sábado, 27 de dezembro de 2008

Guia ilustrado de cinema


E já que eu estou na época do Natal, com algum tempo livre, gastei parte desse tempo em frente à TV, vendo o "Homem de Ferro". Antes eu tinha visto "Kill Bill", volumes 1 e 2, e posso pôr tudo na mesma prateleira mental: filmes para adolescentes.

O "Homem de Ferro" é enormemente superficial e "Kill Bill" é deprimente pela contagem de corpos (e partes de corpos), e ambos são muito inverossímeis, lembrando videogames ou quadrinhos (por que será?). "Kill Bill", em particular, por suas tomadas, cenários e vestuários muitíssimo bem feitos, me lembra uma orquestra sinfônica regida por algum funqueiro carioca tocando "créu, créu, créu"... E funciona: dá vontade de comprar uma espada de samurai e sair por aí cortando pessoas ao meio - e acho que deve dar uma vontade danada nas mulheres de se vingarem tal qual a heroína (?) do filme.

Bem, tem quem diga que Chaplin era um gênio, mas perto desses filmes ele fica parecendo de outro planeta.

(imagem: quem diz que a pena é mais forte que a espada não viu "Kill Bill"; o título dessa postagem é de um livro que me dei de presente nesse Natal)

As coisas são assim


Numa postagem sobre a África, eu escrevi que achava que nenhum africano tinha ganho um Prêmio Nobel - eu queria dizer da área de ciências, mas não disse e, de qualquer forma, eu estava errado. Um comentarista anônimo me corrigiu:

"Cohen-Tanoudji é Argelino. Agora se vc estiver falando da Africa sub-saariana creio que não há nenhum Nobel em física, mas há Nobel da Paz que creio ter maior valor."

Cohen-Tannoudji foi meu "professor" de Mecânica Quântica: quando cursando a graduação em física, eu precisava muito tirar uma boa nota na prova final de Mecânica Quântica I (ou II, não me lembro) e não me restou outra alternativa senão "queimar as pestanas" (essa expressão vem da época em que os estudantes para ler a noite tinham que usar velas). Fui à biblioteca e vários outros colegas já tinham tido a mesma idéia que eu, antes; assim, só restavam nas estantes os livros de Cohen-Tannoudji, que são grandes e volumosos, e em francês. Logo, acabei aprendendo um pouco (não muito, mesmo) das duas coisas, quântica e francês...

Eu tenho já decadas de vida e décadas de leitura; sei muita coisa, mas sei que o volume de coisas que não sei - e que nunca saberei - é muuuuuito maior. Portanto, em geral uso muito o verbo "achar" - dou freqüentemente a quem me ouve ou lê a chance de duvidar de mim, pois sei da minha ignorância. E agradeço quando alguém me corrige, como esse comentarista anônimo fez: obrigado!

E, bem, qual foi o Nobel que Cohen-Tannoudji ganhou? Eu sinceramente não sei. Apelo para a internet e descubro que ele ganhou o prêmio (de física, é claro) em 1997, junto com Steven Chu e William D. Phillips, por terem

"desenvolvido métodos de uso da luz de lasers para resfriar gases à temperaturas da ordem de µK e manter os átomos resfriados flutuando ou capturados em diferentes tipos de "armadilhas para átomos"."

Eu diria que isso é realmente cool...

Quanto a um Prêmio Nobel africano da paz, eu sabia dos srs. Nelson Mandela (prêmio em 1993, junto com o então presidente da África do Sul, Fredrik Willem de Klerk) e Kofi Annan (em 2001), estava esquecendo do bispo Desmond Tutu (prêmio em 1984) e não sabia nada, por exemplo, da sra. Wangari Maathai (prêmio em 2004). Há outros dois que encontrei numa busca rápida: Anwar Al-Sadat, então presidente do Egito (prêmio em 1978) e Albert John Lutuli, então presidente do Congresso Nacional Africano (prêmio em 1960). Fora esses há os de literatura: Nardine Gordimer (em 1991), J.M. Coetzee (em 2003), ambos sul-africanos, Wole Soyinka (Nigéria, em 1986) e Naguib Mahfouz (Egito, em 1988) - e há ainda Albert Camus (1957), que era argelino (ou seria francês? O jornal The New York Times disse, quando do anúncio do prêmio de literatura de 2003 para J.M. Coetzee, que só havia outros três africanos laureados - faça a conta com a lista acima...).

Mas o que eu queria ter escrito em minha postagem é que eu achava que nenhum africano havia ganhado um Prêmio Nobel da área de ciências, pois eu, pessoalmente, acho mais difícil ganhar um desses do que um prêmio da paz ou de literatura, por exemplo. Vamos lá: é mais difícil de ganhar pois a competição é beeeem maior e mais desigual, já que há muito mais cientistas em países desenvolvidos do que em países pobres e os comitês de ciência do Nobel, em geral e ao menos aparentemente, não fazem escolhas tão políticas e subjetivas quanto os outros comitês (note que eu posso estar falando uma grande besteira, mas sou sincero: isso é o que eu, cientista, sinto quando vejo a lista dos laureados com o Prêmio Nobel - alguém lê ou leu ou viu numa lista do tipo "1000 livros que você deve ler antes de morrer" algum livro dos escritores africanos citados aqui?).

Enfim, eis, para o bem e para o mal, minha ignorância exposta. Outras vezes errarei, e gostaria de ser corrigido quando isso acontecer (de preferência amigavelmente, é claro): errar é humano, e continuar no erro não é muito cool... Além, disso todo cientista deve admitir que pode estar errado, mesmo que isso não seja muito bom para sua imagem.

(imagem: um tipo de erro bastante comum nos dias de hoje)

sexta-feira, 26 de dezembro de 2008

Tempos modernos



Relendo a minha postagem sobre "Em busca do ouro", notei que eu devia comentar também que o primeiro filme que vi no cinema, com meu pai, aos cinco anos, foi "Tempos Modernos", e que Chaplin nitidamente influenciou demais Mazzaropi e Renato Aragão...

Aí eu me lembrei, graças em parte à minha mãe, de que eu tinha que escrever sobre um filme muito bonitinho que vi recentemente, na TV paga, em companhia de meu filho (de três anos de idade, e que adorou o filme, pois falou dele depois espontaneamente): chama-se "Tapete vermelho", foi feito em 2005, e tem como protagonista principal um caipira interpretado por Mateus Nachtergaele.

A história é simples: o caipira decide, no aniversário do filho, levar o menino à cidade grande para ver um filme de Mazzaropi, tal qual o pai dele tinha feito com ele, anos antes. Bem, mas qual é a cidade do interior que tem cinemas, e onde se vêem filmes de Mazzaropi, hoje?

Ver um filme, hoje, não é uma atividade social importante como foi no passado, quando as pessoas - especialmente famílias - iam em grupo ao cinema. Os filmes, hoje, são vistos em casa: é para isso que existem TVs por assinatura, DVDs e computadores com banda larga. No entanto, como foi comigo, levado por meu pai, ir ao cinema era algo diferente, uma espécie de aventura que não se esquecia facilmente: eu me lembro da ida ao centro da cidade, da sala cheia de gente, maior do que eu, e das cenas do personagem Carlitos "perdido" numa fábrica...

Hoje, ir ao cinema é algo diferente, os filmes são diferentes: Carlitos ou Mazzaropi não tem espaço no circuito comercial. Minha mãe viu "Tapete vermelho", com alunos dela, no SESC, e acho que boa parte desses alunos, de periferia, provavelmente não tem o hábito
de ir ao cinema: na periferia as pessoas compram filmes - DVDs - em camelôs, na feira, por muito menos da metade do preço da entrada do cinema.

Bem, dei de presente de Natal ao meu pai um DVD (original, não pirateado): "O dólar furado", com Giulliano Gemma. Minha mãe disse que foi o primeiro filme que ela viu no cinema, quando chegou como migrante aqui em São Paulo. Acho que para meu pai, na época "caipira" vindo do interior do Brasil, ir ao cinema era ir a outro mundo - e ele queria compartilhar isso com sua família, mesmo morando na periferia.

(imagem: tempos modernos)

Em busca do ouro



De ressaca da ceia de Natal, fiquei a tarde toda jogado no sofá. Zapeando nos mil canais da TV a cabo, encontrei por acaso um filme de Charles Chaplin, "Em busca do ouro". Para quê? Tive de me segurar - muito - para não chorar (e mesmo agora quando escrevo essas linhas ainda sinto um comichão nos olhos)...

