terça-feira, 22 de junho de 2010

A tempestade


No final de semana descobri uma locadora de vídeos com um acervo que vai muito além do trivial. Arrisquei uma versão cinematográfica de uma peça de Shakespeare, "Prospero's books", dirigida por Peter Greenaway (em português, o título é "A última tempestade"). O ponto mais conhecido da peça é a fala
"We are such stuff
As dreams are made on, and our little life
Is rounded with a sleep."

[Nós somos feitos
da mesma substância que os sonhos, e nossa pequena vida
é cercada por um sono.]
Já o filme é um delírio visual. Com um monte de gente nua ou semi-nua e imagens barrocas, cheias de panos e rendas, me lembrou circo, peças do José Celso Martinez Corrêa, Fellini, e sei-lá-mais-o-quê. Assisti no cinema, recentemente, um filme dinamarquês, "Italiano para principiantes", de uma cineasta ligada ao movimento Dogma e, assim, acho adequado dizer que este Shakespeare que eu vi é um filme totalmente anti-Dogma...

Minha vida, ultimamente, tem sido quase isso: a escolha entre extremos. Ou um confortável filme de temática pequeno-burguesa, adequado para as multidões, ou uma sofisticada - talvez até mesmo barroca e extravagante - peça de teatro de "vanguarda", que agrada a poucos. Não que eu goste de ou saiba estar na vanguarda mesmo (e eu não quero ser burguês ou elitista), mas cansei dos clichês típicos de Hollywood e das situações esquematizáveis da literatura e da dramaturgia convencionais (que seriam 36, segundo uma classificação que se encontra por aí): minha praia é outra.

Só não sei se dá para fugir disso, da convencionalidade e do mediano, o tempo todo, e se fugir disso significa mesmo ter que ir para o outro lado, o dos que "ousam" demais  - como eu não sou José Celso Martinez, eu preferia achar um meio-termo (que espero ter encontrado), mas não sei se o mundo permite esse tipo de acordo...

(imagem: Miranda, único personagem feminino da peça de Shakespeare, em pintura do início do século XX, sobre quem o personagem Ferdinando fala, na primeira cena do terceiro ato, "Admirável Miranda! Sim, remate de toda perfeição, digna de quanto no mundo há de mais raro. A numerosas damas já dirigi olhares ternos, por vezes tendo-me ficado presos os atentos ouvidos na harmonia de seu doce falar. Dotes variados me fizeram gostar de outras mulheres, sem, contudo, empenhar nisso a alma toda, porque sempre se opunha algum defeito às suas qualidades mais sublimes, para o valor manchar-lhes. Vós, no entanto, ah! tão perfeita e incomparável, fostes feita de tudo o que de mais custoso pode haver na criação.")

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