O roteiro básico dessas coisas todas abusa da solução conhecida como "Deus ex-machina", cuja definição pode ser encontrada na wikipedia:
"refere-se a uma inesperada, artificial ou improvável personagem, artefato ou evento introduzido repentinamente em um trabalho de ficção ou drama para resolver uma situação ou desemaranhar uma trama."Cansei de ver estórias em que os personagens principais são encurralados ou colocados numa sinuca de bico que se resolve, de forma miraculosa, no último segundo. Uma bomba vai explodir? Não se preocupe: os heróis irão desativá-la, mas só quando o tempo estiver praticamente esgotado. O herói foi atingido mortalmente? Não se preocupe: algo ou alguém vai salvá-lo imediatamente antes da morte dele (por exemplo, vai aparecer - praticamente do nada - um coração para substituir o que foi ferido...). A humanidade vai ser destruída? Não se preocupe: no instante final algo vai nos salvar...
Essa opção por estórias com um final feliz atingido no último instante me lembra bastante o apocalipse pregado por alguns cristãos: a Terra será entregue ao demônio, mas no fim - bem no fim - a salvação virá... Me lembra Pandora: os males são liberados, mas no final, depois de tudo, vem a esperança.
Para mim, esse pensamento mágico, de que tudo se consertará no final, por uma intervenção milagrosa, redentora, é bastante infantil, típica de quem não consegue aceitar que às vezes não há saída, de quem quer que a realidade seja melhor do que é, mas não por esforço próprio e sim por interferência de uma "força maior".
Por conta da existência desse desejo, extremamente difundido entre os homens comuns, é bastante difícil lutar contra a ignorância: é mais fácil crer que tudo se resolverá magicamente do que tentar mudar de verdade... E o pior, para mim, é que os tempos atuais mostram uma maior disseminação dessa linha de pensamento mágico-mística: o que eu vejo nos filmes e séries de TV é apenas uma mostra da - que outra palavra usar? - infantilidade predominante no pensamento contemporâneo. Tristes tempos: os instrumentos sofisticados de hoje apenas expõem mais e mais os conceitos e preconceitos medievais que temos.
Eu creio não ser o único a me sentir perdido nesse mar de irracionalismo: até mesmo um jornalista esportivo criticou recentemente o excesso de mensagens religiosas presentes nas comemorações de jogadores de futebol. É a era da religião como espetáculo e não como opção pessoal, da busca de respostas milagrosas e não da busca da verdade, uma era em que pensar Deus (e discutir sua existência ou não) é, mais do que tudo, um delírio: Deus, hoje, para a maioria é igualzinho a Papai Noel, uma certeza, um ser que existe para trazer na época certa presentes para quem se comportou direitinho...
(imagem: segundo a wikipedia em inglês esse é o nome de Deus escrito na caligrafia árabe, numa obra do artista otomano Hâfız Osman, do século XVII, já que no Islã era considerado um pecado antropomorfizar Deus; será que existe alguém que se lembre disso hoje?)
2 comentários:
Caro Dedalus,
Como é que fica um crente cuja fé nasce da "Pascal's Wager"?
Sorry pela analogia com os esquilos...
Quando nos encontrarmos gostaria de trocar impressões sobre o grupo de ensino. Fiquei muito bem impressionado com o Morphy. A menção ao Asimov foi capciosa.
Grande abraço,
KNX.
Ps: Eu só um assíduo "meio vistante/dia" do blog. Keep posting, please.
Caro KNX,
Creio que a aposta de Pascal é algo fora de moda hoje: a aposta, hoje, é em termos mais imediatos, e não por recompensas futuras no além-vida. Entretanto, não considero a aposta de Pascal "adequada": se ela vale para o Deus cristão vale também para qualquer outra crença religiosa e, por extensão, para outros deuses - assim em qual eu devo apostar? Nenhum ou todos?
Quanto aos esquilos, eu não fiquei (muito) chateado não: você armou uma arapuca, com milho debaixo, e eu caí como um passarinho que vai bicando, bicando, bicando, e só percebe que foi pego quando o caçador puxa a cordinha...
No entanto, eu fiquei com uma dúvida sobre o seu teste de cognição: ontem, eu estava extremamente cansado e por isso mesmo com preguiça - e dificuldade - de pensar, trabalhando mentalmente quase que só no modo "automático" (não é desculpa, não: ao chegar em casa, eu apaguei, sem jantar, e dormi por mais de doze horas). Ou seja, o mesmo teste, se aplicado em condições diferentes (com os sujeitos mais cansados ou menos cansados) deve dar resultados diferentes: isso é levado em conta? Há uma diferença nos resultados do teste de uma turma de alunos da noite em relação a uma turma da manhã?
Quanto à frequência de postagens, eu estou mesmo cansado, e está ficando difícil fazer um bocado de coisas - por isso mesmo pedi para não ter atribuições didáticas no próximo período...
Um abraço!
PS: obrigado por ser um leitor (mesmo que não tão assíduo) e, especialmente, comentador do blog.
Postar um comentário