sábado, 26 de julho de 2008

Descobrindo o universo


Uma semana e uns cem quilômetros me separam do mar, mas parece ser muito mais: eu estava em Itanhaém ("Ita", pedra, "Nhém", que canta) e fiquei maravilhado com a cidade que me apresentaram.

Próximo à Cama de Anchieta, me pediram para sentar e observar o mar. Em instantes, vi tartarugas marinhas virem às rochas para se alimentar de algas. Mais à frente, num costão rochoso, achamos pequenas poças com peixinhos que lembravam lagartos submarinos, e pequenos crustáceos, andando por sobre os intrincados caminhos feitos por litorinas, moluscos minúsculos, de uns poucos milímetros...

À noite, o mar, iluminado apenas por uma imensa lua cheia, parecia cantar.

E, na entrada do Rio Itanhaém, próximo ao Iate Clube, vi brilhando nas águas escuras um imenso cardume de peixinhos e, ao lado deles, um siri, nadando vigorosamente. Só assim fiquei sabendo a razão do gênero Callinectes que, em bom português, quer dizer algo como 'belo nadador'...

Praia e pedras e lua e toda essa vida e eu, aqui, na metrópole, dando aulas para alunos que parecem que não as querem, e que acima de tudo não me querem e que, por isso mesmo, pouco aprendem: ao invés de ir para a frente, parece que eu ando só para os lados, escrevendo na areia.

(imagem: a Nebulosa do Caranguejo que, em inglês, se chama "Crab Nebula", e que acho que expressa a beleza que vi em Itanhaém - astronomia e biologia são, para mim, as duas faces de uma mesma moeda...)

As cidades invisíveis


De Juiz de Fora fui a Três Corações e, no caminho, passei por uma miríade de cidadezinhas que o resto do mundo não deve saber que existem, todas enquadradas pelo céu azul e vigiadas por uma imóvel platéia de montanhas e morros.

No meio de um desses nadas, um homem apareceu correndo na beira da estrada, pedindo com gestos que eu parasse. Parei, e o que ele queria era uma carona até a casa dele, alguns quilômetros à frente: "aqui não passa ônibus, não". Pouco antes de chegarmos a Liberdade, ele me apontou uma casa de fazenda com paredes brancas: "se o senhor passar por aqui de novo e quiser comprar uns queijos é só falar com o rapaz dessa casa, que faz os melhores queijos da região."

Quilômetros adiante, fiquei condoído com uma família, pai, mãe e filho, pedindo carona e os levei comigo até o meu destino, Três Corações, que por puro acaso era o mesmo deles, o que me fez pensar que embora o mundo seja grande, seus caminhos são poucos...

Já em Três Corações, fui almoçar, a convite, num lugar chamado "Venda do Chico", na beira da Rodovia Fernão Dias, com pratos de metal, lingüiça frita, couve, frango, e café servido num bule, cercado de vozes falando a mesma língua que eu mas com outro tom, outra harmonia - "nóo!" Com Varginha e São Tomé das Letras ali do lado, fiquei realmente pensando que aquele poderia ser outro mundo. No entanto, fui logo alertado de que era o mesmo: no almoço, todos preocupados com a "lei seca", não bebemos mais que um copo de cerveja - a estrada nos esperava.

É, talvez eu deva voltar aqui, em busca de Liberdade, queijos, o cheiro de café, ou de alguma outra coisa intangível desta Terra de cidades em torrentes, e de sutilezas que jamais serei capaz de descrever...

(imagem: mapa mundi de Fra Mauro (século XV), provavelmente influenciado pela viagem de Marco Polo, que inspirou um mundo de viajantes, incluindo Ítalo Calvino...)

quarta-feira, 16 de julho de 2008

A invenção da solidão


Estou só, abandonado: e daí? Eu já estive só antes, e sobrevivi.

As imagens que vejo em meu espelho - e alguma biologia básica - me dizem que minha solidão não é à toa: eu não sou, e nunca fui, o príncipe esperado pelas donzelas, e quem me vê, homem ou mulher, não deve mesmo me dar valor.

Na verdade, olhando para trás, muito me surpreende que em algum momento alguém tenha ficado ao meu lado: eu sou aquele que devia ter morrido ainda criança, aquele que a seleção natural devia ter filtrado. Eu sou, mas não devia ser.

