domingo, 24 de fevereiro de 2008

Os cem melhores contos brasileiros do século

Uma certa vez, passei num concurso público em Cuiabá. Fui para lá sem conhecer a cidade, nem ninguém nela. Morando em um hotel, busquei companhia para as minhas noites vazias. Numa livraria de um dos shopping centers da cidade, quem me seduziu foi um livro intitulado "Os cem melhores contos brasileiros do século". Durante as noites de cerca de um mês li conto após conto.

O tempo passou e eu passei em outro concurso. Mudei, eu, a cidade ao meu redor.

E eu comecei a escrever, de forma sistemática, para espantar a solidão. Ou para alardeá-la. Ou para espantar o tédio. Ou por descobrir que eu podia escrever. Ou por outra razão qualquer.

Mas a gota d'água que me me levou mesmo a escrever foi uma visão que tive, há uns anos, quando fui a um congresso de astrofísica, em Campos do Jordão, perto de um Carnaval. O que eu vi? Não sei descrever ainda, e escrevo há um ano. Já escrevi cem textos e em todos eu rodo inutilmente ao redor da minha visão, como uma mariposa ao redor de uma lâmpada, impotente.

Há pouco mais de quinze dias fui a uma nova edição do congresso em Campos do Jordão. Na volta, por acaso, tive acesso a uma apostila do governo do Estado de São Paulo, distribuída aos professores da rede pública, com direções e temas paras as suas aulas, onde reencontrei um conto de Luís Fernando Veríssimo, "Conto de Verão n. 2: Bandeira Branca", que eu havia lido em Cuiabá.

O tema central desse conto é uma série de encontros entre dois personagens, em vários carnavais, desde a infância deles. O desfecho acontece com os dois adultos, num último encontro, por acaso, ainda num carnaval, num aeroporto. O personagem masculino, Píndaro, fica pensando se deve dizer à personagem feminina, cujo nome, Janice, só é dito de relance, que o último encontro deles, ambos ainda adolescentes, "foi o momento mais feliz da minha vida, (...), e que todo o resto da minha vida será apenas o resto da minha vida". E o que havia acontecido naquele encontro? Nada, eles haviam apenas dançado "Bandeira Branca" e nunca mais se visto. Mas para Píndaro aquele nada era muito mais...

É como se aquela visão, em Campos do Jordão, perto de um carnaval, tivesse tornado o resto de minha vida apenas isso, o resto de minha vida... Eis-me aqui, Píndaro sem Janice, defronte a um nada que não sei descrever, que não posso sequer nomear, e escrevendo.

O conto termina sem Janice se lembrar do nome de Píndaro. Na verdade, duvido que alguém hoje saiba quem foi Píndaro: ontem mesmo vi na TV um garoto de cerca de 10 anos que não sabia soletrar "isósceles"...

(imagem: estátua de Píndaro, poeta grego que viveu ente 552 e 443 antes de Cristo, que escreveu "Aqui não se lucra/Dizendo-se a verdade toda com a face descoberta./Freqüentemente é mais sábio ser silente.")

Morte e vida severina (e outros poemas para vozes)

Ironia máxima: a chuva da semana invadiu a sala de aula onde, dois dias antes, falei para os alunos sobre a importância da água na Terra...

Ah, se pelo menos essa água toda levasse, na sua sujidão, meus pecados - mas, não, não adianta: já fui batizado, mais de uma vez, na última submergido de corpo inteiro, e nem assim voltei a ser puro como meu filho. Não adianta mesmo - se uma vez o rio sai do leito, outras vezes ele o fará.

Ou, como diz João Cabral de Melo Neto, em seu poema "O rio", que inicia o livro "Morte e vida severina",
"Sempre pensara em ir
caminho do mar.
Para os bichos e rios
nascer já é caminhar."
(imagem: cartão postal com outra ironia, publicada hoje, domingo, pela Folha de São Paulo - esse é o Rio Tietê, com barquinhos (a foto é de 1905, e a imagem acima é da wikipedia))

sábado, 16 de fevereiro de 2008

Senilidade

Eu vivo cercado por livros, que emprestei de alguma biblioteca ou comprei, novos ou em sebos, sozinhos ou em coleções, nacionais ou importados.

