sábado, 31 de janeiro de 2009

O livro da sabedoria


Dá para se fazer muitas coisas com os dedos. Tocar piano, violão, flauta e outras coisas, por exemplo. E, é claro, dá para usá-los para digitar textos e também para contar: nossa base de contagem moderna é decimal provavelmente por termos dez dedos nas mãos.

No entanto, o sistema de tempo que usamos - horas, minutos, segundos - não é decimal, é de base doze. Sessenta (minutos) e vinte e quatro (horas) são múltiplos de doze. E de onde vem essa base?

Cada dedo da mão tem três ossinhos: falange, falanginha e falangeta, vindo do pulso para as pontas. Ou seja, em cada mão temos um total de quinze ossinhos nos dedos de cada mão. Esquecendo o polegar, são doze.

Peraí, mas vale esquecer o polegar? Vale: o polegar serve de contador. Como? Pegue a mão direita. Ponha a ponta de seu polegar na ponta de seu indicador, fazendo um círculo. Pronto, você já contou o número um. Agora, vá até a primeira dobra do dedo indicador: você chegou ao número dois. Por fim, vá com a ponta do seu dedão para a última dobra do dedo: esse é o número três. Repita o processo em cada um dos dedos da mão direita e você terá contado até doze.

Mas e a mão esquerda? Bem, chegou ao doze com a mão direita? Feche um dedo da mão esquerda, e repita o processo de contagem na mão direita. Ao fim de outra contagem de doze na mão direita, feche outro dedo da mão esquerda. Fazendo isso cinco vezes - ou seja, uma vez para cada dedo da mão esquerda - você conta até... cinco vezes doze, que é sessenta!

Eis aí a provável base do sistema de horas, minutos e segundos que usamos. E, é claro, a provável base de outras coisas: ângulos (um círculo tem 360 graus, ou 30x12 graus, o que dá quase um grau por dia do ano - coincidência?), meses, signos do zodíaco, tribos de Israel (quem desses veio primeiro?), apóstolos...

Mas é claro que a "magia" do doze tem também a ver com o teorema de Pitágoras: o triângulo retângulo de lados com números inteiros mais simples tem lados 3 e 4 e hipotenusa 5, ou seja, perímetro igual a 3+4+5=12. Logo, doze é um número "sagrado": a nova Jerusálem do Apocalipse "tinha grande e alta muralha, doze portas, e, junto às portas, doze anjos, e, sobre elas, nomes inscritos, que são os nomes das doze tribos dos filhos de Israel" (Ap 21:12).

Ainda bem que eu não tenho doze filhos! Mas acho que viveria feliz com doze mulheres (ou não)...

(imagem: ícone russo do Rei Salomão, o mais sábio dos reis judeus, que tinha muito mais mulheres que dedos ou dias do ano - ao que consta eram setecentas esposas e trezentas concubinas - e que, sábio assim, teria escrito um "Livro da sabedoria")

sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

Pesadelo

Eu sou um imbecil - já disse isso em outra postagem, mas não custa repetir. Se eu não fosse, esse blog teria muito mais sexo. Na verdade, teria sexo, ou trechos como "já tive um calo interessante, na ponta do pai-de-todos, de tanto bater siririca." Ou ainda, teria fotos de golfinhos tiradas por mim (o que, não sei o por quê, também me lembram sexo), momentos-golfinho, imagens eróticas, textos dirigidos a público feminino (falando de sexo, acho), etc. Ai, que inveja!

Mas, como todo imbecil, minha vida é absolutamente inútil e desinteressante (e não tem sexo). Minha vida é o resultado de uma seqüência de armadilhas que me prenderam uma a uma. Estou preso, e "agora já fugiria de mim se de mim pudesse." Que me resta, senão escrever, declamando a minha versão - pobre, é claro - do mal do século ("culto do egocentrismo, vazado de melancolia e pessimismo")? É isso mesmo: na verdade, como todo imbecil, sou muito apegado ao romantismo... Adoro poesia - e só tento fazer ciência (meu fator h é bem pequeno mesmo...) por ver poesia nela, o que é só mais um sintoma.

Enfim, se tivesse coragem eu escreveria contos e versos mas, pensando bem, para quê? Álvares de Azevedo ("A vida é um escárnio sem sentido. Comédia infame que ensangüenta o lodo") e Augusto dos Anjos ("Vês! Ninguém assistiu ao formidável/Enterro de tua última quimera./Somente a ingratidão - esta pantera -/Foi tua companheira inseparável!") já disseram tudo que eu poderia dizer como escritor e poeta.

Preso a mim e ao hoje, empurro os dias com a barriga, mas, imbecil, continuo sonhando: "você me prende vivo, eu escapo morto."