O filme, que conta as aventuras do personagem conhecido no Brasil por Carlitos na corrida do ouro do Alasca, foi originalmente feito por Chaplin em 1925, mas a versão que assisti é uma remontagem também feita por Chaplin em 1942, quando então foi acrescentada uma narração (feita pelo próprio autor) e uma trilha musical. Na narração, o que me chamou a atenção foi a descrição do personagem Carlitos, que nunca recebe um nome, mas que é apresentado (inclusive nos créditos) como "lone prospector" e "little man" - dou destaque para os adjetivos "lone", solitário, e "little", pequeno.

Até onde o sucesso do personagem de Chaplin se deve a essa colocação dele como um outsider, pequeno e solitário? E até onde isso tem a ver com a visão que Chaplin tinha de si mesmo? Chaplin gostava de parecer pequeno e solitário?

Nos filmes de Chaplin que assisti é comum que Carlitos, uma criatura um tanto quanto patética e ao mesmo tempo esperta, se apaixone por alguma moça que não lhe retribui o sentimento de imediato (isso acontece no "Em busca do ouro"), mas que se encanta com o personagem no desenrolar da história.

Acho que a poesia está aí: Carlitos pode até cometer pequenos delitos, mas não é mau, só é fraco, pequeno, quase ingênuo e certamente tem um bom coração, e essa conjunção de características acaba por, no fim, conquistar os corações - especialmente da audiência, que reconhece as dificuldades de Carlitos com facilidade e que quer acreditar que o bem vence no final.

Não, não é preciso ter palavras, nem efeitos especiais sofisticados ou violência para encantar: basta ter poesia, e nisso Chaplin demonstrou ser um mestre. Não foi à toa que ele fez "O grande ditador"(outro filme maravilhoso que vi recentemente também numa tarde perdida), criticando abertamente Hitler e Mussolini antes da guerra (as filmagens começaram uma semana antes do início da Segunda Guerra Mundial, em setembro de 1939): ele viu o que ninguém queria ou conseguia ver.

"The way of life can be free and beautiful. But we have lost the way." (trecho do discurso final de "O grande ditador")

(imagem: dança dos pães)

quarta-feira, 24 de dezembro de 2008

Um conto de Natal



Passei o dia de ontem praticamente sozinho, num shopping center apinhado de gente. Comprando presentes de Natal encontrei um livrinho curto de Bertrand Russell, onde ele diz:

"A vida virtuosa é aquela inspirada pelo amor e guiada pelo conhecimento."

E me lembrei de outro filósofo, Jean Paul Sartre, que li ainda menino, e o que dele ficou em mim foi a idéia de que "ao escolher o homem que deseja ser, o homem está julgando como todos os homens devem ser. Em outras palavras: o homem está condenado à subjetividade humana. Somos responsáveis por toda humanidade" (essa citação tirei de uma página da rede, mas o texto que me marcou chamava-se "O existencialismo é um humanismo").

Eu, responsável por mim, entendi ainda menino que o que iria guiar minha vida era o amor, pela humanidade e pelo conhecimento - nada mais desde a infância me pareceu valer a pena. E cá estou eu, na véspera de Natal, décadas depois, reencontrando isso num texto de filosofia intitulado "No que acredito", escrito por um "agnóstico declarado" e "inveterado humanista"...

Pois bem, é esse o meu desejo de Natal a todos: que busquem amor e conhecimento, e que vivam vidas virtuosas. Eu tentarei viver a minha.

Feliz Natal prá todos.

(imagem: vídeo da Turma da Mônica da década de 70)

terça-feira, 23 de dezembro de 2008

A insustentável leveza do ser


Lendo uns textos e participando de discussões aqui e acolá, confirmei a impressão de que jamais serei "popular": não sou radical o bastante - entre o machismo e o feminismo, o capitalismo e o comunismo, eu prefiro o humanismo.

E ninguém, nem mesmo Deus, parece querer nada moderado: "Conheço as tuas obras, que nem és frio nem quente; oxalá foras frio ou quente! Assim, porque és morno, e não és quente nem frio, vomitar-te-ei da minha boca." (Ap 3:15,16)

Mas eu, vomitado ou não, vou continuar do meu jeito, onda e partícula, mar e areia, flanando enquanto puder entre o céu e a terra...

(imagem: yin-yang)

sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

Sutil é o Senhor...


Há lugares em que provavelmente nunca porei meus pés - um deles acho que é a África. Não tenho nada contra o continente, mas não consigo imaginar nenhum motivo para me aventurar por lá, nem mesmo uma Copa do Mundo...

Sou um cientista (ou uma imitação barata de um) teórico, e meu assunto de interesse principal é a física. Na física, em geral, a geografia tem pouca - talvez, na verdade, nenhuma - importância. Um físico teórico quer saber de coisas - leis, teorias - que valem em qualquer lugar, não da Terra, mas de preferência, do universo.

No entanto, a África pode ser encontrada na história recente da física. Em 29 de maio de 1919, cerca de uma no após o final da Primeira Guera Mundial, haveria um eclipse visível numa faixa que atravessava o Oceano Atlântico - oportunidade ótima para se testar a nova e revolucionária teoria da relatividade geral, de Albert Einstein, que previa que a presença de um corpo com muita massa, como o Sol, seria capaz de deformar o espaço, de modo que até mesmo a luz das estrelas seria desviada de seu caminho normalmente retilíneo, e esse desvio poderia ser medido comparando-se a posição das estrelas no céu à noite, sem o Sol, com a posição delas na presença do Sol, no céu escuro de um eclipse.

Uma equipe comandada por um astrônomo inglês, Arthur Eddington, escolheu duas posições para ver o eclipse: a "isolada cidade de Sobral, no estado do Ceará", e a "ilha do Príncipe, uma colônia portuguesa um grau ao norte do equador, na costa atlântica da África" (estou citando trechos do livro "Einstein", de Walter Isaacson). Eddington foi para esse último lugar e as fotos do céu que ele tirou, embora não muito boas, quando em conjunto com as fotos tiradas no Brasil permitiram que se confirmasse a previsão da teoria da relatividade.

Einstein ficou famoso no final do ano, com o anúncio oficial dos resultados, mas antes disso casou-se com sua prima Elsa em 2 de junho de 1919 (pelo menos segundo o livro de Abraham Pais, "Sutil é o Senhor..."), apenas poucos dias depois do eclipse, convicto de que sua teoria era boa: ele teria dito a uma aluna,"Eu sabia que a teoria estava certa", e quando ela lhe perguntou o que ele faria se os experimentos não tivessem comprovado a teoria, ele teria respondido: "Aí eu teria pena de Deus nosso Senhor; a teoria está certa".

Enfim, até hoje, acho que nenhum africano ganhou algum Prêmio Nobel, mas a ciência independe de fronteiras - em tese, pode-se fazer ciência na África ou em cantos isolados como Sobral. Basta querer e, é claro, ajuda ter algo como a mente de um Einstein.

(imagem: um eclipse, pintado no século XVI; essa postagem tenta fazer parte de uma blogagem coletiva sobre a África)

quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

Red Queen


Na sexta passada fui a Ribeirão Preto participar de um encontro de blogs de ciência. Achei tudo bastante legal, o encontro, o campus da USP de Ribeirão, e as pessoas lá presentes (contei cerca de 30 participantes, entre palestrantes e ouvintes). Fiquei bem impressionado com alguns dos participantes e notei duas coisas: pouca presença feminina e preponderância de físicos e biólogos.

Uma pergunta simples de fazer é: onde estão, afinal, as mulheres blogueiras de ciência? Uma resposta é que a blogosfera é um ambiente masculino (não, não sou eu que acho isso: li isso numa reportagem - a "blogosfera é muito competitiva e masculina, é um jogo em que, para você ganhar, alguém tem que perder. Não é um lugar para conversas ponderadas.") e a ciência é tão ou mais masculina que a blogosfera (isso é, em parte, constatação minha: quantas mulheres já ganharam o Prêmio Nobel de ciências? E haveria necessidade de um prêmio de incentivo às mulheres cientistas - dado pela L'Oréal - se elas fossem comuns na ciência?). Logo, esperar que aparecessem muitas blogueiras (havia uma jornalista) era meio que esperar demais (eu não esperava)...

Quanto à presença de físicos e biólogos, não sei muito o que pensar. Acho que os físicos são seres que deveriam ter tentáculos (a definição não é minha, é de um dos participantes do encontro), e os biólogos creio que estão doidos para divulgar a biologia (é meio um desejo de afirmar que a biologia é tão boa quanto ou melhor que a física). Já a falta de químicos eu poderia explicar supondo que eles são menos nerds que o resto de nós cientistas (as pessoas mais "chiques" que trabalham comigo são químicas mulheres).