Se eu pudesse, escreveria um poema sobre isso. Eu daria meu reino por um poema, agora, mas não tenho reino algum, e não sou poeta. E, no entanto, no mesmo espelho que anuncia o meu destino eu vejo, com todos os meus defeitos, alguma poesia, como os pombos e pardais e o mato que vivem e crescem nos terrenos baldios.

As que se acham feias que me perdoem, mas beleza é fundamental: a beleza é fundamental, e existe em cada coisa, intrínseca às coisas, e resiste mesmo nas mais feias delas, como resiste em mim. Não, eu não sou um poeta, mas vejo que o mundo é, e que sussurra sua poesia em meus ouvidos.

Eu estou só, mas ainda posso cantar, na beira da praia, usando a beleza e a solidão como matéria-prima para meus inventos, tendo o vento pra me escutar: que isso me baste.

(imagem: escultura clássica representando uma das sereias da cultura grega, seres que, segundo a wikipedia, "possuem uma arma ainda mais terrível do que seu canto: seu silêncio")

domingo, 13 de julho de 2008

O céu da mente


Eu sei juntar palavras, umas após as outras, mas não sei se o que elas formam é algo com sentido. Outros podem fazer isso com muito mais coerência e, certamente, com muito mais competência.

Não, eu não escrevo: o que eu crio são nuvens, frágeis e confusas, sopradas pelos meus pensamentos. Nuvens, mesmo, como as reais, que fazem parte de um ciclo maior - da água, que evapora dos mares, se resfria e condensa na atmosfera, para se precipitar como chuva e voltar, por rios, aos mares. Pois é, as minhas também fazem parte de um ciclo infinito: do oceano dos meus dias sobe algo que se acumula na atmosfera até que as palavras, frias o bastante, se formem e chovam sobre mim, que as apanho só para soltá-las de novo no oceano...

Meu mundo é apenas um mar de nuvens, sem fim, encobrindo o sol e formando a linha demarcatória dos limites entre os céus e a terra.

(imagem: nuvem formada por um programa de computador a partir de minhas postagens, onde o tamanho relativo de cada palavra indica a freqüência com que eu a usei; a palavra "imagem" se destaca por haver em cada postagem uma descrição iniciada por ela, mas logo atrás vêm as palavras "ser", "mundo" e "algum", o que faz algum sentido, já que o mundo é apenas uma imagem...

terça-feira, 8 de julho de 2008

As jóias da coroa


Fui a Petrópolis. Pacote (quase) completo: catedral, Museu Imperial, Palácio de Cristal, casa de Santos Dumont... As jóias e o ouro da(s) coroa(s) deveriam ter me impressionado, mas, sinceramente, achei mais bonito o sorriso de uma moça simples, de pele achocolatada, que atendia na balança do restaurante por quilo onde almocei.

É, acho que meus olhos são muito doentes, mesmo: enquanto os nossos guias se esforçaram para mostrar as sombras da nossa riqueza, eu vi mais foi a luz da 'nossa' gente.

(imagem: a Lei Áurea, assinada com uma pena de ouro)

O óbvio ululante


Estou frustrado por a realidade não responder como eu esperava. Como pode o mundo não se curvar à minha vontade?

Sou muito, muito pequeno... E meus sonhos, belos ou não, são sonhos e, pior que isso, são meus - e de mais ninguém, pois ninguém mais os quer. São como uma moça sonhadora, na janela de uma casa, numa cidade qualquer, esperando um amor, que hoje eu acho que nunca virá.

(imagem: Moça com livro, pintura de Almeida Júnior, século XIX)

segunda-feira, 7 de julho de 2008

A volta ao mundo em oitenta dias


1. Já é o quarto hotel em oito dias, em três estados diferentes. Viajei de avião, ônibus, metrô, táxi e em meu carro. Me sinto um pouco como Passepartout, seguindo atônito um Phileas Fogg que mal tem tempo para pensar. Só que eu, ao contrário dos personagens de Julio Verne, cheguei a perder um dia: um evento que eu jurava que começaria hoje, segunda, na verdade começou ontem, domingo...

