quarta-feira, 25 de março de 2009

Reckoner



Muitas coisas fiz, muitas coisas vi em meus séculos de existência. E na maioria das vezes apenas o silêncio e a luz me acompanhavam, e não havia como levar o que eu vi comigo, a não ser em mim.

Mas em alguns poucos instantes havia música e mais alguém. Instantes raros, que me lembram agora um show, comigo como único espectador, ainda que cercado por uma multidão, que dançava outra música, que era a mesma.

Pois minha vida foi e é assim: eu e a multidão que povoa o mundo sempre nos separamos, como ondas quebrando numa praia deserta, cada uma no seu ritmo, e eu sempre num ritmo diferente.

Foi assim que eu acabei aqui, um especialista em cálculos solitários, que eu crio como poemas dedicados à toda a humanidade. E não há ninguém para culpar.

(imagem: uma música de raiz)

House of cards



Quando criança, eu quase não jogava bola. Na verdade, quase sempre eu brincava sozinho. Me lembro de passar horas construindo castelos de cartas imensos, magníficos, sofisticados, frágeis e delicados, que tomavam conta de meu quarto todo, subindo do chão à cama, com passagens pela cômoda, pelo armário...

Minha vida é isso até hoje, quatrocentos anos depois: sei pouco sobre fazer amigos e acho que me doutorei em fazer castelos de cartas. Portanto, mesmo sem querer, inconscientemente, acabo por sugerir a quem me encontra que esqueça seus castelos de cartas, que eu faço os meus - não quero a amizade de ninguém, quero mais, quero o impossível.

(imagem: um vídeo feito usando um construtor de castelos de cartas que costumamos chamar de computador)

terça-feira, 24 de março de 2009

Guerra dos mundos


Uma jornalista de uma revista semanal de grande circulação escreveu recentemente um texto cuja conclusão é "Ler sobre pesquisas científicas de universidades respeitadas é uma receita certa para dar risada" e, bem, a reação dos blogueiros de ciência foi 'quente'.

Mas sendo um pouco mais frio, eu tento me pôr no lugar da jornalista e me pergunto: afinal, o que ela, como jornalista, sabe de ciência?

Estou no mundo acadêmico há algum tempo; já fui a congressos um zilhão de vezes, até mesmo no exterior. E além disso eu, como qualquer pessoa comum, tenho uma vida normal onde conheço pessoas, faço amigos, vou a shows, etc e tal. No entanto, a primeira vez em que conheci um jornalista de carne e osso foi há menos de um ano atrás, num encontro de autores de blogs científicos.

Os jornalistas fazem parte de um mundo que não é o meu. Outro dia ouvi no rádio do meu carro, numa estação de notícias de alcance nacional, duas jornalistas conversando sobre dicas de locais para passar o Carnaval, num papo bem informal, tranqüilo, parecido, imagino, com o das mulheres num salão de beleza. As dicas envolviam lugares com diárias da ordem de mil reais. Mil reais é, para mim, um dinheirão: não é meu mundo.

Os jornalistas se deslumbraram com o show do Radiohead - até o jornal local que eu assino, que nunca fala muito desses assuntos, teve um texto a respeito. Já sobre descobertas científicas esse mesmo jornal apresenta um silêncio sepulcral, que fala volumes.

Enfim, há muitos mundos. Eu até posso imaginar um em que os jornalistas aparentemente são personagens chiques, e os cientistas, não, e que os chiques podem rir dos outros, sempre com razão. Certamente, nesse mundinho que eu imagino fazer ciência é coisa menor, ridícula até: dá vontade de rir de quem perde tempo com essas bobagens...

(imagem: ilustração que achei na Wikipedia no verbete "Yellow journalism")

segunda-feira, 23 de março de 2009

Eu sou a lenda


Viver pode ser muitas coisas. Para mim, é estar só. Ontem, por exemplo, uma multidão se reuniu para ver um show, comigo nela e, assim, pude contar que eram 30 mil pessoas e eu.

E, então, depois de quase 12 horas, atravessei a cidade de São Paulo sozinho, em silêncio por ruas desertas, até o meu esconderijo no fim do mundo.