De resto, tive conversas e palestras muito boas, e recebi a indicação de dois livros: Red Queen, de Matt Ridley, e Sperm Wars, de Robin Baker. Curiosamente, eu havia acabado de ganhar (de um amigo ecólogo) o Red Queen, que fala sobre o papel do sexo na evolução da natureza humana. Comecei a lê-lo, lentamente, mas o assunto geral do livro parece ser a importância central do sexo para os seres humanos: tudo que fazemos tem algo a ver com sexo e reprodução, pois somos máquinas biológicas com um impulso básico de reprodução.

Reprodução, no caso humano, significa corte, sedução, conquista, um jogo entre machos e fêmeas. Bem, biologicamente falando os machos que se dão melhor são os que conseguem convencer mais fêmeas a cruzarem com eles. E o que eles usam para esse convencimento? Basicamente, demonstrações de qualidade reprodutiva e de criação da prole, demonstrações de saúde e poder.

Ei, espera um pouco! E a cultura humana, onde entra nisso? A minha resposta é que ela é mero reflexo da nossa biologia: na cultura humana valorizamos o quê mesmo? Assuntos que envolvem saúde e poder - fofocas sobre celebridades, por exemplo, são importantes pois ficamos sabendo quem é e como age quem está no "poder', e assim podemos imitá-los para talvez ter algum poder também. Outro exemplo é a importância da "economia" - os jornais dedicam mais páginas a isso do que à ciência. E etc, etc, etc.

As pessoas comuns estão envolvidas nesse ambiente cultural, em que importa muito ter poder, pois isso leva a melhores possibilidades reprodutivas. E no nosso ambiente cultural, a ciência não é vista como uma coisa que dê tanto poder assim. Logo, o interesse das pessoas por ciência, em geral, é pequeno (e a ciência acaba sendo feita basicamente por homens "mais fracos" que tentam de alguma forma "mostrar" suas qualidades). Simples assim.

Com mais tempo, talvez eu escreva mais sobre isso. Ou não (acho que devo falar mais sobre minha experiência como professor). Não importa mesmo: eu fui ao encontro de blogs, apareço na foto oficial e não fui lembrado em nenhum lugar. Não que eu devesse esperar ser lembrado, já que eu era um mero ouvinte, mas também não fiquei vendo tudo calado - eu participei, e percebo que parece que não. Paciência. Para mim, valeu a pena: vou comprar logo, logo, o Sperm Wars.

(imagem: foto oficial do I EWCLiPo - eu sou um desses aí, mas também apareço em outras fotos, no Flicker)

sábado, 13 de dezembro de 2008

Um curso de cálculo


Voltei correndo de Ribeirão Preto, onde fui participar de um encontro de blogueiros, e onde se discutiu para quê ou para quem divulgar ciência, e agora estou em uma sala de aula, aplicando uma prova de astronomia para uma turma de quase 40 alunos. Na prova anterior, com questões no formato de múltipla escolha retiradas de um livro-texto da área, envolvendo apenas conceitos mais ou menos básicos, sem nenhum cálculo ou conta por fazer, nenhum deles foi bem: a média da turma ficou abaixo de 2, numa escala que vai de 0 a 10.

A reclamação básica foi de que havia "pegadinhas", ou de que todas as alternativas pareciam muito iguais. De qualquer forma, a imensa maioria de meus alunos não conseguiu discernir o que havia de certo ou errado numa lista de opções, em que havia algumas opções muuuuuuuito erradas... Por outro lado, na primeira avaliação da disciplina, com questões dissertativas, eu recebi como respostas escritas, de diferentes alunos, "à noite a luz não consegue se propagar" e "a camada de ozônio fica na extratosfera".

Pois bem, no próximo período letivo não haverá astronomia. Irei para a mecânica clássica, onde as respostas envolvem cálculo, e onde eu já estive: da última vez apenas um aluno decidiu terminar o curso.

E assim caminha a humanidade.

(imagem: ensinar o quê para quem?)

domingo, 7 de dezembro de 2008

Einstein (2)


Logo depois de escrever sobre a exposição de Einstein fui jantar, e só hoje voltei à internet, onde encontrei por puro acaso (num site que eu frequento sempre, dos Lablogatórios) o seguinte texto (aparentemente de autoria de John Barrow, e publicado na revista Nature):
"Einstein restaurou a fé na inintegilibilidade da ciência. Todo mundo sabia que Einstein tinha feito alguma coisa importante em 1905 (e novamente em 1915) mas quase ninguém poderia dizer exatamente o quê. Quando Einstein foi entrevistado para um jornal holandês em 1921, ele atribuiu seu apelo popular ao mistério do seu trabalho para as pessoas comuns..."
Bem, acho que a exposição que eu vi apelava justamente para esse sentimento, o do cientista como um mago ou semi-deus que faz algo incompreensível - e maravilhoso - para os humanos. Ou seja, é como se a ciência fosse algo especial, que deve ficar distante das pessoas comuns, preparadas para lidar apenas com coisas mais simples. Eu não apoio essa visão: para mim, existem poucas coisas que deveriam ser importantes para todo ser humano - e uma delas, certamente, é a ciência.

Enfim, eu acho que a humanidade só teria a ganhar se as pessoas se interessassem por ciência tanto quanto por economia, futebol ou novelas. Mas é só a minha opinião, e acho que não consigo convencer nem meus alunos nem minha família disso...

(imagem: Hécate, deusa grega da magia, dos fantasmas e da feitiçaria)

sábado, 6 de dezembro de 2008

Einstein


Bem, já faz algum tempo, uns quinze dias - ou mais - mas fui ao Ibirapuera ver uma amostra sobre Einstein. Saí de lá algumas horas depois, com uma caneca de 18 reais, e desanimado.

Vamos lá: no saguão, junto à bilheteria, havia um estande vendendo coisas sobre Einstein e lembranças da exposição. Havia alguns livros - e eu descobri que tenho e li a enorme maioria deles. Na verdade, a minha biblioteca pessoal tem muitos mais livros sobre Einstein. Ou seja, acho que sei algo sobre o sujeito. Além disso, sou professor na área de física. Ou seja, eu sei um pouco de relatividade, dentre outras coisas.

O que me frustrou na mostra? Ela me pareceu pobre demais, focando principalmente no lado humano de Einstein, e não deixando muito claro qual a importância dele para a ciência. Tá bom, fica claro que ele foi um grande homem, a equação E=mc2 estava lá, mas...

Mas o quê, homem? Bem, bem, bem: foi Einstein quem abriu as portas para as duas maiores revoluções conceituais da física - a unificação do espaço com o tempo (essa é a relatividade), e a elevação da incerteza e do acaso a um papel central no universo (essa é a mecânica quântica). Einstein pode até não ter gostado do resultado dessas revoluções, mas até suas críticas foram extremamente relevantes (um dos trabalhos mais importantes de Einstein é o do paradoxo EPR, que consiste numa "experiência pensada" destinada a mostrar que a mecânica quântica não é uma teoria completa).

Acho que o tamanho da contribuição intelectual de Einstein, de longe o mais brilhante cientista dos tempos modernos, não ficou claro na exposição. Faltou o confronto entre o pensamento antes de Einstein e depois dele. Faltaram mais brinquedos como o "simulador de movimento browniano", ou o "simulador de buracos negros" (que comeu cinco centavos meus). Faltou mais luz. Faltou deixar claro que Einstein poderia ter ganho uns cinco Prêmios Nóbel, mas só ganhou um, por uma das menores das suas contribuições. E faltou, meu Deus, muuuuuito mais da cosmologia moderna, que é filha direta do trabalho de Einstein.

Como eu disse a um amigo, num rasgo de humildade, eu faria melhor se a exposição estivesse a meu cargo. Falando seriamente, acho que faltou deixar a exposição a cargo de alguém que realmente visse Einstein como modelo...

(imagem: a mecânica quântica e a relatividade relaxando)

Era uma vez no Oeste


Fiquei sozinho em casa no sábado à tarde, e decidi ficar deitado no sofá. Liguei a TV e encontrei por acaso "Era uma vez no Oeste", de Sergio Leone. Eu já tinha assistido o filme antes, numa madrugada qualquer, mas revê-lo foi... deslumbrante. Nunca os filmes atuais me pareceram tão ridículos diante da grandeza mostrada neste western italiano. Nunca a atualidade me pareceu tão sem cor diante dos anos 60 (o filme é de 68).

Nada de bonitões como Brad Pitt: os homens que aparecem são todos feios e sujos, mesmo os mocinhos. Nada de Brad Pitt ou George Clooney: ao invés disso, closes de Charles Bronson. Closes, muitos planos lentos e nada de ação desenfreada. Diálogos lentos e simples. Um roteiro simples - até mesmo previsível - e um trabalho de câmera que não sei descrever. E poeira, muita poeira...

