sábado, 24 de outubro de 2009

O ponto de mutação



Por conta de um curso de capacitação que estou fazendo, acabei topando com um vídeo (na minha opinião, muito tosco) do YouTube em que aparece como "ilustração" o livro "O ponto de mutação", de Fritjof Capra. Só ver esse livro me causa náuseas e, assim, corri para escrever para os organizadores do curso sobre a inadequação do vídeo que eles apresentaram.

No entanto, fiquei curioso para saber se havia alguém mais que se sentia como eu em relação a esse livro e ao seu autor. Uma pesquisa no Google revelou que o livro é uma unanimidade: todos o amam. Ou seja, eu é que devo estar errado. Contudo, por conhecer bem o nível de educação dos brasileiros, eu fiquei com uma pulga atrás da orelha, e prestei atenção em quem falava bem do livro - em geral, são pessoas ligadas à área de humanidades e/ou ao esoterismo e/ou a "pensamentos alternativos"...

Em inglês, achei  facilmente um texto crítico, bem onde devia estar: no Skeptical Inquirer, num número de agosto de 2005. Para quem não sabe, o Skeptical Inquirer é uma revista bimensal americana, editada por uma associação (o CSI) dedicada a "encorajar o livre-pensamento e a investigação crítica de alegações paranormais e pseudocientíficas a partir de um ponto de vista científico responsável". Foi o CSI quem trabalhou para desmascarar, por exemplo, o israelense entortador de garfos Uri Geller.

Ei, mas o que "O ponto de mutação" tem a ver com "alegações paranormais e pseudocientíficas"? A resposta é... tudo. No artigo da Skeptical Inquirer, intitulado "How do you solve a problem like a (Fritjof) Capra?", a chamada já diz que os livros de Fritjof Capra são "ingênuos e enganadores, ignorando o sucesso das explicações mecanicistas detalhadas, especialmente na biologia". O artigo termina adjetivando Capra como um "pseudocientista".

Se essas críticas são verdadeiras, então como Capra faz tanto sucesso? Simples: as pessoas, em geral, têm uma péssima educação científica. Na verdade, a maioria das pessoas tem ou teve dificuldade em entender ciências básicas, em especial a física e, portanto, acha que elas deveriam ser esquecidas ou modificadas. Como não dá para esquecer essas ciências (se nunca tivesse havido a física, não existiriam, por exemplo, celulares e computadores: dá para esquecer isso?), as pessoas gostariam muito de mudá-las para algo mais palatável, algo mais gostoso, e aí caem facilmente no conto de vendedor-de-carros-usados de gente como o senhor Fritjof Capra, que diz que existe uma ênfase exagerada no método científico e no pensamento racional (são palavras dele, não minhas).

É, talvez fosse melhor usar mais o pensamento mágico, ser não-racional, não-cartesiano. Aliás, eu já fui xingado (isso mesmo, xingado) como sendo um reles cartesiano. O que isso quer dizer? Bem, o pensamento de Descartes, o filósofo, sobre a existência humana pode ser resumido numa única frase famosa: "penso, logo existo". Ou seja, o ato de pensar confirma minha existência. Se eu não pensar, não sei se existo. Ou mais ou menos isso. Assumo, portanto, que ser não-cartesiano é negar isso, e não ver o pensamento como algo relevante para a existência. Se assim for, eu prefiro mesmo afirmar que sou cartesiano: eu penso e existo.

Eu estou exagerando, é claro: a crítica ao cartesianismo é, principalmente (assim espero), a crítica ao reducionismo - para os filósofos da "modernidade", é muito mais importante, hoje, pensar no todo antes, ao invés de dividir um problema em partes menores. Eu não sei, talvez o problema seja mesmo meu, mas eu tenho dificuldades em imaginar como seria uma ciência não cartesiana, não reducionista. Por exemplo, meu no-break parou de funcionar, repentinamente, estes dias; de acordo com a visão reducionista, eu o desmonto e procuro parte por parte onde está o defeito, e daí acho uma explicação - ah, é o fusível, logo houve um pico de energia elétrica na rede e o fusível fez o que era esperado dele. De acordo com a visão holística, o que eu deveria fazer? Olhar para o sistema computador-no-break-rede elétrica-casa como um todo e esperar uma intuição mágica do que fazer? Trocar tudo, todo o sistema computador-no-break-rede elétrica-casa, pois não faz sentido resolver o problema por partes?

