sábado, 10 de março de 2007

A cidade e as estrelas

Lembrei que numa noite dessas haveria um eclipse lunar.
Corri ao terraço do meu apartamento - na verdade uma
cobertura - para ver se as nuvens me permitiriam ver
algo.

Eu já havia visto um eclipse desse tipo há alguns anos
atrás, em Cuiabá. O céu de lá permitia, em geral, uma
visão muito agradável das estrelas e da noite. Mas o
calor... No entanto, a noite do eclipse foi bastante
generosa: pude ficar do lado de fora do meu prédio por
bastante tempo vendo a lua avermelhar-se - de
vergonha? - de um vermelho distinto, nítido, bem
diferente da palidez prateada com que costumeiramente
ela nos saúda, quando cheia.

O eclipse de agora, quando comparado a esse outro, foi
decepcionante: encontrei a Lua quase escondida por
prédios e nuvens finas que a faziam parecer realmente
apagada, um quase nada perdido na escuridão. Não
consegui ficar muito mais que cinco minutos olhando
espetáculo tão triste: minha memória me sussurrava o
tempo todo que faltava cor no que eu via, e que a TV
me oferecia essas cores em arranjos mais
impressionantes.

Mais tarde, deitado na cama, me lembrei de que,
quando mais jovem, eu costumava chamar São Paulo de
"a cidade sem estrelas"... É isso e mais: São Paulo é a
cidade sem céu, sem horizontes, a minha terra, vista do
meu terraço como uma muralha de prédios a se estender
indefinidamante em todas as direções. A beleza daqui é
concreta, de concreto, não a abstração natural de outros
lugares e de outras cidades.

E de novo as recordações vieram: em Barra do Garças,
meu anfitrião me chamando para ver um esplêndido céu
noturno tal como o que deve ter visto o padre
AntônioVieira, quando escreveu, no Sermão da
Sexagésima, "Como hão de ser as palavras? Como as
estrelas. As estrelas são muito distintas e muito claras."

E foi assim que o quase não eclipse desses dias me fez
refletir que, depois de muito viajar, pareço estar
encalhado na negritude de um mundo que cala os céus e
silencia as estrelas: só vejo o burburinho dos desejos
humanos mais imediatos...

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