Fui ao imdb e vi que lá o filme aparece entre os mais bem votados. Mas isso não me contentou: fui ver também os comentários de quem odiou - e encontrei lá o seguinte trecho (que me pareceu uma boa amostra dos comentários contra o filme): "I watch movies for entertainment. Perhaps this has some sort of literary value, but its just too slow for me." Ou seja, eu vi exatamente o que esse comentarista viu no filme, só que eu gostei - muito.

Vale a pena ressaltar que há no site do imdb também um fórum de discussão, onde um título me chamou a atenção: "You idiot females under 18..." Não conheço as mulheres tanto assim (acho às vezes que quase não as conheço), muito menos as que têm 18 anos hoje, mas tenho quase certeza que esse é o tipo de filme que não agrada as mocinhas de hoje.

(imagem: Monument Valley, ou "o Oeste")

domingo, 30 de novembro de 2008

A náusea (2)


Ontem fui a uma comemoração na casa de uns amigos do trabalho, onde encontrei muita gente. Lá estava, por exemplo, uma moça que lá pelas tantas disse que após o fim de um relacionamento há várias fases, como a mágoa e a vontade de matar quem causou a dor, mas que isso passa. Eu, bem, só pude retrucar que comigo nunca tinha sido assim: a vontade que eu tive, nesses casos, sempre foi a de me matar.

Outro colega comentou que o pior show que ele viu foi do Nirvana, no Brasil, em que o vocalista estava tão bêbado ou chapado que não conseguia tocar nada. Eu retruquei que para mim Kurt Cobain era um herói por essas atitudes mesmo, que o levaram ao extremo do suicídio: pessoas comuns, sem características heróicas, fazem o que se espera delas - tocam quando é para tocar, para agradar a platéia, e fazem de tudo para viver, sem pensar, mesmo quando a vida não agrada nem um pouco.

Infelizmente, eu não sou um herói. Mas não falo ou escrevo para agradar esse ou aquele público. Eu não tenho público: ninguém se identifica comigo e eu não busco me identificar com ninguém. Eu tento ser apenas eu - e nesse processo desagrado muita gente que, se não me ignora, faz cara feia quando eu passo.

Ontem, no churrasco, eu falei que em minhas aulas atuais, de astronomia, eu sempre comento que tudo gira ao redor de algum centro: os planetas ao redor do Sol e de si mesmos, o Sol ao redor da galáxia e de si mesmo, e nós, homens, giramos o tempo todo ao redor das mulheres... Uma colega me disse que isso era demagogia: não, não é - eu acredito nisso, senão não falaria para os alunos, mesmo que de forma brincalhona.

Cheguei em casa e vomitei à noite quase tudo que comi. Tenho o estômago fraco. Mas eu sei que é pior: minha alma é uma planta em uma casa de vidro, e o mundo está cheio de gente que gosta de quebrar vidraças só por diversão... Enfim, hoje estou de ressaca, mas não é só de ontem.

(imagem: uma estufa que fui visitar algumas vezes)

quarta-feira, 26 de novembro de 2008

História verdadeira


Sexta passada fui ao shopping, e almocei, sozinho, num restaurante de comida chinesa. Peguei um biscoitinho da sorte, e dentro havia o tradicional pedacinho de papel com a seguinte mensagem: "Uma vassoura velha tem seu valor".

Pois bem, um biscoito sabe me definir melhor do que eu: sou uma vassoura velha. E o meu valor? Oras, todo mundo sabe qual é o valor de uma vassoura velha - o mesmo das minhas opiniões...

Dessa vez, não tive vontade de comer gelatina.

(imagem: fortune cookie)

segunda-feira, 17 de novembro de 2008

Leisure (2)

Às vezes, eu não queria pensar em nada. Há dias em que eu não queria fazer nada, nem pensar, nem andar, nem respirar. E há dias em que eu queria amar.

Só que eu tenho uma consciência, que me diz que eu estou velho, que eu tenho que ficar quieto, que eu tenho que ir cumprir minhas responsabilidades, e correr, correr, correr...

Eu me vingo comendo gelatina no almoço.



"You're taking the fun
Out of everything
Making me run
When I don't want to think
You're taking the fun
Out of everything
I don't want to think at all

There's no other way
There's no other way
All that you can do
Is watch them play

You're taking the fun
Out of everything
You're making it clear
When I don't want to think
You're taking me up
When I don't want to go up anymore
I'm just watching it all"

Leisure

O Sol está perto e ao mesmo tempo longe demais. As estrelas existem e ao mesmo tempo não. De verdade, mesmo, só eu existo e debaixo dos meus pés a terra. E nada, nada mesmo, me faz crer que algum dia será diferente - a bela face do Sol veio e se foi ontem e hoje, e vê-la todos os dias não me ajuda em nada: eu continuo vivo e não.



"I see her face
Everyday
I see her face
It doesn't help me

She's so high
She's so high
I want to crawl all over her

I think of her
Everyday
I think of her
It doesn't help me

She's so high
She's so high
I want to crawl all over her

She doesn't help me"

sexta-feira, 14 de novembro de 2008

Os planetas


Estou caindo de sono: dormi mal. Meu filho, ainda pequeno, não conseguia dormir e veio para minha cama. Assim, recebi uma dúzia de tapas e empurrões, e acordei várias vezes. Bem cedo na manhã, ele me acordou contando que tinha sujado as fraldas. Corri com ele para o banho. E cá estou agora, horas depois, apenas semi-desperto, quase um zumbi, com uma pilha de provas para corrigir...

Isso é a vida: às vezes o mundo me chama de volta e eu tenho que abandonar os planetas em que me refugio.

(imagem: "concepção artística" de um planeta extra-solar)

quinta-feira, 13 de novembro de 2008

Um dia, um gato


Eu escrevo "gato", alguém lê "sozinho". Isso é poesia, feita pelo leitor, que consegue encontrar num texto o que não estava lá.

Mas vá lá, eu entendo: gato é um bicho maravilhosamente independente, e que, por isso, cheira à solidão. Cachorros, por outro lado, lembram matilhas e famílias. Só que eu quando lembro de gatos, não penso em nada além de beleza: "Gato é a inspiração divina no seu melhor momento."

Por isso mesmo, às vezes perco um bocado de tempo buscando e vendo moças com face, postura e andar felino...

(imagem: estátua de uma deusa egípcia, Bastet)

sábado, 8 de novembro de 2008

Mangá - Como o Japão Reinventou os Quadrinhos


Na verdade, na verdade, desde minha infância meu sonho era ter um robô igualzinho a mim guardado dentro do armário, que tomasse o meu lugar de vez em quando, enquanto eu iria ler gibis e ver desenhos na TV...

Se eu soubesse o que me esperava, eu nunca teria querido crescer. Ou teria nascido um gato.

(imagem: minha infância)

ABC da relatividade


Eu tenho um gêmeo, que quis conhecer o universo, e então foi. De vez em quando ele volta, sempre mais jovem do que eu, e toma o meu lugar: é quando eu pareço feliz. No entanto, isso passa logo - essa felicidade dele, quando não em movimento, acaba mais rápido...

(imagem: um par de vasos gêmeos)

O que é vida?


Minha alma, presa em uma caixa onde espera que o acaso a liberte, não está nem viva nem morta: está numa superposição de estados... E se alguém abrir a caixa para vê-la, só conseguirá ver mesmo é um nada que desaparece aos poucos, mas que deixa para o fim um grande sorriso.

(imagem: eu, desperto e não, ao mesmo tempo)

quinta-feira, 6 de novembro de 2008

Mother Night (2)


E, em consonância com os novos tempos, segue o poema abaixo, que talvez tenha dado idéias a Kurt Vonnegut:

"MOTHER NIGHT, by James Weldon Johnson (1871-1938)

Eternities before the first-born day,
Or ere the first sun fledged his wings of flame,
Calm Night, the everlasting and the same,
A brooding mother over chaos lay.
And whirling suns shall blaze and then decay,
Shall run their fiery courses and then claim
The haven of the darkness whence they came;
Back to Nirvanic peace shall grope their way.

So when my feeble sun of life burns out,
And sounded is the hour for my long sleep,
I shall, full weary of the feverish light,
Welcome the darkness without fear or doubt,
And heavy-lidded, I shall softly creep
Into the quiet bosom of the Night."


Hoje professor de astronomia, mas ontem estudante de literatura, eu acho que também devo, completamente cansado da luz febril, dar boas vindas à escuridão sem medo ou dúvidas, pois até mesmo os sóis que giram devem brilhar e decair.

Não, não sei o que fazer de mim, mero pedaço de rocha sem brilho, como tantos outros desse cinturão de asteróides...