Robert Neville, personagem de um livro de ficção científica 'pós-apocalíptico', ao notar que é o último homem normal na Terra, percebe que se tornou "uma superstição entrando na inexpugnável fortaleza da eternidade", que se tornou uma lenda. Eu não vou tão longe mas, de qualquer modo, eu também sou uma lenda - eu não existo no mundo real.

(imagem: um fauno, um famoso ser não-real)

terça-feira, 17 de março de 2009

Geografia

Ando bastante ocupado, quase sem tempo para postar ou responder comentários - meus leitores, me perdoem, por favor - mas não posso deixar passar em branco uma notícia que vi na TV e nos jornais de hoje: o governo do estado de São Paulo, o estado mais rico do país, governado pela elite mais culta do país (ou seria do mundo?) está distribuindo uma apostila de geografia (mas o governo federal não distribui livros gratuitamente às escolas? haverá necessidade desse programa estadual?) onde há um mapa da América do Sul com dois Paraguais, um junto com a Bolívia e outro no lugar do que eu conhecia como Uruguai. Além disso, nesse mapa o Equador não aparece (uma reportagem completa aparece num blog famoso).

E eu falando de doutores que cometem erros ortográficos em blogs: perto disso não é nada mesmo...

(imagem: a Desciclopédia já sabia que o Uruguai não existe mesmo...)

quinta-feira, 12 de março de 2009

Górgias


É de bom-tom (com hífen, segundo o Dicionário da Língua Portuguesa On-line Priberam) nunca discutir com mulheres, advogados e filósofos: mesmo que você esteja certo, eles irão usar qualquer coisa que você disse para provar que você está errado... Escrevo isso apenas para introduzir um comentário que vou transformar numa postagem:

"Dedalus,
Nem sempre as palavras são o mais importante: às vezes são as ideias (sem acento, de acordo com a nova ortografia). Por exemplo:
"Assim funciona a ciência: observação da natureza, criação de hipóteses, experimentação e, se tudo der certo, formulação de regras gerais."
Isso aí, que do ponto de vista gramatical é perfeito, é uma baita balela chamada INDUTIVISMO. Posso lhe PROVAR que a visão acima não tem o menor fundamento do ponto de vista lógico, primeiro porque induções não são válidas e, segundo, porque as observações são previamente informadas por teorias tomadas tacitamente.
Ah... só faltou você falar que os erros primários de física eram em concurso público, que por sinal rendem no mínimo R$ 5.200,00 líquidos em início de carreira. Erros ortográficos em blogs não são nada. Seu argumento peca por IGNORATIO ELENCHI.
Saudações, KNX"

O que eu posso dizer, senão agradecer ao KNX pela lição? Como eu já escrevi aqui, "eis, para o bem e para o mal, minha ignorância exposta. Outras vezes errarei, e gostaria de ser corrigido quando isso acontecer (de preferência amigavelmente, é claro): errar é humano, e continuar no erro não é muito cool... Além, disso todo cientista deve admitir que pode estar errado, mesmo que isso não seja muito bom para sua imagem."

De qualquer modo, quanto ao teor do que foi escrito pelo KNX, acho que devo fazer uns poucos comentários. Primeiro, acho que não é necessário usar as novas regras ortográficas ainda: acho que há um prazo de adaptação para idiotas jurássicos como eu.

Eu não conhecia o termo "IGNORATIO ELENCHI" (latim? grego? uma mistura dos dois?) e, portanto, tive de recorrer à moderna santa protetora dos ignorantes, a Wikipedia (com inicial em maiúsculo ou minúsculo?). E para quem, como eu, não for um filósofo ou especialista em lógica, eis o que ela me disse: esse termo denomina uma falácia informal conhecida também como conclusão irrelevante, que acontece quando o argumento apresentado, que pode até ser verdadeiro, não se aplica ao que está sendo discutido.

Sobre o indutivismo, é uma famosa balela para os filósofos: por exemplo, um filósofo, viajando de trem pelo campo vê uma ovelha branca - ele só pode afirmar que ele viu uma ovelha com um lado branco, mas não que as ovelhas são brancas... Feliz ou infelizmente, para nós seres humanos comuns, não preocupados com a lógica em profundidade, conclusões obtidas por indução são, em geral, boas primeiras aproximações, mesmo que se revelem falsas depois, numa análise mais cuidadosa. E é por isso mesmo que temos a tendência a usar a indução quase sempre. Do ponto de vista técnico, eu, pessoalmente, acho bem mais legal uma das definições usadas na Desciclopédia: "Na Filosofia, a indução é um processo no qual você faz todo mundo de idiota, pensando de uma forma diferente da realidade, mas que revigora o SEU ponto de vista; bem, é mais ou menos por aí..."

