vem também de outro lugar; a foto de Woody Allen saiu da premiére de "Whatever Works", o filme que eu assisti hoje)