(imagem: o autor do poema acima, cuja mãe foi a primeira professora negra em uma escola pública na Flórida)

Mother Night


Uma vez, em uma outra vida em que fui estudante de letras na USP, me pediram para fazer um trabalho sobre poesia e cinema, e curioso que eu era fui ciscando, ciscando, até chegar a Kurt Vonnegut, que me apresentou Tiglath-pileser, num diálogo travado entre o personagem principal do livro "Mother Night", preso por crimes de guerra, e um guarda, que serve de carcereiro (a tradução é minha):

"Arnold está estudando para ser um advogado. A vocação de Arnold e de seu pai, um armeiro, é arqueologia. Pai e filho passam a maior parte de seu tempo livre escavando as ruínas de Hazor. Eles trabalham sob a direção de Yigael Yadin, que foi o Chefe de Estado-Maior do Exército Israelense durante a guerra com os estados árabes.

Assim seja.

Hazor, Arnold me diz, era uma cidade cananéia no norte da Palestina que existiu por volta de mil e novecentos anos antes de Cristo. Cerca de mil e quatrocentos anos antes de Cristo, Arnold me diz, um exército Israelita capturou Hazor, matou todos os quarenta mil habitantes, e queimou a cidade.

"Salomão reconstruiu a cidade," disse Arnold, "mas em 732 A.C. Tiglath-pileser o Terceiro a queimou novamente."

"Quem?" eu disse.

"Tiglath-pileser o Terceiro," disse Arnold. "O assírio," ele disse, dando um cutucão na minha memória.

"Oh," eu disse. "Esse Tiglath-pileser."

"Você age como se nunca tivesse ouvido falar dele," disse Arnold.

"Nunca ouvi," eu disse. Dei de ombros humildemente. "Acho que isso é bem horrível."

"Bem --" disse Arnold, dando-me um olhar professoral, "parece que ele é realmente alguém que todo mundo deveria conhecer. Ele foi provavelmente o homem mais memorável que os assírios produziram."

"Oh," eu disse.

"Trarei um livro sobre ele, se você quiser," disse Arnold.

"Isso seria gentil da sua parte," eu disse. "Talvez eu consiga pensar sobre assírios memoráveis mais tarde. Nesse momento minha mente está bem ocupada com memoráveis alemães."

"Como quem?" ele disse.

"Oh, eu tenho pensado bastante ultimamente sobre meu antigo chefe, Paul Joseph Goebbels," eu disse.

Arnold pôs um vazio no rosto. "Quem?" ele disse.

E eu senti o pó da Terra Sagrada rastejando para me enterrar, sentindo quão grossa seria a coberta de poeira e pedras que um dia eu iria vestir. Eu senti trinta ou quarenta pés de cidades arruinadas sobre mim; abaixo de mim alguns restos de cozinha primitivos, um templo ou dois -- e então --

Tiglath-pileser o Terceiro."


Vendo uma euforia dominar o mundo em relação a uma eleição em um país distante, sinto o mesmo peso, de metros de cidades em ruínas sobre mim, de templos e nomes e pessoas que deviam ser importantes, e sinto que, apesar disso, amanhã ainda terei que acordar e me alimentar e ir ao meu trabalho, onde outras faces sem nome me encararão o dia todo...

Nem tão surpreso, não posso deixar de notar que o preso - e o peso - sou eu.

(imagem: um impressionante "touro alado assírio" que eu tive o prazer de ver no Louvre, em Paris)

terça-feira, 28 de outubro de 2008

Colapso


Acho que tem gente que gostaria de sumir com outras gentes por muito tempo:a gente vai se ver livre dessa raça por, pelo menos, 30 anos. Eu, sabendo que sou um empecilho ao desenvolvimento da humanidade, preferia, para mim, a extinção eterna, e acho que talvez já tenha começado...

(imagem: pirâmide maia, parecida com a que ilustra a capa da edição brasileira de "Colapso", de Jared Diamond, que tem o subtítulo "Como as Sociedades Escolhem o Fracasso ou o Sucesso")

quinta-feira, 23 de outubro de 2008

O poder do mito


Há explicações que parecem fazer todo o sentido, sem as quais as coisas parecem caóticas, confusas demais. Religiões funcionam assim, tentando dar consistência ao mundo.

Exemplo: o que leva um rapaz a seqüestrar e manter sob cárcere privado uma moça que ele diz que ama? Loucura é a resposta óbvia. Mas aí surge outro fato: o pai da moça é um foragido, procurado por assassinatos distantes. Parece castigo! Melhor: uma alma prejudicada pelo pai da moça, sedenta por vingança, mas incapaz de agir diretamente no mundo material, descobre o rapaz e o influencia, como um demônio, até que ele mate a menina: a vingança está feita. E tudo faz sentido, os fatos desconexos ligados por uma teoria unificadora.

A teoria? Chama-se espiritismo, e é filha de uma época - fins do século XIX - em que tudo parecia explicável. A vida? Teoria da evolução! A história? Marxismo! O mundo? Física clássica: mecânica, termodinâmica e, acima de tudo, o eletromagnetismo. Enfim, ordem e progresso! Faltava apenas a síntese das religiões e ela veio, atendendo ao chamado do espírito da época (o famoso zeitgeist).

Não, não sou espírita. O espiritismo é só mais uma religião, cheia de dogmas e furos como todas as outras. Não acredito em revelações: em geral, elas são ouro de tolo a brilhar sob a luz do sol. Eu quero o ouro verdadeiro - e mais. Por isso faço ciência - que não explica tudo, mas que quando bem usada, não cega.

(imagem: detalhe da Capela Sistina - fresco Criação do sol e da lua - usado no verbete Deus da wikipedia, Deus esse que pode ser escrito, em uma deformação do hebraico, como Eloá)

Cosmological physics


Bem alto, à noite, as cidades surgem como manchas, quase todas da mesma cor, num tecido negro, como um mofo luminoso, amarelo-alaranjado, que se espalha até o infinito - quantas cidades, meu Deus! - de forma não linear. Tento entender se há algum padrão em sua distribuição, mas perco a razão, espantado com tamanha inusitada beleza...

Um pouco mais baixo e vejo algumas retas e eixos, que sugerem avenidas, estradas, ruas. De novo, não há padrão aparente, só linhas luminosas. Se eu fosse entender os homens pela estrutura luminosa, de redes, que eles constroem, o que eu entenderia? Seria preciso alguma matéria escura, sem luz, para explicar a organização que se apresenta?

Não tenho respostas. Calmo, adormeço.

(imagem: um aglomerado de galáxias - o que as une?)

segunda-feira, 20 de outubro de 2008

Alma minha...


Não sei se tenho alma. Não sei se existe algo que possa se chamar de alma.

E, por isso mesmo, escrevo: para provar a mim - e a mais ninguém - que eu, ainda que como uma alma penada, vagando na incerteza, existo.

(imagem: morada atual do corpo onde habitou uma alma que um dia escreveu "Alma minha gentil, que te partiste/Tão cedo desta vida, descontente,/Repousa lá no Céu eternamente/E viva eu cá na terra sempre triste./Se lá no assento etéreo, onde subiste,/Memória desta vida se consente,/Não te esqueças daquele amor ardente/Que já nos olhos meus tão puro viste./E se vires que pode merecer-te/Algua cousa a dor que me ficou/Da mágoa, sem remédio, de perder-te,/Roga a Deus, que teus anos encurtou,/Que tão cedo de cá me leve a ver-te,/Quão cedo de meus olhos te levou.")

sexta-feira, 17 de outubro de 2008

A guerra dos mundos


Uma palavra lançada, um olhar trocado e mundos podem se confrontar...

Palavras e olhares são assim, de uso múltiplo: naves invasoras indo a outro mundo, ou cordas sobre abismos, ou pontes sobre águas ou projéteis no céu em busca de alvos. Eu, no entanto, prefiro a simplicidade de uma garrafa com uma mensagem.

(imagem: estátua em homenagem a H.G. Wells)

A natureza das coisas


Li, num quadro explicativo de uma exposição do MASP, que Kant teria dito que tudo são coisas. Que eu seja uma coisa, tudo bem. Mas o que eu sinto, por exemplo, ao ler um poema é também uma coisa?

A profundidade dessa premissa me assusta: se tudo são coisas, creio que tudo pode ser trocado, vendido, comprado. E tudo pode ser valorado, comparado, "precificado" - onde estaria a coisa "eu" nessa escala de valores? Onde o meu amor?

Meu amor é meu fruto - e se a árvore não dá frutos que sejam saborosos ou rentáveis, não vale nada. Logo, acho que devo esperar a seca, o machado e o fogo.

(imagem: uma coisa)

terça-feira, 14 de outubro de 2008

Love is the truth

Eis uma pequena obra prima de 100 segundos...



