sábado, 29 de março de 2008

Memorial de Aires


Durante algum tempo vivi nas redondezas da Avenida Paulista. Era comum que eu fosse ao cinema ao menos uma vez por semana. Hoje, fazem quase seis anos que eu não ponho os pés numa sala de cinema. Ganhei dois ingressos do jornal que assino e não sei se vou usá-los.

Hoje, eu não ouço rádio, e meu carro só tem um buraco no painel: eu tinha um toca-fitas, e ele foi roubado. Quase nunca senti sua falta.

Também não me lembro quando foi a última vez em que fui ao teatro.

Eu era assinante de uma revista de música, de quem ganhei até um conjunto de LPs, num concurso. Mas o último CD que comprei ("Hail to the Thief") foi numa banca de usados, há meses, talvez há mais de um ano. E eu não baixo músicas ilegalmente da internet.

Filmes, música, teatro: dá para viver - bem? - sem tudo isso. Quando eu olho nos cadernos de cultura dos jornais ou vejo reportagens sobre as novas estréias do cinema, tudo me parece tão tedioso, tão repetitivo, inútil. É tudo como os zilhões de canais da TV a cabo: tudo do mesmo, tudo sem muita qualidade, feito apenas para entreter, não para adicionar, como as mil comédias do teatro brasileiro, mil versões com nomes diferentes de "Sai de Baixo", feitas para um público que, mesmo assim, ri. Filmes de terror japoneses, remontados em Hollywood, para os adolescentes da classe média do mundo, tal como Linkin Park, Backstreet Boys e Iron Maiden, Babado Novo e Ivete Sangalo, Max de Castro e Ana Carolina, são todos, para mim, versões diferentes do mesmo.

É, acho que fiquei velho: não vejo nada de novo sob o sol. Ou será que foi o mundo que envelheceu? Mais uma vez, não tenho respostas, só tenho meus olhos e um punhado de tempo para matar entre uma barca e outra...

(imagem: "For everything there's a season", ou, de forma mais sonora, há uma versão no YouTube...)

sexta-feira, 28 de março de 2008

Domingo no parque


Hoje é dia de feira. Há gritos por toda parte, como se a venda dependesse da força da voz de quem vende, e não do produto. Os passantes se acotovelam, os cheiros e cores se misturam, e tudo é ruído, mesmo que não seja sonoro.

Não é hoje apenas que há feira: todo dia é dia de feira. Todos gritam, tudo grita, todo dia. E eu, imerso nesse caos, também grito, mas minha voz é fraca, é pouca. E, para mim, o cheiro das barracas de peixe se sobresssai.

Sinceramente, eu prefiro ouvir estrelas.

(imagem: feira, na wikipedia)

sábado, 22 de março de 2008

Olhai os lírios do campo


Hoje é sábado de Aleluia, véspera do domingo de Páscoa. Por conta disso, a TV, neste final de semana, apresenta mil estórias e documentários religiosos: vi ontem à noite, zapeando, um pouco de uma versão moderna da paixão de Cristo, a história de Moisés, um "documentário" sobre a arca de Noé...

Nada disso faz muito sentido para mim: já vivi por tempo demais por entre os cristãos para saber que Jesus é, efetivamente, apenas um mito, uma marca, como Coca-Cola ou como o símbolo de um clube de futebol. Querem exemplo? Pois bem!

Eu recebi ontem para almoçar, na Sexta-Feira Santa, vários convidados, todos cristãos evangélicos, incluindo duas missionárias, moças bastante simpáticas, que estão longe de suas famílias há mais de um ano. Recentemente, o contrato de locação da casa em que elas moravam terminou e elas, como não conseguiram ainda alugar outro imóvel, nos contaram, queixosas, que estão vivendo de forma improvisada, com suas roupas e móveis encaixotados em diversos lugares.

Aí, eu, que não me considero mais cristão, me lembrei de algo: "Não possuais ouro, nem prata, nem cobre em vossos cintos, nem alforjes para o caminho, nem duas túnicas, nem alparcas, nem bordão, porque digno é o operário do seu alimento." Me lembrei porque eu quis ser assim, um dia, como as aves do céu, que não semeiam nem segam. Eu realmente sonhei em ser um missionário, da paz, da verdade e da esperança - e no fim me tornei apenas outra alma perdida, preso talvez no inferno dos desejos pequenos e baratos...

Após o almoço, as moças nos deixaram uma mensagem padrão: Cristo é o salvador. Não, moças, não creio nisso. Meu salvador, se existir, serei eu: Jesus, com sua morte, na Páscoa, que era originalmente a comemoração dos judeus pelo fim da escravidão no Egito, apenas deu um exemplo, simbolizando que é possível se libertar da escravidão deste mundo de carne e desejos inúteis. Não, não é o sangue de Cristo que vai limpar meus pecados - não espero e, mesmo se for assim, não irei aceitar isso. Não há sangue, meu ou de outros, que possa me purificar: eu já vi a pureza e sei o quão longe estamos dela...

Mas eu espero ressuscitar: já vi isso acontecer, pois já me vi morrer mil vezes, e mil vezes me vi renascer. Já fui cristão e deixei de ser. Já me apaixonei, muitas vezes, todas à toa. Vi "Marcelino Pão e Vinho" quando criança, e quando fui revê-lo, há menos de dois meses, só vi um filme provavelmente fascista, franquista, puramente ideológico. Já fui bioquímico e depois virei cosmólogo; dei aulas de física, hoje falo de ecologia. É assim a vida: muda-se e morre-se, morre-se e muda-se.

Ter crenças é agradável, mas, por força da minha consciência, não posso tê-las: meu destino é buscar a bem-aventurança no presente, todos os dias, vendo, por exemplo, a formosura dos lírios do campo, e os tesouros do céu, onde nem a traça nem a ferrugem consomem, e onde os ladrões não minam nem roubam - é aí que espero enterrar meu coração...

(imagem: um lírio universo)

domingo, 9 de março de 2008

O universo sem mistério


Há coisas que não se explicam, apenas se contam.

Eu, na última noite de quinta-feira, antes de dormir, dei uma passada aleatória nos canais da TV acabo - são uns 50. Por curiosidade apenas parei num canal onde estava terminando um filme que eu nunca havia assistido, atraído pelo ar de discussão séria de um julgamento. Após uns dez ou quinze minutos, me cansei e pensei em ir dormir. Antes, porém, quis saber que horas eram e apertei um botão do controle remoto que faz mostrar as horas na tela da TV.

Nesse meio tempo, sem que eu me desse conta de imediato, a cena do filme mudou, passando da sala do tribunal para a casa da advogada do filme, que arruma suas coisas e vai dormir. Ela se deita e antes de apagar a luz pega o relógio, digital, para ver que horas são. No mesmo instante eu aperto o botão do meu controle remoto e na tela aparece a hora, 11:14, em absoluta sincronia com a cena do filme, onde a hora vista pela personagem é 11:14.

Qual a chance disso acontecer? A conta é fácil de fazer, e de forma simples se chega ao resultado de uma chance em 518.400. Moral? Nenhuma, talvez apenas a de que o mundo é cheio de coincidências, não é? Ou não? O universo não tem mistérios. Ou tem?

Sei lá! O que eu sei é que por vezes eu acho que já vi um anjo e, no entanto, não posso dizer que isso é verdade, pois eu sei que anjos não existem...

(Ah, e antes que eu me esqueça, o filme é "O exorcismo de Emily Rose".)

(imagem: um relógio)