As coleções são interessantes por me permitirem encontrar escritores que eu provavelmente não buscaria. Por exemplo, numa coleção de clássicos da literatura moderna, que o jornal que assino me vendeu, há o livro "A Consciência de Zeno", de Italo Svevo, autor de que tenho outro livro comprado em outra coleção, "Senilidade".

Quinze anos separam as duas aquisições. Quando comprei "Senilidade" eu era um adolescente com pouco dinheiro: os livros da coleção eram de papel jornal barato e eu os procurava nas bancas de jornais. Já a coleção mais nova tem capa dura, papel branco, me veio em caixas pelo correio, e alguns livros ainda estão lacrados.

Sobre "Senilidade" encontrei o seguinte comentário, num site português:
"(...) foi o segundo romance de Italo Svevo, que o publicou em Itália, em 1898, pagando a edição do seu bolso. O livro teve a pior recepção que pode acontecer a um romance: uma completa indiferença da crítica e uma total ignorância por parte do público."

O que leria o público daquela época? Quais seriam os best-sellers do momento? Não consigo descobrir.

É, não deixa de ser curioso que, hoje, o livro ignorado de ontem me encare de uma estante, na minha casa, enquanto o que todos liam praticamente não tenha deixado registro.

(imagem: livros senis, na wikipedia)

Pensando a física


Participei em outubro do ano passado de um congresso de biologia matemática, na Unicamp, onde a grande maioria dos trabalhos apresentados era de modelagem matemática: dado um determinado assunto em biologia - por exemplo, a propagação da dengue, ou o efeito da castração de cães, ou a formação de estruturas protéicas - pode-se montar um modelo matemático com um certo número de variáveis, com o que se pode brincar bastante...

Um modelo matemático não é uma teoria. A diferença é que uma teoria parte de primeiros princípios ou postulados mais ou menos gerais para daí criar uma descrição matemática, enquanto um modelo matemático é só isso mesmo que o nome diz, sem a necessidade de uma teoria por trás.

São exemplos de teorias a teoria da relatividade especial, que possui dois postulados, a invariância das leis das física e a constância da velocidade da luz, e a teoria da evolução, que se assenta em duas idéias básicas, a variação dos organismos e a seleção natural. Um exemplo de modelo matemático é a gravitação de Newton, em que um mecanismo de atuação da força da gravidade nunca é invocado, mas em que se tem uma lei matemática que descreve de que maneira os corpos se atraem.

Bem, eu estive agora num workshop de astrofísica e cosmologia em que o que mais havia eram modelos matemáticos, tantos que podia certamente se chamar workshop de cosmologia matemática ou astrofísica matemática ou coisa semelhante.

Como sintoma disso, posso comentar que, em uma das últimas apresentações, perguntei a um rapaz, doutorando com mais artigos publicados do que eu nos últimos anos, sobre como ele descreveria, de forma didática, para um livro de divulgação, a idéia por trás do seu modelo - e o que recebi de resposta, bem, não foi uma resposta.

Há uma pressão para se publicar: o cientista que não publica é visto como um pária dentre seus pares e "perece". Logo, nunca houve tanta produção científica. No entanto, para mim, faltam reflexões e abundam modelos e artigos. As pessoas sabem fazer contas e variações dessas contas, programar computadores e ajustar dados, fazer mil variações de experimentos e medidas, mas eu fico com a dúvida: ciência é só isso?

Eu queria saber pensar, de verdade, mas só sinto: talvez meu coração seja grande, e o cérebro, atrofiado... E eu não publico.

(imagem: foto do antigo cassino da Urca, no Rio de Janeiro, local que teria inspirado o físico brasileiro Mário Schenberg na sugestão de um processo de perda de energia nas supernovas; Schenberg, além de ser talvez o mais importante físico teórico do Brasil, era crítico de arte...)

A vida, o universo e tudo mais


Há uma série de livros de ficção científica, iniciada com "O Guia do Mochileiro das Galáxias", em que a resposta final para a vida, o universo e tudo mais é 42. Aliás, 42 é um número que aparece várias vezes em "Alice no País das Maravilhas", que é um livro escrito por um matemático, Lewis Carroll.