"It's the right thing to do, and you know it, it's inside of you, so just show it, love is the truth."

domingo, 12 de outubro de 2008

Evolução


Eu é quem deveria estar no papel de professor, ensinando sobre a beleza das estrelas no céu... Mas - ironia! - de repente o mundo se inverteu, e eu virei um aluno, ouvindo apenas, encantado, às vezes de manhã, às vezes à noite, notícias sobre a beleza da vida na Terra.

Pois é: eu nunca imaginei que podia haver tanta graça em cálculos da frequência de alelos...

(imagem: simulações coloridas de deriva genética)

O ABCD da astronomia e astrofísica


No céu há 88 constelações...

No meu coração há muito mais.

(imagem: o que há no coração do caçador?)

Biologia, ciência única


Eu encontrei um unicórnio.

Que não existe, mas é meu.

Mas quando eu o vejo - e só eu o vejo - a luz que reflete nas asas dele ilumina todo o meu dia.

(Ah! meu unicórnio é meu e é único: tem asas...)

(imagem: uma donzela e um unicórnio, século XVI)

Universe


O Sol é um corpo negro: quem o vê brilhar não deveria ser capaz de aceitar tamanho disparate. E, no entanto, é a mais pura verdade... Como são fortes as palavras!

(imagem: o Sol é um corpo negro...)

Diário de um ninguém


Se alguém me lê, nem percebe que eu não existo: eu sou apenas uma invenção de um outro. E, ainda assim, sou muito verdadeiro.

Eu sou a água que transbordou do copo, falando apenas que o copo não está vazio.

(imagem: ilustração de outro livro que quase ninguém leu)

sábado, 11 de outubro de 2008

Principia


Um dia, me apaixonei por uma princesa. Pela minha falta de beleza, me disse ela, de longe se via que eu não era um príncipe, e me mandou embora.

Outra vez, me apaixonei por uma flor. "Onde estão a sua cor, o seu perfume?", me disse ela, e me mandou embora.

Ainda, me apaixonei por uma nuvem. "Você é pesado demais!", disse ela, e me rejeitou.

Princesa, flor e nuvem, enfim, foram apenas algumas das minhas paixões. Todas passaram.

E mesmo sem elas, não sendo nem príncipe, nem colorido ou perfumado ou leve, eu posso hoje sentar na beira do mar, para ver as ondas, buscar conchinhas e construir castelos na areia, como a criança curiosa e apaixonada que sempre fui.

(imagem: primeira página de um livro escrito por um sujeito que teria dito "Não sei o que posso parecer aos olhos do mundo, mas aos meus pareço apenas ter sido como um menino brincando à beira-mar, divertindo-me com o fato de encontrar de vez em quando um seixo mais liso ou uma concha mais bonita que o normal, enquanto o grande oceano da verdade permanece completamente por descobrir à minha frente.")

A marcha dos pingüins


Um pingüim solitário, ao descobrir-se apaixonado, sente que derrete o gelo aos seus pés.

Rejeitado, ele sente o gelo é no coração. Com uma pedra no peito, se atira ao mar - e alcança as costas tropicais do Brasil... De onde lhe mandam embora, num vôo fretado.

Ah! Pingüim ou não, a marcha é longa, o clima - o mundo - é cruel, e o amor nem sempre ajuda.

Eu, de tanto andar, tenho calos. De tanto amar, tenho medo. E, ainda assim, ando amando.

(imagem: pingüins, em foto de Martin Walls)

Adrienne Mesurat


Eu sou um peixe, num aquário, com fome. Sem palavras como todos os peixes, como posso pedir comida? Quando serei alimentado?

Só me resta olhar pelo vidro e esperar.

(imagem: um livro que quase ninguém leu)

quarta-feira, 8 de outubro de 2008

Manifesto do Partido Comunista



Em tempo: não moro em São Paulo, mas em outro lugar, próximo, onde, em 1947, "os comunistas elegeram o prefeito, Armando Mazzo, e uma bancada de 13 vereadores em uma Câmara de 31 cadeiras. No entanto, menos de 24 horas antes da posse do novo prefeito e da Câmara, o TSE enviou um telegrama ao TRE paulista comunicando a sua decisão de anular todos os votos conseguidos pelos comunistas e se negando a dar posse ao prefeito e sua bancada."

Eu não ficaria surpreso com atitudes desse tipo de novo.

(imagem: Papai Noel...)

A capital da solidão



Só vou copiar um trecho de um texto publicado na Folha de São Paulo, em que uma pesquisadora (Argelina Figueiredo, do Cebrap) comenta o resultado do primeiro turno das eleições para prefeito em São Paulo:

""Esse elemento [afastamento de PT e PSDB no plano nacional], junto com o provincianismo conservador da cidade, explica o resultado polarizado da votação." Ela [a pesquisadora] acredita que não exista na cidade um "antimartismo" puro e simples, mas sim uma tradição antitrabalhista enraizada na história. "São Paulo foi antigetulista, agora é antipetista (...)""

São Paulo, provinciana e conservadora? Não posso aceitar tamanho disparate! São Paulo antitrabalhista? Mas não é a capital do trabalho no Brasil? Só lembrando (com ajuda da wikipedia): só depois de 1930 começou de fato a industrialização do Brasil, com Getúlio Vargas, que "operou uma mudança decisiva no plano da política interna, afastando do poder do estado oligarquias tradicionais que representavam os interesses agrários-comerciais." Que oligarquias eram essas? República Café com Leite, quando "revezavam-se no poder representantes do Partido Republicano Paulista, PRP, e do Partido Republicano Mineiro (PRM), que controlavam as eleições e gozavam do apoio da elite agrária de outros estados do Brasil", época em que "instalou-se o poder dos governadores dos estados" e quando "o voto não era secreto o que tornava o voto a cabresto uma pratica comum". Sinceramente, acho que os paulistas têm saudade disso.

(imagens: o estádio do Pacaembu e um outro lugar - concordo que é sacanagem fazer tal comparação, mas eu não pude resistir...)

domingo, 5 de outubro de 2008

La favola de Eros e Psiche


Eu acho que não sei o que é "o amor", e nem sei se posso aprender, mas não me custa ler a respeito: posso não entender nada, mas talvez algo fique na minha cabeça oca. Segundo o Estadão deste domingo (eis-me aqui de novo), saiu agora um livro, "Casadas com o crime", que conta alguns romances:

"Era um sonho. Fui muito feliz. Ele me esperava cheio de amor para dar em todos os domingos de visita."

"Era bom demais. O dia da visita era sagrado."

"Ele me enchia de presentes."

"A gente passava na rua e ouvia 'olha a mulher do fulano'. Você se sentia a malandrona, a poderosa."

Os testemunhos acima são de mulheres de presidiários, alguns da alta cúpula do PCC que, com dinheiro e status, não ficam sozinhos. Mas não precisa ser da cúpula do PCC para ter esse tipo de relação: o maníaco do parque, assassino de sete mulheres, se casou dentro da cadeia. Com Paulo César Farias também não foi diferente:

"Em dezembro de 1995, depois de cumprir dois dos sete anos a que havia sido condenado, foi posto em liberdade condicional. Na cadeia, conhecera Suzana Marcolino, uma moça 24 anos mais nova que ele, dona de um corpo escultural, morena cor de jambo, de lábios carnudos. Certa tarde, ela fora levada até a cela especial no Corpo dos Bombeiros, onde Paulo César Farias cumpria pena, por uma antiga funcionária de uma das muitas empresas de PC.

A partir de então, Suzana passou a levar vida de princesa. Ganhou jóias, roupas caras, carro zero-quilômetro, uma generosa conta bancária e montou uma butique de grife - a Lady Blue - em Maceió. Passou a ser vista com freqüência ao lado do namorado recém-liberto, a bordo de uma luxuosa BMW branca conversível."

Segundo um texto antigo da revista Veja,

"Os psicólogos há décadas estudam o fascínio que os homens maus exercem sobre certas mulheres. Algumas teorias tentam explicar por que isso é tão comum."

Não, não há o que explicar: amor é isso, um sentimento sublime, espiritual, facílimo de se obter quando se tem dinheiro ou fama ou a aura nobre dos príncipes encantados que moram, às vezes, por mero acaso, em celas de presídios...

(imagem: Eros e Psiquê - quer coisa mais romântica?)

domingo, 21 de setembro de 2008

Ensaio sobre a cegueira


Domingão é dia de almoço na casa dos meus pais. Lá sempre tem o Estadão, que geralmente me diverte muito. Hoje, por exemplo, fiquei sabendo que morre 1,3 motoboy por dia em São Paulo. Ou que 12% dos cremes e condicionadores pós-banho do mundo são vendidos no Brasil. Ou ainda que 98% das mulheres brasileiras usa ou usou recentemente tinturas para o cabelo. Que uma menina de cinco anos, trabalhando como modelo, consegue ganhar até 15 mil reais por mês, e que a mãe de uma dessas misses infantis confessa que a filha não sai de casa sem retocar o gloss. Espantado, eu nem consegui chegar na parte de resenhas literárias, que é o melhor do jornal de domingo...