(imagem: Hamlet contemplando Yorick e dizendo "Que fizeram de teus sarcasmos? De tuas cabriolas e canções? De teus rasgos de bom humor que faziam sorrir toda a mesa? Nem um só gracejo agora para zombar de tua própria careta? Nada?")

quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

Tabacaria


Não posso dizer que não sou nada: na verdade, sou um imbecil, um imbecil patético, feio e pobre. E isso tem tudo a ver com eu ter em mim todos os sonhos do mundo. Consolo-me acreditando que não sou eterno...

(imagem: alegoria da eternidade, segurando o ourobouros, na Catedral de Milão)

terça-feira, 27 de janeiro de 2009

Sete anos de pastor Jacob servia...

Eu sempre que tenho tempo ando xeretando na internet em busca de textos e informações interessantes em blogs. Muitas vezes deixo um comentário aqui e acolá.

Bem, recentemente visitei um blog de astronomia que apresentava numa postagem a provável razão de termos semanas de sete dias - não, não tem nada a ver com a agenda de Deus na época da criação. Há sete corpos celestes "especiais" que são visíveis a olho nu: cinco planetas (Mercúrio, Vênus, Marte, Júpiter e Saturno), a Lua e o Sol. Assim, temos um dia para o Sol (ou, em inglês, Sunday), um dia para a Lua (em inglês, Monday), um dia para Marte, etc, etc... Em espanhol a coisa fica bem clara: nessa língua os dias da semana, fora o sábado e o domingo, são lunes (da Lua), martes, miércoles (de Mercúrio), jueves (de Júpiter), viernes (do latim veneris, ou seja, de Vênus).

Enfim, a culpa é da astronomia.

Mas não é só isso: sete era um número sagrado para os antigos. Digitando no Google "sete numerologia" pode-se encontrar um punhado dessas crenças ligadas ao sete - sete pecados capitais, sete cores do arco-íris, sete pragas do Egito, etc (sem contar os sete anos de pastor do velho testamento que viraram belo soneto de Camões, com 2x7=14 linhas). Essa fixação pelo sete vinha da sua ligação com os números da divindade (3) e do mundo material (4) - afinal, 3+4=7...

Bem, na verdade, tudo isso tem a ver com o teorema de Pitágoras: o triângulo retângulo mais simples que se pode ter usando só números naturais tem lados (os catetos) de tamanhos 3 e 4, e hipotenusa de tamanho 5... Parece mágica, e foi assim que os povos antigos entenderam essa "conjunção" dos três números num triângulo retângulo. Logo, o 3, o 4 e o 5 se tornaram sagrados, assim como suas somas 3+4=7 (lados do triângulo) e 3+4+5=12 (perímetro do triângulo).

O 12 aparece como base de nossa contagem de tempo, sendo até mais fundamental que os dias da semana: temos dias de doze horas seguidos por noite de doze horas, em anos de 12 meses. E cada hora tem cinco grupos de 12 minutos, ou seja, 3x4x5=60 minutos...

E é de 60 segundos em 60 segundos que o tempo passa - o meu para fazer essa postagem já se acabou: fica mais para outra, que o 12 tem mais a dizer.

(imagem: demonstração do teorema de Pitágoras, sem uso de álgebra, por pura geometria)

O africano


Li num fôlego só "O africano", de J.M.G. Le Clézio, autor que, segundo a capa do livro, foi ganhador do Nobel de literatura de 2008. O livro é curto e macio, ou seja, desce suave e redondo, sem problemas. Eu até indicaria como ótima sugestão para alunos de ensino médio ou de sétima e oitava série de vinte anos atrás, mas não para os de hoje, que acho que não lêem, não gostam de quem lê e se pudessem matavam quem inventou a escrita.

A primeira coisa que me veio à mente foi "O amante" de Marguerite Duras, que também é um reencontro de um francês com seu passado na colônia - no caso, a Indochina. E há, é claro, "O estrangeiro" de Albert Camus, que salvo engano, se passa num lugar francês com árabes.

Nostalgia cai bem. Como uísque envelhecido num barril de carvalho. E os europeus adoram ter lembranças e acertos com seu passado "nobre". Eu, daqui da minha periferia do mundo, diria que um romance evocando tempos passados como "Éramos seis" não faria feio diante de textos como esse "O africano" - o que falta é o exotismo chique de nomes como Ogoja, Obudu, Banso...

(imagem: mulheres africanas, da etnia igbo)

segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

Set the controls for the heart of the Sun

Se eu tivesse uma nave, hoje, ia direto para o coração do Sol...



Em tempo: eu passei o vídeo acima - com som - para os meus alunos de astronomia. Mas também indico para quem quiser um filme: "Sunshine".

A máquina do tempo


Ontem estava passando na TV aberta o segundo filme da série "O Exterminador do Futuro", e por isso me peguei pensando nos maravilhosos paradoxos possibilitados pela viagem no tempo.

