domingo, 11 de março de 2007

Paulicéia desvairada

Na primeira vez em que estive no Rio de Janeiro
aconteceu um erro crucial na viagem: o motorista do
ônibus, inexperiente, acabou indo parar em Niterói.
Assim, à noite, atravessamos, ida e volta, a ponte que
corta a baia da Guanabara. E eu, que nunca havia saído
do estado de São Paulo, vi, semi-embriagado, a cidade
maravilhosa toda iluminada, como uma caixa de jóias
brilhando no escuro.

Fui dormir nas salas de aula de um campus da UFRJ
que há na Praia Vermelha, e acordei com o barulho dos
hóspedes do Pinel. acho que um deles fazia o som de
um galo, mas isso pode ser apenas minha memória
imaginando o óbvio: fazem tantos anos...

Maracanã, Pão de Açúcar, Ipanema: andei num final de
semana por todos os pontos turísticos principais. Mas
foi no Cristo que me maravilhei, tanto com a vista quanto
com a multidão de línguas e gentes diferentes - o mundo
se abria diante de meus olhos. E os aviões pousando à
beira-mar pareciam mágica. Na Cinelândia, à noite,
encontrei atores da Rede Globo saindo de um comício.

Anos depois, voltei ao mesmo cenário, com minha
esposa, quando ainda éramos namorados. Jantamos
num quiosque bem simples, às margens da Lagoa
Rodrigo de Freitas. As luzes da cidade, refletidas na
água, me hipnotizavam tanto ou mais que os olhos de
quem me acompanhava. No trânsito, um motorista de
táxi quase levou meu espelho retrovisor como souvenir.

Na minha última visita ao Rio, me apresentaram a pior pizza - e talvez o pior serviço - que já encontrei, numa pizzaria da Zona Sul em que fui com um colega carioca
e que estava abarrotada de gente. Durante o dia, em compensação, fiquei encantado com o Paço Imperial.

São Paulo - e, talvez, o Brasil, até mesmo a Terra - não
são minhas opções. Estou aqui mais por vínculos
históricos do que afetivos. Mas creio que se pudesse
escolher livremente me mudaria daqui - para onde, não
sei. Talvez para Marte, onde poderia construir castelos
- ou relógios - de areia avermelhada, talvez para a Europa, onde
poderia visitar mil museus, ou talvez para uma cidade
litorânea, onde eu pudesse ver as ondas e buscar nelas a
compreensão do universo.

Em São Paulo, as pessoas são práticas, quase
mecânicas, distantes como as muitas partes da cidade,
com a visão de quem enriqueceu e acha que só por isso
tem valor. A Cidade Universitária é para mim, um bom
resumo de São Paulo: um enorme parque público,
fechado ao público, onde se pode ser solitário - eu fui -
em meio a multidões.

No Rio, por outro lado, as pessoas que conheci me
pareceram mais livres, mais independentes, mais
pessoas, no que há de bom e ruim nisso. A cidade me
pareceu mais cosmopolita, mais urbana e mais suja que
São Paulo - e mais, muito mais, brasileira, no que há de
bom e ruim nisso. Muito mais naturalmente bela.

Mas e as favelas, e o crime, e a pobreza? Nós, paulistas
e cariocas, temos tudo isso em abundância. Uns perto
da porta de casa, na senzala, outros em guetos da
periferia, em pretensos quilombos, e isso faz parte da
nossa sina de brasileiros. Mas enquanto o Rio teve a visão
de um Lima Barreto, São Paulo só
agora tem os Racionais e Ferrez. No mais, acho que
este ainda é o país descrito por tantos viajantes do
passado: me lembro do relato de Ina von Binzer, no
século XIX, e creio que é o mesmo.

Contrariando Mário de Andrade, quando eu morrer
quero ficar sepultado não em minha cidade: São Paulo é
só mais um dos desertos da América, um rio que entra
pela terra e que me afasta do mar... Enfim, quando eu
morrer, as tripas espalhem por aí, que o espírito, espero
que seja de Deus, se existir.

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