Durante o almoço, eu fiquei me perguntando: quem precisa tanto de motoboys? Na história de um dos rapazes mortos li que ele largara um emprego fixo por ganhar mais como motoboy. Será que valeu a pena, no final?

Outra pergunta: quem consome tanto creme e tintura? Será que são aquelas mesmas pessoas que não lêem porque o preço dos livros é alto demais? Bem, eu deixei de ser farmacêutico-bioquímico em parte por odiar fabricar e vender cosméticos, que sempre achei em sua imensa maioria, fúteis e desnecessários. Parece que me falta sensibilidade.

E, enfim, o que é gloss?

Comi a sobremesa concluindo que o fútil e desnecessário, no fim, sou eu, com essas perguntas inúteis.

(imagem: um tubo de rímel, que lá fora, em inglês e francês, é conhecido pelo nome - mais apropriado? - de mascara; segundo a wikipedia em português - não achei a definição de gloss lá - esse produto é "utilizado especialmente pelo sexo feminino, tendo como finalidade de valorizar o olhar e também proporcionar um visual sofisticado e requintado".)

Na Sombra da Lua

Me lembrei há pouco da sensação que tive quando, ainda criança, assisti um filme de Chaplin, "Luzes da Cidade", em que o personagem Carlitos arruma dinheiro para a operação de uma moça cega. Depois da operação, já com a visão recuperada, ela não reconhece Carlitos, que fica sozinho. Bem, a sensação foi de uma tristeza imensa, misturada com algo mais que não era tristeza mesmo, era deslumbramento ou algo parecido...

E o que me fez lembrar dessa sensação foi um filme que acabei de ver (há menos de dez minutos): "Na Sombra da Lua", um documentário, que até onde consegui investigar não parece ter passado em circuito comercial no Brasil.

Fantástico é o mínimo que eu posso dizer sobre isso, o filme e sua invisibilidade no Brasil. Há dezenas de discussões na internet sobre o quão bom foi Batman, textos nos jornais sobre se "Linha de Passe" é representativo e sei lá mais o quê, e um filme como esse "Na Sombra da Lua", que devia ser obrigatório ao menos nas escolas, passa quase em silêncio, sem ser notado. Triste país de cegos e pobres.

sexta-feira, 19 de setembro de 2008

Moby

In this world...



"So many time's I'm down
Down down

With the ground"

Black Crowes

O mesmo tema da postagem anterior: sci-fi e música.



"A charmed life it is
At least they tell yo so
I got a good idea
It aint like they say is so
And if it is then let me go
Let me go."

Coldplay

Continuando com a sessão musical...



"Are you lost or incomplete?
Do you feel like a puzzle?
You can't find your missing piece
Tell me how do you feel?
Well I feel like they're talking in a language I don't speak
And they're talking it to me"

sábado, 13 de setembro de 2008

Moody Blues

"Beauty I'd always missed
With these eyes before,
Just what the truth is
I can't say anymore."



"Some try to tell me
Thoughts they cannot defend,
Just what you want to be
You will be in the end."

E eu espero que isso diga mais sobre quem eu sou do que eu sei dizer...

segunda-feira, 8 de setembro de 2008

Plantas e flores


Eu sei escrever, obviamente. Mas eu sei também ler e falar inglês - e um pouquinho de espanhol e francês. Ainda: sei fazer cálculos complicados, e sei um bocadinho de biologia. Eu já li muita literatura, boa e ruim, e já vi um sem-fim de filmes e seriados da TV. Eu tenho diplomas. E um emprego. E uma casa. E um blog.

Mas nada disso é nada: eu queria um poema, que eu sei qual é, ou como seria, mas que não consigo escrever. É isso mesmo: apesar do que eu sei, eu não sei escrever um poema. Não qualquer um, mas o 'meu' poema, que fale o que eu sinto agora - e sempre.

Eu não presto. Pelo menos não para a poesia. E, no entanto, eu sinto!... Está aqui, não ao meu redor, mas em mim, toda a poesia do mundo, a sorrir dentro dos meus olhos, caçoando de mim como só uma criança alegre pode, como uma planta comum, cujas flores aparentemente ordinárias são tão complexas - e lindas - quanto a mais formosa das rosas.

(imagem: um poema modelo, simples, de umas poucas letras...)

domingo, 31 de agosto de 2008

Os Melhores Contos Brasileiros de Ficção Científica


Eis um tema que merece uma postagem particular: a ficção científica no Brasil.

Comprei na Bienal um livrinho chamado "Os Melhores Contos Brasileiros de Ficção Científica". Bem, o livro deve ser louvado, é muito interessante, mas de longe o melhor que aparece lá é Machado de Assis, com sua verve irônica irretocável. As outras coisas que há nesse livro me deram pena - de ser brasileiro.

Tudo bem, o editor da coletânea, Roberto de Sousa Causo, merece ser elogiado: é dele um livro maravilhoso, "Ficção científica, fantasia e horror no Brasil", que eu gostaria de ter escrito - ou orientado, já que o livro é resultado de um projeto de iniciação científica.

Eu já li muita coisa. Quando estudei a literatura inglesa moderna, por exemplo, passei obrigatoriamente por H.G. Wells e Aldous Huxley, por exemplo. Na literatura estadunidense, não há como fugir de Ray Bradbury e Kurt Vonnegut, por exemplo. No Brasil, bem, no Brasil, o que há é Jorge Amado, uns tantos baianos e nordestinos, e mil sensualidades e exotismos ótimos para turistas estrangeiros e paulistas (que não fazem parte do Brasil - ou fazem? - nem sei mais!). No Brasil não há ambiente para crescimento do gênero ficção científica, pois não há inserção da ciência na cultura. E, assim, a ficção científica é vista como algo kitsch, reservado para cdf's e nerds.

Intelectual no Brasil é, única e exclusivamente, quem cultiva as letras e as humanidades. Será que vale ser escritor de blog?

(imagem: ilustração para edição européia de "A guerra dos mundos", de H.G. Wells, feita pelo brasileiro Henrique Alvim Corrêa, no início do século XIX)

Como e por que ler


Nas duas últimas semanas estive bem ocupado. Como exemplo de minhas atividades posso citar uma ida à Bienal do Livro de São Paulo, em que andei por um bom punhado de horas, e a participação em um evento com a presença do Excelentíssimo Presidente da República, Sr. Luiz Inácio Lula da Silva, em que fiquei em pé por um bom punhado de horas.

A ida à Bienal foi para mim uma experiência ao mesmo tempo agradável e frustrante. Agradável pela possibilidade de folhear e conhecer um mundo sem fim de livros, e frustante pela constatação - óbvia - de que a maior parte da produção de livros, no Brasil, embora destinada a uma minoria pelo elevado preço de venda, é de títulos de qualidade no mínimo duvidosa. Em poucas palavras: no Brasil se lê pouco, caro e mal.

Em minha busca específica, quase não achei livros de ciências e/ou de ficção científica. As editoras de livros técnicos e universitários têm em seus catálogos principalmente livros destinados a administradores, muito, muito pouco das ciências básicas - física, química, matemática - e só um pouquinho a mais de biologia, apenas por conta dos futuros médicos e dentistas, mas a preços proibitivos, enquanto a área de humanidades tem uma abundância de ... inutilidades. Já as editoras de literatura concentram seus esforços em best-sellers e livros de auto-ajuda ou modismos ou livros de figuras, para centro de mesa, do tipo "Almanaque daquilo", "O livro de ouro de tal coisa", etcetera e tal. A ficção científica, que eu admiro tanto, não existe no Brasil, como literatura e mercado, pelo simples fato de no Brasil ninguém ligar para ciência.

Assim, vi muito e comprei pouco, e não apenas por conta dos preços. Melhor gastar meu dinheirinho na Amazon (olha uma possibilidade d'eu faturar com propaganda...).

Quanto ao presidente, foi uma grata surpresa. Nunca o tinha visto discursar e, bem, o homem é um showman, que sabe o seu ofício. Antes dele, falaram vários dignatários, inclusive um reitor universitário (responsável pela tradução de um dos livros que comprei na Bienal) - que leu um discurso longo e se atrapalhou com o texto diversas vezes, chegando a criar o termo "células-tranco" - e, de longe, o melhor discurso, informal, focado, bem humorado e tocando nos pontos importantes para a audiência, foi o do presidente. Ao meu lado, um operário - com capacete, macacão e suor - resumiu direitinho o que vimos: "o Lula é foda!".