Eu me lembrei especificamente de uma história - que li não sei aonde - que era mais ou menos a seguinte: um rapaz, que cresce num orfanato, desiludido do mundo, torna-se um gênio e inventa a viagem no tempo, viaja para o futuro para ter um novo começo e lá descobre que pode tornar-se uma nova pessoa, mudando inclusive de gênero; assim, o rapaz se torna uma moça, mas não consegue se adaptar aos novos tempos, decidindo voltar para o passado, onde encontra um rapaz que lhe agrada muito e com quem faz sexo, antes de perceber que aquele rapaz era ele (ou ela) mesmo mais jovem; angustiado com a sua falta de cuidado, ele (agora ela) percebe também que engravidou, e decide abandonar a criança num passado mais distante ainda, num orfanato, onde então, tempos depois cresce um rapaz...

O legal dessa história é que todos os personagens são um só, em três versões: pai, mãe e filho, num ciclo fechado. Ou seja, viajar no tempo pode ser a viagem! Não é a toa que há quem pregue a existência de uma espécie de censura cósmica contra viagens no tempo...

(imagem: "O sutra da causa e efeito no passado e no presente", século VIII)

O mundo assombrado pelo demônios


De volta das férias (que férias?) fui ler num blog que acompanho uma frase que me doeu: "observo uma chaminé indiferente a minha existência..." Ah, mas é isso mesmo: o mundo é indiferente à nossa existência, e como faz frio quando se sabe disso! Eu bem gostaria que este blog - que sou eu - fosse uma fonte de calor, mas acho que ainda não aprendi a criar o fogo: sou um homem de eras passadas...

(imagem: o fogo)

Admirável mundo novo


O parágrafo seguinte é tirado de um livro de Bertrand Russel, "Ensaios Céticos":

"Os profissionais liberais têm uma visão bem diferente. Sua renda é resultado de terem recebido uma educação melhor do que a média e, assim, desejavam proporcionar essa vantagem a seus filhos. Para atingir esse objetivo estão dispostos a fazer grandes sacrifícios. No entanto, em nossa sociedade competitiva atual o que será ambicionado por um pai comum não é uma boa educação, mas sim uma educação que seja melhor do que a de outras pessoas. Isso seria exeqüível rebaixando o nível geral e, portanto, não podemos esperar que um profissional liberal demonstre entusiasmo em relação a oportunidades de uma educação mais elevada para os filhos dos assalariados."

Rebaixamento do nível geral do ensino? Em que lugar isso acontece ou aconteceu? Será que existem ou existiram forças políticas representando os interesses descritos por Bertrand Russel?

É: a luta de classes acabou, e o capitalismo provou ser a única solução ("resistance is futile: you will be assimilated"). E uma educação de qualidade para todos é uma bandeira pregada por todos...

(imagem: um encontro entre Ebenezer Scrooge e os "personagens" ignorância e miséria, que acontece no livro "Um conto de Natal", de Charles Dickens)

quinta-feira, 1 de janeiro de 2009

O mensageiro das estrelas


Um ano, outro ano - este, me dizem, é o Ano Internacional da Astronomia, em comemoração aos 400 anos das observações de Galileu Galilei.

Galileu muito provavelmente não inventou o telescópio, mas soube fazer um. O mais importante é o uso que ele fez do aparelho: enquanto os outros apontavam telescópios para as coisas na Terra, para ter vantagens vendo antes o movimento de navios ou tropas distantes, Galileu apontou o seu aparelho para o céu. E o que ele viu? O mundo.

Crateras e montanhas na Lua, luas em Júpiter (mais tarde, manchas no Sol): o céu não era a perfeição que se pensava. E sendo céu e terra iguais, imperfeitos, não fazia sentido dizer que o céu ou a Terra eram lugares especiais: a Terra devia ser só mais um lugar...

Mas, enfim, não é só isso: me dizem que também se comemoram 150 anos da publicação de "A origem das espécies", de Charles Darwin. Galileu achou o início de uma revolução olhando para o céu, enquanto Darwin encontrou outra viajando pelo mundo, tentando entender a diversidade dos seres vivos.

É isso: somos apenas bichos nascidos num planeta muito pequeno de um universo gigantesco, seguindo leis da natureza como todos os outros bichos daqui. Se temos almas, são almas de natureza animal, que podem até lembrar uma centelha divina, mas não fomos mesmo feitos à imagem e semelhança de alguma divindade: somos apenas poeira de estrelas, irmãos do Sol e da Lua e de todas as criaturas e coisas do universo, nascendo, vivendo e morrendo dia após dia, ano após ano, até que séculos e milênios se formem.

E nada disso nos foi revelado: Galileu e Darwin não são e não foram profetas, foram gente, como eu e você, com a única diferença de que eles viram mais longe. Espero que as celebrações desse ano lembrem as pessoas disso, de que nada nos fez ver tão longe quanto a ciência, e nada nos fez ver o quão pequenos somos, e o quão grandes poderemos ser, se quisermos.



(imagem: livro de Galileu, "O mensageiro das estrelas")