E quem me lembrou disso tudo foi meu painel no Workshop Nova Física no Espaço, que recebeu esse número...

(imagem: o chapeleiro maluco, em ilustração de John Tenniel, século XIX)

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008

O idiota da família


O que resta a quem se descobre um idiota?

E não, minha descoberta não é de hoje.

Mas hoje, dentre as mil palestras do dia, surgiram as perguntas “existem novas formas de matéria?” e “existem outras dimensões espaciais?” E, não, eu não tenho respostas para isso.

Não, não é de hoje, mesmo: a vida inteira eu nunca soube encarar os olhos da moça que eu considerava a mais bela dentre todas, nem soube buscar o que eu mais queria... Foi assim que acabei aqui, idiota como sempre, só que mais velho, ainda sem respostas e, mesmo assim, escrevendo.

Mais não sei.

(imagem: manuscrito medieval, do poema Balada para Rosemunda, de Geoffrey Chaucer)

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2008

O caçador de pipas

Antes eu atirava palavras em direção ao papel, tentando salvá-las da morte prematura, mas elas caiam no limbo das minhas gavetas, entre montanhas de folhas amareladas e cadernos esquecidos.

Hoje, não! Em segundos minhas frases disparam eletronicamente em direção ao céu e, como gotas de chuva, desaparecem, indistintas, no oceano...

Eu teria mais sucesso empinando pipas. Ao menos há quase sempre alguém correndo para apanhá-las e, de qualquer modo, nem que seja por um breve instante, elas realmente voam, leves, levadas pelo vento.

(imagem: um homem e uma pipa, na Wikipedia)

Corpo de baile

E, enfim, a moça mais bela do baile não dançou comigo: eu não fui ao baile...

(imagem: Baile da Corte em Hofburg, pintura de Wilhelm Gause, 1900)

Desvendando o arco-íris

Estou de volta a Campos do Jordão, onde este blog começou, um ano atrás. Ainda não sei o que vim fazer aqui...

No entanto, essa viagem não foi de todo inútil: vim de carro, coberto por um céu indeciso, que não sabia se abria ou não as mãos para deixar a chuva já pronta cair e, entre Mogi e Guararema, vi, escondidos entre um azul pesado, arcos de um arco-íris.

Acho que muito em breve não vou lembrar de nada dos mil pesados e surreais seminários que assisti aqui; mas desse arco-íris, incompleto, leve e irreal, certamente não poderei me esquecer.

(imagem: imagem digital Double Rainbow Two, de William Rafti)

sábado, 9 de fevereiro de 2008

Hamlet


Escrevi outro dia, num blog profissional, um comentário sobre a arte rupestre, deixada nas paredes de cavernas e outros lugares de difícil acesso por nossos antepassados primitivos. O assunto discutido no blog era qual a razão da arte (na verdade, era quase isso) - e eu acho que é a mesma que sempre foi, desde os tempos dos primeiros homens: comunicar, impressionar, impulsionar sonhos, e também conjurar uma certa mágica.

Enfim, acho que eu não devia pensar nisso, nem em mais nada: eu, comparado a uma simples pintura rupestre, não sou nada. Não comunico nada, não impressiono, não tenho mais sonhos e quanto à mágica, pfff...

Não imagino que o homem que desenhava nas cavernas pudesse sonhar que seus desenhos durassem séculos. Certamente os artistas rupestres eram poucos: seus contemporâneos deviam estar mais preocupados com a sobrevivência, pura e simplesmente. Eram tempos duros, aqueles dos nossos antepassados.

Quanto a mim, já disse, não sonho. Decerto, eu deveria engrossar a multidão dos que hoje se preocupam mais com a sobrevivência: vivo mal e porcamente e acho que sobreviver é tudo que me resta. Embora eu não saiba mesmo para quê. Mas nem essa dúvida é mesmo minha: está lá, no famoso monólogo de Hamlet, há séculos.

(imagem: Hamlet e Horácio, por Delacroix - ao menos é o que informa a Wikipedia)