sábado, 22 de março de 2008
Olhai os lírios do campo
Hoje é sábado de Aleluia, véspera do domingo de Páscoa. Por conta disso, a TV, neste final de semana, apresenta mil estórias e documentários religiosos: vi ontem à noite, zapeando, um pouco de uma versão moderna da paixão de Cristo, a história de Moisés, um "documentário" sobre a arca de Noé...
Nada disso faz muito sentido para mim: já vivi por tempo demais por entre os cristãos para saber que Jesus é, efetivamente, apenas um mito, uma marca, como Coca-Cola ou como o símbolo de um clube de futebol. Querem exemplo? Pois bem!
Eu recebi ontem para almoçar, na Sexta-Feira Santa, vários convidados, todos cristãos evangélicos, incluindo duas missionárias, moças bastante simpáticas, que estão longe de suas famílias há mais de um ano. Recentemente, o contrato de locação da casa em que elas moravam terminou e elas, como não conseguiram ainda alugar outro imóvel, nos contaram, queixosas, que estão vivendo de forma improvisada, com suas roupas e móveis encaixotados em diversos lugares.
Aí, eu, que não me considero mais cristão, me lembrei de algo: "Não possuais ouro, nem prata, nem cobre em vossos cintos, nem alforjes para o caminho, nem duas túnicas, nem alparcas, nem bordão, porque digno é o operário do seu alimento." Me lembrei porque eu quis ser assim, um dia, como as aves do céu, que não semeiam nem segam. Eu realmente sonhei em ser um missionário, da paz, da verdade e da esperança - e no fim me tornei apenas outra alma perdida, preso talvez no inferno dos desejos pequenos e baratos...
Após o almoço, as moças nos deixaram uma mensagem padrão: Cristo é o salvador. Não, moças, não creio nisso. Meu salvador, se existir, serei eu: Jesus, com sua morte, na Páscoa, que era originalmente a comemoração dos judeus pelo fim da escravidão no Egito, apenas deu um exemplo, simbolizando que é possível se libertar da escravidão deste mundo de carne e desejos inúteis. Não, não é o sangue de Cristo que vai limpar meus pecados - não espero e, mesmo se for assim, não irei aceitar isso. Não há sangue, meu ou de outros, que possa me purificar: eu já vi a pureza e sei o quão longe estamos dela...
Mas eu espero ressuscitar: já vi isso acontecer, pois já me vi morrer mil vezes, e mil vezes me vi renascer. Já fui cristão e deixei de ser. Já me apaixonei, muitas vezes, todas à toa. Vi "Marcelino Pão e Vinho" quando criança, e quando fui revê-lo, há menos de dois meses, só vi um filme provavelmente fascista, franquista, puramente ideológico. Já fui bioquímico e depois virei cosmólogo; dei aulas de física, hoje falo de ecologia. É assim a vida: muda-se e morre-se, morre-se e muda-se.
Ter crenças é agradável, mas, por força da minha consciência, não posso tê-las: meu destino é buscar a bem-aventurança no presente, todos os dias, vendo, por exemplo, a formosura dos lírios do campo, e os tesouros do céu, onde nem a traça nem a ferrugem consomem, e onde os ladrões não minam nem roubam - é aí que espero enterrar meu coração...
(imagem: um lírio universo)
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