sexta-feira, 17 de julho de 2009

Deus, um delírio

Como fã de ficção científica, eu tenho assistido seriados de TV demais. E filmes demais. Tão demais que todos começam a me parecer iguais. Iguais demais.

O roteiro básico dessas coisas todas abusa da solução conhecida como "Deus ex-machina", cuja definição pode ser encontrada na wikipedia:
"refere-se a uma inesperada, artificial ou improvável personagem, artefato ou evento introduzido repentinamente em um trabalho de ficção ou drama para resolver uma situação ou desemaranhar uma trama."
Cansei de ver estórias em que os personagens principais são encurralados ou colocados numa sinuca de bico que se resolve, de forma miraculosa, no último segundo. Uma bomba vai explodir? Não se preocupe: os heróis irão desativá-la, mas só quando o tempo estiver praticamente esgotado. O herói foi atingido mortalmente? Não se preocupe: algo ou alguém vai salvá-lo imediatamente antes da morte dele (por exemplo, vai aparecer - praticamente do nada - um coração para substituir o que foi ferido...). A humanidade vai ser destruída? Não se preocupe: no instante final algo vai nos salvar...

Essa opção por estórias com um final feliz atingido no último instante me lembra bastante o apocalipse pregado por alguns cristãos: a Terra será entregue ao demônio, mas no fim - bem no fim - a salvação virá... Me lembra Pandora: os males são liberados, mas no final, depois de tudo, vem a esperança.

Para mim, esse pensamento mágico, de que tudo se consertará no final, por uma intervenção milagrosa, redentora, é bastante infantil, típica de quem não consegue aceitar que às vezes não há saída, de quem quer que a realidade seja melhor do que é, mas não por esforço próprio e sim por interferência de uma "força maior".

Por conta da existência desse desejo, extremamente difundido entre os homens comuns, é bastante difícil lutar contra a ignorância: é mais fácil crer que tudo se resolverá magicamente do que tentar mudar de verdade... E o pior, para mim, é que os tempos atuais mostram uma maior disseminação dessa linha de pensamento mágico-mística: o que eu vejo nos filmes e séries de TV é apenas uma mostra da - que outra palavra usar? - infantilidade predominante no pensamento contemporâneo. Tristes tempos: os instrumentos sofisticados de hoje apenas expõem mais e mais os conceitos e preconceitos medievais que temos.

Eu creio não ser o único a me sentir perdido nesse mar de irracionalismo: até mesmo um jornalista esportivo criticou recentemente o excesso de mensagens religiosas presentes nas comemorações de jogadores de futebol. É a era da religião como espetáculo e não como opção pessoal, da busca de respostas milagrosas e não da busca da verdade, uma era em que pensar Deus (e discutir sua existência ou não) é, mais do que tudo, um delírio: Deus, hoje, para a maioria é igualzinho a Papai Noel, uma certeza, um ser que existe para trazer na época certa presentes para quem se comportou direitinho...

(imagem: segundo a wikipedia em inglês esse é o nome de Deus escrito na caligrafia árabe, numa obra do artista otomano Hâfız Osman, do século XVII, já que no Islã era considerado um pecado antropomorfizar Deus; será que existe alguém que se lembre disso hoje?)

terça-feira, 7 de julho de 2009

Branca de Neve


Em meio à toda a algaravia sobre a morte de uma celebridade li hoje, eu acho (estou ficando velho - não sei mais quando fiz algo), um texto no jornal em que a mensagem geral era "somos todos Michael Jackson". Para mim, esse é um ótimo exemplo do jornalismo - e da cultura - da elite brasileira: ela elite, só vê ela mesma, e os jornalistas são dessa - e/ou escrevem para essa - elite, e generalizam a partir dela. Espelho, espelho meu...

A maioria da população brasileira, eu incluso, nunca foi a um dermatologista e não sabe o que é Demerol (acho que isso foi um dos causadores da morte do popstar), e não tem nem dinheiro nem tempo para se preocupar com a depressão ou o envelhecimento. E, de onde vejo (sou casado com uma mulher negra, de uma família de negros), a maioria do povo brasileiro que é negra ou descendente de negros parece aceitar sua condição de negro ou pardo bastante bem (excetuando-se o uso de chapinhas, talvez).

Os jornais e os jornalistas adoram celebridades e os exaltam como se fossem divindades: eu, por minha vez, prefiro ser ateu, de verdade, ao menos nesse sentido - tento não ter ídolos, nem mesmo na ciência. Embora amante da ciência, eu não sou do tipo de pessoa que vai encontrar cientistas geniais para pegar autógrafos...

Mais conteúdo é o que eu busco, e menos brilho. Eu não quero estrelas nem espelhos, quero é calor e energia para sobreviver melhor nas noites frias de inverno, mesmo que isso venha de corpos negros.

(imagem: Branca de Neve em seu caixão)