Quanto à existência de idéias erradas (e outros erros) em meus textos, eu admito: eu erro! (Ah, é, eu já tinha admitido isso antes...) Mas o que eu quis dizer é o seguinte - a ciência funciona com hipóteses, tiradas sabe-se Deus de onde, seja por observação da natureza, seja por leitura de blogs, seja por iluminação divina, desejo de fama, plágio, e sei lá mais o quê. Além disso, também faz parte da ciência a observação da natureza - há um mundo de biólogos, para dar um exemplo concreto, que vivem disso. Outra coisa que existe na ciência é a experimentação - afinal, existem laboratórios de pesquisa, e espero que lá alguém faça experimentos. E, finalmente, alguns cientistas, mas nem todos, tentam bolar regras gerais, seja por iluminação divina, desejo de fama, plágio, e sei lá mais o quê. Em nenhum instante eu disse (pelo menos eu acho que não) que todo cientista faz tudo isso ou que há uma única seqüência (com trema, por eu ser conservador) lógica correta que deve ser usada na ciência envolvendo todos esses fatores.

Para dar um exemplo concreto, vamos lá: eu, às vezes, verifico algo - por exemplo, ao ler um texto me salta aos olhos uma palavra, sei lá, "eclipce". Sou capaz de fazer essa observação - é o tal "me salta aos olhos" - por tacitamente imaginar que ela está escrita de forma inadequada, ou seja, por acreditar que existe uma forma adequada de escrevê-la. Consulto um dicionário e vejo que lá ela aparece como "eclipse". Então formulo uma ou mais hipóteses para explicar o que vi: o sujeito escreveu de forma apressada, ou com descuido, ou não conhecia a palavra escrita, ou não sabia que existem corretores ortográficos, ou sei lá. Dessas hipóteses, escolho uma - por exemplo, o sujeito não sabia escrever a palavra. Acumulando várias dessas observações, reforço minha hipótese: vários sujeitos não sabiam escrever várias palavras, por não terem hábitos de leitura. Daí eu já passei para uma generalização, e "facinho", chego, como conclusão, à formulação de uma regra geral: as pessoas da minha amostragem não sabiam escrever várias palavras por não terem hábitos de leitura, e isso é apenas uma amostra de como as pessoas de hoje são pouco informadas. Claro é que essa pode ser uma conclusão totalmente equivocada, mas, bem, é minha conclusão: ninguém precisa aceitá-la.

Erros ortográficos num blog não são nada mesmo. Mas existem. Em blogs, jornais, na TV (ontem vi na legenda de um seriado um policial pedir a "fixa" de um suspeito) e mesmo em livros as pessoas escrevem mal. O que isso significa? Nada, talvez. Para mim, entretanto, significa a ponta de um iceberg: se até doutores, que são pessoas com alto grau de educação formal, cometem esses erros, que são muito fáceis de evitar (minha filha de sete anos já usa um corretor ortográfico no computador - eu fiquei espantado vendo ela fazer isso), o que mais se pode esperar?

Enfim, para mim, cometer barbeiragens num concurso público ou escrever errado num blog são sintomas de algo maior, que é... deixa para lá! Já escrevi demais, e para bom entendedor meia palavra basta. Seguindo Sócrates (ou seria algum outro filósofo?), "só sei que nada sei" e "existe apenas um bem, o conhecimento, e um mal, a ignorância"...

(imagem: Sócrates, a quem se atribui a frase "Education is the kindling of a flame, not the filling of a vessel.")

terça-feira, 10 de março de 2009

Admirável mundo novo (2)


Como físico, tenho acompanhado uma longa discussão na Sociedade Brasileira de Física sobre a qualidade do pessoal formado em física, que aparenta ser baixa. Toda essa discussão, na verdade, começou por conta da divulgação de algumas "barbeiragens" que teriam sido cometidas por um candidato - aprovado - num concurso para professor de uma universidade federal. Outra discussão que vi por aí diz respeito à má qualidade dos textos que aparecem num computador distribuído em Portugal, o Magalhães. Junto os dois assuntos nessa postagem por achar que são exemplos de um fenômeno mais amplo.