2. Em João Pessoa peguei dois dias seguidos de muita chuva. Ao primeiro sinal do sol fui andar, a esmo, sem me preocupar com atividades turísticas, apenas para me sentir vivo. Funcionou, ao menos para mim. Ouvi duas vezes (de um taxista, que a contou de um jeito, e de um colega, que a contou de outro jeito) a estória de uma participante do congresso que foi assaltada (no bairro do Bessa) e, ao resistir, ganhou uma passagem pelo hospital.

3. Ida e volta, passei por Recife. Eu já tinha feito isso antes, dez anos atrás, também por causa de uma viagem à João Pessoa. Achei a cidade feia, suja, confusa. Agora, uma ida de metrô da rodoviária (ou TIP, como eles dizem lá) até o bairro de meu hotel me deixou estupefato pela visão da pobreza, que se espraia em todas as direções. Na saída da estação, perguntei a uma moça na bilheteria como ir até o hotel, e ela, arregalando os olhos, me disse para eu ter muito cuidado e pegar um ônibus no ponto mais próximo da estação, pois táxi ali nem pensar. No ponto, ao lado de uma barraquinha que vendia sucos e refrigerantes, mas que não tinha garrafas d'água, uma senhora me recomendou para ficar bem pertinho da barraca e esconder um pouco a mala. No hotel, em Boa Viagem, o recepcionista disse que o shopping era próximo e que dava para ir a pé (na verdade, eram só três quarteirões de distância), mas me aconselhou a deixar qualquer coisa de valor no hotel (correntinhas, por exemplo) e a voltar de táxi. Conclusão: Recife não é Veneza, mas é mesmo bem brasileira.

4. E agora, depois de breve estada em São Paulo, eis-me em Juiz de Fora. A cidade é muito maior do que eu imaginava, mas a rodovia para cá (Rodovia do Aço, que passa por Volta Redonda) é muito menor; por conta disso, gastei nove horas no trajeto. Encontro rostos e sorrisos conhecidos, e espero que bons amigos: talvez eu volte para cá, para outro almoço no Berttu's.

5. Enfim, resumindo tudo, não creio que haja alguma lição a se tirar dessas minhas viagens. São apenas isso, viagens feitas por alguém que pode fazê-las, e que, embora tenham me levado a muitos lugares, não me levaram a lugar nenhum; ainda estou preso a mim mesmo, e não poderia ser de outro modo.

6. Também não há muito o que se esperar dessas notas de viagem. Elas são só isso, notas de viagem, feitas num frio quarto de hotel, por mãos ociosas, movidas por uma mente cheia de idéias vazias, e filhas de uma alma perdida.

7. Tá bom - eis uma moral: o mundo é imenso, e pode ser incomensuravelmente belo, mas não entrega sua beleza sem esforço, e sem cobrar algo em troca. E a maior beleza, em geral, por mais paradoxal que seja, só pode ser vislumbrada, e foge rápido quanto se tenta agarrá-la.

(imagem: uma ilustração francesa, do século XIX, para o livro de Julio Verne)

quarta-feira, 2 de julho de 2008

Os frutos dourados do sol


Curiosamente, li algo no Yahoo que me disse muito:
"Com o passar do tempo, a pessoa isolada tende a voltar insegura, com baixa auto-estima, dificuldades nas relações sociais, propensa a dar respostas defensivas, egocêntrica, arredia e um pouco agressiva. Se sentimos solidão podemos nos comportar passivamente e de forma auto-destrutiva, adotando condutas como estar triste ou chorar, dormir, aborrecer-nos, comer em excesso, tomar tranqüilizantes, beber álcool, tomar drogas ou passar horas frente à TV ."

Trancado num quarto de hotel, em frente à TV, enquanto lá fora o sol brilha, fazendo a árvore da vida parecer cheia de frutos, eu, na sombra, tenho fome, e é muita, mas meus braços são curtos...

(imagem: o sol, num eclipse)

Amada


Estou em frente ao mar, e o que ele me diz? Que eu não devia estar aqui.

A África está em frente, mas não é em frente que eu quero ir: eu voltaria agora, se pudesse, para a África que deixei em casa...

(imagem: Portrait d'une négresse, quadro da pintora Marie-Guillemine Benoist, que eu conheço bem, por ter uma reprodução em casa)