Dessas duas experiências fico com uma certeza: entre intelectuais e 'burgueses' (eita termo mais feio - fazer o quê? não consigo pensar em outro), que lêem - mal - para talvez ter um pouquinho de idéias, e a espontaneidade do povo, fico com a última.

(imagem: Coroação da virgem, quadro do pintor espanhol Diego Velázquez - século XVII - apresentando Maria, a mãe de Cristo, que segundo o grande escritor Augusto Cury - "seus livros já venderam mais de 5 milhões de exemplares no Brasil" - foi a maior educadora da história)

quarta-feira, 20 de agosto de 2008

Visão do paraíso


Em tempos de Olimpíada, acho curioso que os brasileiros se decepcionem com o desempenho dos seus conterrâneos: parece que nunca pararam para pensar que o Brasil é um país de periferia, com uma população majoritariamente pobre e uma elite muito, muito ruim, em todos os sentidos.

Para mim, a síntese desse país é o Rio: paisagem maravilhosa, Zona Sul e favelas, lado a lado, com a bandidagem abastecendo - e abastecida pelos - 'burgueses'. Numa palavra, mutualismo, ou "relação de interdependência entre espécies". São Paulo é igual, igual, só que com uma geografia diferente.

E, no entanto, acho que se fizerem uma pesquisa, hoje, haverá muita gente - a maioria - dizendo que o Brasil é um paraíso, "abençoado por Deus e bonito por natureza". Assim seja.

(imagem: O jardim do Éden, pintura de Thomas Cole, século XIX)

segunda-feira, 18 de agosto de 2008

Gnarls Barkley

E já que é para falar de música, "quem vai salvar minha alma?"



O diálogo que aparece nesse vídeo surreal não poderia ser mais... realista.

CSS

Houve um tempo em que a música era minha companhia, "my hot, hot sex". Hoje, por um momento breve, redescobri essa alegria: eu queria mesmo era ser alguém como esse pessoal do Cansei de Ser Sexy...



And I think I would like to be off the hook...

sábado, 16 de agosto de 2008

Aula


No final de semana passado fui à Juréia. Para ser mais exato, fui ao Núcleo Arpoador da Estação Ecológica Juréia Itatins, em Peruíbe, litoral sul de São Paulo.

Chuva, chuva e muitos passos depois - com direito a subidas e descidas em morros bem inclinados, acompanhados por uma exuberante mata atlântica - chegamos a um lugar chamado Parnapoa, onde havia uma escolinha abandonada...

Foi uma aula maravilhosa sobre sucessão ecológica, "nome dado à seqüência de comunidades, desde a colonização até a comunidade clímax para determinado ecossistema". A praia nua seguida por gramíneas, arbustos e finalmente a floresta, se sucedendo no espaço como sinal de sua seqüência no tempo.

E não foi tudo: no caminho encontramos vários bichos mortos - a ossada de um pingüim, outra de outra ave marinha grande (albatroz, atobá, gaivotão?), a ossada de um mero, o crânio de um boto, e várias tartarugas mortas por ficarem presas numa rede de pesca. Morte falando da diversidade da vida. E ainda houve uma ida, de barco, ao mangue...

Fiquei com a visão nítida de que o mundo em si pode ser uma ótima escola, que não vale a pena abandonar.

(imagem: foto que eu tirei, e que acho que serve para mostrar que uma praia vazia em dia de chuva é, em geral, melhor que São Paulo num dia de sol)

Alice


Há uma pasagem no livro "Através do Espelho", em que a personagem Alice anda em um jardim de flores vivas e acaba por encontrar a Rainha Vermelha (uma peça de xadrez), que a fez correr com ela. Entretanto, depois da corrida, Alice se espanta:
""Ora, eu diria que ficamos sob esta árvore o tempo todo! Tudo está exatamente como era!"
"Claro que está", disse a Rainha, "esperava outra coisa?"
"Bem, na nossa terra", disse Alice, ainda arfando um pouco, "geralmente você chegaria em algum outro lugar... se corresse muito rápido por um longo tempo, como fizemos."
"Que terra mais pachorrenta!", comentou a Rainha. "Pois aqui, como vê, você tem de correr o mais rápido que pode para continuar no mesmo lugar. Se quiser ir a alguma outra parte, tem de correr no mínimo duas vezes mais rápido!""

Bem, tal passagem (que eu copiei da tradução brasileira do livro "Alice- edição comentada", de Martin Gardner) serviu de base para o nome de uma idéia da biologia: a "hipótese da Rainha Vermelha", que, de forma simplificada, pode ser descrita como dizendo que existe uma corrida evolutiva sem fim. No caso de parasitas isso significa que eles e seus alvos mudam - evoluem - o tempo todo, um para escapar do outro, mas ambos continuam juntos, como se corressem sem sair do lugar. Bactérias resistentes a quase tudo (a revista New Yorker publicou recentemente um texto com o título "Superbugs - The new generation of resistant infections is almost impossible to treat", e o Brasil enfrenta problemas com uma micobactéria) parecem ser bons exemplos dessa hipótese: nós inventamos medicamentos, elas desenvolvem defesas - e a corrida continua.

Enfim, acho que a mensagem é essa: evoluir é preciso, mesmo que não se saia do lugar. Mas eu, pessoalmente, prefiro viajar de verdade, nem que seja de vez em quando, nem que seja sentado defronte à minha tela de computador: navegar é preciso, viver, não.

(imagem: uma rainha do jogo de xadrez, o mais nobre dos esportes - tem reis e rainhas - e que, injustamente, não é lembrado em tempos de Olimpíada)

domingo, 3 de agosto de 2008

Os condenados


Fui a Franco da Rocha, no final de semana passado, para visitar uma mancha de cerrado que faz parte de um parque estadual. Lá vi muita vida que a cidade de São Paulo não sabe que existe: aves, répteis, verde, verde e verde... Mares de capim, com ondas e o rastro dos barcos que por lá passaram. E no meio de tudo a transição fantástica de clima gerada por um rio e as árvores que o cercam. Um outro mundo, a menos de uma hora de minha casa.

São Paulo é, em minhas memórias, uma cidade sem estrelas e, agora, por comparação, uma cidade sem vida. Pessoas, sim, muitas, mas acho que todas como eu - merecendo pêsames.

(imagem: São Paulo, "um lugar original")

Oxford Advanced Learner's Dictionary


Comprei uma TV nova. Na verdade, duas, para substitutir os aparelhinhos de 14 polegadas que me acompanham há anos. Uma das TVs velhinhas agora fica aqui, ao lado do computador, de modo que posso acompanhar - com bastante chiado - o jogo de futebol do domingo ao mesmo tempo em que navego na rede.

Não sei se isso irá melhorar ou piorar minhas postagens, mas ao menos acho que vai servir para afastar um pouco o silêncio e o frio que teimam em permanecer neste escritório: mais iluminada e quente, só uma lareira...

Assim funciona o mundo: eu comprei uma TV, para usar como lareira, quando eu precisava
mesmo era de algo para aquecer meu coração. Enfim, talvez a frase que me descreve, nesse caso, fique melhor em inglês, tal como encontro no meu dicionário: a fire burning in the heart, longing for a hearth and a home.

(imagem: uma lareira, em ilustração do século XIV, segundo a wikipedia)

sábado, 26 de julho de 2008

Descobrindo o universo


Uma semana e uns cem quilômetros me separam do mar, mas parece ser muito mais: eu estava em Itanhaém ("Ita", pedra, "Nhém", que canta) e fiquei maravilhado com a cidade que me apresentaram.

Próximo à Cama de Anchieta, me pediram para sentar e observar o mar. Em instantes, vi tartarugas marinhas virem às rochas para se alimentar de algas. Mais à frente, num costão rochoso, achamos pequenas poças com peixinhos que lembravam lagartos submarinos, e pequenos crustáceos, andando por sobre os intrincados caminhos feitos por litorinas, moluscos minúsculos, de uns poucos milímetros...

À noite, o mar, iluminado apenas por uma imensa lua cheia, parecia cantar.

E, na entrada do Rio Itanhaém, próximo ao Iate Clube, vi brilhando nas águas escuras um imenso cardume de peixinhos e, ao lado deles, um siri, nadando vigorosamente. Só assim fiquei sabendo a razão do gênero Callinectes que, em bom português, quer dizer algo como 'belo nadador'...

Praia e pedras e lua e toda essa vida e eu, aqui, na metrópole, dando aulas para alunos que parecem que não as querem, e que acima de tudo não me querem e que, por isso mesmo, pouco aprendem: ao invés de ir para a frente, parece que eu ando só para os lados, escrevendo na areia.

(imagem: a Nebulosa do Caranguejo que, em inglês, se chama "Crab Nebula", e que acho que expressa a beleza que vi em Itanhaém - astronomia e biologia são, para mim, as duas faces de uma mesma moeda...)