Eu, como escritor de um blog que tem a ciência como um de seus temas, também costumo ler blogs de vez em quando. Não sou um leitor exaustivo, e mesmo assim encontro com frequência "pérolas", especialmente no que diz respeito ao uso, digamos, inadequado do português. Por exemplo, no blog de um doutorando em biologia encontrei um "eclipce"; no de uma doutoranda em farmácia uma "bússula"; e no de uma doutoranda em educação uma "obcessão".







O que tais equívocos demonstram é que as pessoas que os cometeram, com alto nível de educação formal, não sabem escrever bem na língua de seu país. E não sabem escrever, simplesmente, por não terem lido o bastante: escrever se aprende lendo, assim como falar se aprende ouvindo (acho que as crianças aprendem assim).

O que eu concluo é isso: nossos doutores se formam doutores sem ler. Ou lendo apenas o suficiente para dominar sua especialidade - e, aparentemente, nada mais. Qual é a saída desse labirinto? Não sei. Nem sei se deve haver saída. Só sei que comigo foi diferente: a minha banca de doutorado me fuzilou - ficou comigo por mais de duas horas - questionando até o meu uso de ponto-e-vírgula. Eu, entretanto, sempre li muito, e sempre tomo um cuidado danado para não errar no português (e mesmo assim erro muito mais do que eu gostaria). Na minha educação leitura foi algo que nunca faltou. Mas, hoje, ah! Já vi palestra de pesquisador 1A do CNPq - físico - dizendo que ler é uma coisa do passado...

Talvez não haja mesmo o que fazer, a não ser, talvez, seguir o conselho presente em um poema de Manuel Bandeira: "dançar um tango argentino". Ao menos é mais divertido do que se preocupar com o que não dá para consertar.

(imagens: screenshots, respectivamente, da principal fonte de informações de hoje e dos erros comentados no texto - clique nas figuras para vê-las em tamanho maior)

domingo, 8 de março de 2009

Os moedeiros falsos


Como professor, sou procurado por muitos alunos que buscam saber minha opinião sobre isso ou aquilo. Por exemplo, certa vez vieram à minha sala dois alunos com uma lata de alumínio, dessas de refrigerante, umas pilhas, uns ímãs, um CD e um pedaço de cartolina, dizendo que não conseguiam reproduzir um experimento que tinham encontrado no YouTube: "onde erramos?" Pedi que me mostrassem o experimento e, bem, o erro estava na capacidade deles de entender o que é ciência e o que não é - o suposto experimento era só um truque de mágica, filmado para parecer um experimento científico (infelizmente, não tenho mais o link do vídeo...).

É fácil enganar as pessoas: a maioria de nós - eu inclusive - não consegue mesmo discernir o falso do real em um grande número de situações. E especialmente quando há alguma emoção envolvida, ou quando existe um desejo de acreditar, aí é que fica difícil. Mágicos e políticos são profissionais que se aproveitam dessa característica humana, e a religião é totalmente fundada nessa qualidade, que é a credulidade.

A ciência, pelo contrário, tem que ser baseada no ceticismo. Um cientista tem que ser questionador, por necessidade. Sem perguntas e questionamentos não se descobre nada de verdadeiro. Pois bem, toda essa introdução eu faço para apresentar um exemplo de um questionamento necessário, cuja resposta achei muito boa. Segue então um texto, que não comentarei, pois ele fala por si mesmo, que foi retirado do blog n-Dimensional, que é um dos blogs que mora no condomínio Lablogatórios.

"Renan queria uma opnião tua sobre o documentario e o livro, “quem somos nos”.
Alguns professores meus falam de uma forma tao apaixonada que eu nunca tive coragem de assistir, assim uma opnião de alguem que eu não conheça mas admire os textos seria bem interessante. Um grande abraço"
"Renan Reply:

Olá Eduardo.

O “Quem Somos Nós” é simplesmente uma propaganda de seita travestida de documentário. Em poucas palavras, o “documentário” se utiliza de conceitos das Mecânica Quântica e outras partes “exóticas” da Física e extrapola os resultados de forma a fazer parecer que a Física apóia as idéias desta seita.

Tudo que você precisa saber sobre o documentário está no Guia em três partes do blog O Dragão na Garagem.Clique aqui.