Enfim, eu gostaria que as pessoas deixassem de ser preguiçosas e se esforçassem para aprender ciência. É difícil? É, ao menos para boa parte das pessoas. Mas não há mágica. Não há soluções maravilhosas fora da ciência, exceto talvez em milagres, mas esses são beeeeeeem raros. Eu, ao ter uma dor de cabeça, prefiro tomar um analgésico, que se sabe como funciona, do que esperar por uma solução, sei lá, mágica, holística, que ninguém sabe dizer se vai resolver mesmo o meu problema. Mas talvez isso seja só comigo mesmo, e eu esteja falando e pensando sozinho.

(imagem: diagrama representando uma complexa cadeia alimentar na Noruega; eu já dei aulas de ecologia e sei que nem tudo é simples, mas não é por isso que eu vou abandonar os métodos mais simples de resolução de problemas - a simplicidade funciona, na enorme maioria das vezes)

terça-feira, 13 de outubro de 2009

Tolerância



Li num outro blog que Maitê Proença está passando por "problemas" com os portugueses, por conta de um quadro com ela num programa de TV (que eu acho muito chato).

Bem , o que eu lembro de Maitê Proença? Eu me lembro da Playboy com ela, que tinha um caderno especial com fotos em preto e branco, sendo que uma mostrava o pé da moçoila. Eu me lembro de Dona Beija. Eu me lembro do Mário Quintana babando. E eu me lembro de um filme brasileiro, "Tolerância", que no site do imdb recebe uns poucos comentários, sendo que há um que diz "Tolerancia is a movie so bad, you cannot help laughing most of the time".

Eu lembro que no filme um pequeno proprietário de terras (ou um sem-terra, já não me lembro mais) é assassinado num crime comum (um assalto) que, bem, o filme faz entender que não era crime comum coisa nenhuma, mas sim uma encomenda bem disfarçada. Ou seja, o filme mostra que é plausível disfarçar crimes encomendados como crimes comuns, se você for esperto o suficiente.

O que eu quero dizer é que às vezes um charuto é só um charuto mesmo, mas isso quer dizer também que às vezes é algo mais. Eu, que sempre tive dificuldades com mentiras, e desconfiado por natureza, prefiro estar pronto para qualquer coisa, mesmo sabendo que o charuto é, na enorme maioria das vezes, apenas um charuto. Enfim, sei lá.

(imagem: um charuto, da wikipedia em espanhol - dá para reconhecer a imagem de fundo?)

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Guia do novo ENEM



A prova do ENEM vazou. E, por conta disso, milhões de candidatos foram prejudicados. A quem interessa isso? Quem foi beneficiado?

Se tivesse sido para passar informações privilegiadas a alguns candidatos, o vazamento teria sido sigiloso, e não teria sido anunciado a jornalistas. Logo, eu entendo que o que houve foi sabotagem, pura e simplesmente. Sabotagem para enterrar o projeto do "novo ENEM", ou para demonstrar que o atual governo é incompetente, não interessa: minha leitura é que foi sabotagem.

Pouca gente tem falado que o ENEM estava sendo usado, nos últimos anos, para a seleção dos candidatos às bolsas do programa ProUni. Nesse tempo nunca houve vazamentos. Bastou ampliar o alcance para incluir cursos tradicionais, de universidades federais, antes redutos da classe média, para que houvesse problemas.   Me lembra a discussão das cotas: por trás há polticagem e preconceitos, do pior tipo.

Enfim, pobre país em que acontecem coisas desse tipo. A oposição atual daqui não joga limpo.

(imagem: página com um ensaio do SAT, teste aplicado nos estudantes estadunidenses)