Adiantando um pouco, para você ter uma idéia da “honestidade” dos produtores do documentário, um dos entrevistados que é Físico deu a entrevista dizendo que não apoiava as idéias da seita. A entrevista foi editada para parecer que ele as apoiava.

Abraços!"


(imagem: medidas anti-falsificação em uma antiga nota de 20 dólares; poucos sabem, mas Isaac Newton trabalhou para a Coroa britânica contra a falsificação de dinheiro e levou à forca alguns falsificadores; e o título desta postagem é uma homenagem a um romance de André Gide, cuja "obra articula-se ao redor da busca permanente da honestidade intelectual")

sábado, 7 de março de 2009

Astronomia Nova


Acabei de ver na TV a notícia do lançamento da missão Kepler da NASA. Tal missão consiste na colocação no espaço de um telescópio preparado especialmente para observar um grupo de estrelas e verificar se há planetas orbitando ao redor delas, com ênfase na busca de planetas "habitáveis".

Encontrar um planeta girando ao redor de uma outra estrela é algo como olhar para os faróis de um carro distante e notar a passagem de uma mosca na frente deles. Em termos mais técnicos, a idéia consiste em notar a diminuição no brilho de uma estrela devido à passagem - "trânsito" - de um corpo não luminoso na frente dela; se tal diminuição acontecer de forma periódica esse corpo deve ser um planeta. Devo ressaltar que um planeta do tamanho da Terra, passando na frente de uma estrela do tamanho do Sol, na distância que a Terra está do Sol, deve diminuir o brilho do Sol em cerca de uma parte em 10.000 (mais ou menos míseros 0,01% de variação).

Um planeta habitável, ao menos para nós, humanos, é um planeta nem muito grande nem muito pequeno que está nem muito longe nem muito perto de uma estrela nem muito quente nem muito fria, de forma que esse planeta possa ter água líquida em sua superfície. A Terra, por exemplo, tem água, mas a Lua, que está à mesma distância do Sol, não pode ter água líquida: ela é muito pequena. Vênus é quase do mesmo tamanho que a Terra, mas está perto demais do Sol: a sua temperatura superficial é muito alta. Já Marte está longe demais e é pequeno...

O universo é um lugar bem grande - só na nossa galáxia, a Via Láctea, deve haver bilhões de estrelas - e, por isso, o telescópio da missão Kepler vai ficar observando estrelas na vizinhança estendida do Sol, isto é, a atenção vai estar concentrada num grupo de estrelas na região de Cygnus ao redor do braço de Órion de nossa galáxia.






O nome da missão, Kepler, homenageia o alemão Johannes Kepler, que, há 400 anos, descobriu que os planetas do nosso sistema solar giram em elipses (que são "círculos deformados") ao redor do Sol, que fica num dos focos da elipse. Tal descoberta foi publicada em 1609, no livro Astronomia Nova.



Kepler só foi capaz de fazer tal descoberta por conhecer muito bem a matemática. E sua descoberta só foi superada, anos depois, pela explicação dela feita por Isaac Newton, em seu livro Philosophiae Naturalis Principia Mathematica, que quer dizer "Princípios matemáticos da filosofia natural".

Contudo, Kepler não era apenas um matemático: ele era um pensador original, capaz de escrever Somnium, um livro do que hoje se chamaria ficção científica, descrevendo uma viagem à Lua... Além disso, como bom matemático ele era capaz de fazer cálculos astrólogicos, algo com que ganhou algum dinheiro e fama, prevendo a sorte dos ricos e crédulos, e que teria feito ele se tornar conselheiro de Rudolph II, imperador da região que hoje conhecemos como Áustria.

Hoje, 2009, vivemos o Ano Internacional da Astronomia em homenagem a Kepler e Galileu, que ajudaram muito a mudar a visão do lugar da humanidade na Terra. Aonde iremos como espécie, se sairemos desse berço em que hoje vivemos, depende só de nós e de nossa capacidade de conhecer o universo cada vez mais e melhor. A missão Kepler está aí para isso. E eu, professor e pesquisador de física e astronomia, faço minha parte a cada dia: que Deus me dê força e paciência para continuar, e que apareçam outros querendo seguir nesse caminho...

(imagem inicial: moeda comemorativa de 10 euros em homenagem a Kepler)