domingo, 12 de abril de 2009

1001 filmes para ver antes de morrer (2)


E outros dias, outra enxurrada de filmes - espero não esquecer ninguém. Vamos lá: "O crime do padre Amaro", "Little children", "Irmão Sol, irmã Lua" e "Cloverfield - Monstro".

"Cloverfield" é um filme legal, legal mesmo. É um híbrido de "A bruxa de Blair" com "Godzilla" com as imagens dos atentados terroristas em Nova York - e me fez lembrar muito de "As Meninas Superpoderosas": fiquei o tempo todo esperando elas aparecerem. A história é plausível, verossímil quase até o fim, mas aí, no final, é que a porca torce o rabo - eu assisti o filme ao lado de minha filha de sete anos e ela percebeu, no mesmo momento em que eu, o furo dos roteiristas (não vou falar onde é para não estragar a surpresa de quem ainda não assistiu).

Mas peraí: eu disse que um filme de monstro é plausível e verossímil? Veja bem, hoje todo mundo anda com câmeras para todo lado - fui num show, do Radiohead, e tinha um monte de gente querendo filmar ao invés de apenas aproveitar o show. Nunca vi tantos gadgets sofisticados como nesse show. E tem até um rapaz que juntou boa parte dessas imagens num site (a imprensa amou). Ou seja, hoje, mais importante do que participar das coisas é poder mostrar - para os outros, para si mesmo - que você esteve lá (mas para que servem souvenires mesmo?). E "Cloverfield" parte dessa idéia: no apocalipse, haverá um sujeito, não-profissional, filmando tudo. E, só para terminar os comentários sobre esse filme, o monstro, tal como em "Godzilla" e "A mutação" (quem lembra desse filme com Mira Sorvino?) é uma maravilhosa materialização visual de alguns dos medos e preconceitos norte-americanos...

"Irmão Sol, irmã Lua" eu já tinha visto uma dezena de vezes. Eu já quis ser Francisco de Assis. E eu sempre fico com os olhos cheios de lágrimas. A história pode ser batida, a filmagem tradicional e cheia de clichês - e , provavelmente, pouco fiel à verdade histórica - mas é a escolha de Francisco que me emociona, principalmente por eu não ser capaz de fazê-la (que Deus me perdoe por isso!). Não, não se pode amar a Deus e ao dinheiro ao mesmo tempo - assim, a maioria prefere amar o dinheiro, fingindo que tem outros amores.

"O crime do padre Amaro" me pegou de surpresa: o filme é ótimo. E fidelíssimo ao espírito anticlerical do romance de Eça de Queiróz. Para a Igreja Católica, não se pode amar a Deus e à carne ao mesmo tempo, mas por mais doutrinada que seja uma pessoa ela continuará sendo uma pessoa, humana e animal, de carne antes de tudo. Logo, a hipocrisia dentro do catolicismo é regra. Mas não é só no catolicismo: não conheci ainda um cristão ou religioso verdadeiro - e fui batizado em igreja evangélica, minha mãe foi professora de catecismo, tenho parentes umbandistas e espíritas com quem convivi por muito tempo. A verdade é que é difícil ser religioso "de verdade": em geral, as pessoas adaptam as crenças às suas vidas. Bem, o filme é maravilhoso por adequar uma história do século XIX ao mundo de hoje, mostrando que o mundo de hoje é o mesmo do século XIX. Duvido que passe na TV aberta brasileira.

Por fim, "Little Children", com Kate Winslet (a moça do Titanic). Madame Bovary está lá - e é citado no filme - mas há mais, há o lado masculino de um relacionamento extraconjugal, relacionamento esse que é construído e contado de forma delicada. Mas há mais: "Felicidade", de Todd Solondz, também está lá. E me lembrou muito uma peça de teatro: poucos personagens, num espaço fechado, com diálogos - pouco a ver com o cinemão americano tradicionalmente exibido por essas paragens. Pouco a ver com "Cloverfied", por exemplo. É um filme para platéias adultas, que eu não assistiria com minha filha de sete anos (é , não assisti mesmo). E Deus sabe como eu sinto falta de adultos nesse mundo!

Ah, Ah! Eu já ia me esquecendo que assisti também "2 filhos de Francisco". Eu não saberia indicar - antes do filme - uma única música da dupla Zezé de Camargo e Luciano (agora sei de uma - "É o amor", que me lembro de uma propaganda de uma marca de tempero). Mas achei que o filme cumpre bem um papel que o cinema nacional deve ter: mostrar o Brasil. Não o Brasil da classe média ou pelos olhos da classe média, mas o Brasil de famílias pobres, que ouvem música brega/sertaneja, sem maiores sensacionalismos, sem exaltação ou espetacularização da pobreza ou de estereótipos, como a violência entre os pobres, ou o sertão cinematográfico: não esqueço um clipe de Marisa Monte, em que se recriou - a custos astronômicos - o sertão no estúdio, já que o sertão real não devia servir (a produtora, Conspiração Filmes, acho que é a mesma do filme "2 filhos de Francisco").

A descrição da família da dupla de Camargos que aparece no filme é, para mim, uma descrição bastante realista (plausível e verossímil) da família de zilhares de brasileiros que existem por aí; da minha família, por exemplo: meu pai, pobre migrante nordestino, não me comprou um acordeão ou uma viola, mas comprou livros, para mim e meus irmãos - e eu virei professor universitário, meu irmão virou químico e minha irmã técnica de laboratório. E eu ouvi muita música sertaneja (tipo "nesses versos tão singelos minha bela meu amor" na voz de Tonico e Tinoco, que admiro muito mais que pasteurizações posteriores) e, por conta da origem de meus pais, muito Luiz Gonzaga.

Acho que é para isso que serve bem o cinema: espelho para reflexões sobre a realidade. Ou diversão pura e simples. Ou sei lá. Não sei se cinema é ou deve ser arte. Não sei o que é arte ou qual a finalidade dela. Mas também posso dizer o mesmo da vida - não sei o que é ou qual a finalidade dela - o que não me impede de escrever sobre ela enquanto posso, para que eu e outros tenhamos uma imagem de mim e do mundo em que eu vivi. Com sorte, alguém filma minha história.

(imagem: possível primeira fotografia em cores, obtida pelo físico James Clerk Maxwell em 1861; Maxwell era "o cara" e, como tal , só podia ser físico - brincadeiras à parte, duvido que alguém da época dele imaginasse que isso iria dar no cinema; aliás, discussão similar aparece num livro de Carl Sagan, "O mundo assombrado pelos demônios")

5 comentários:

Alessandra disse...

Parabéns pelo texto aprazível!

Rafa Spengler disse...

Espanta-me teu conhecimento. Imprimirei e sairei à procura das indicações. Espero achá-las. =)

___

Quanto ao show do Radiohead, nunca teve tanto sentido a expressão "dividir o mesmo espaço", especialmente ao lembrar da saída do evento, em que as pessoas aglomeraram-se como se não houvesse amanhã. =D

Mas jamais imaginaria, também, que estivesse por lá. Suponho que tenha gostado, como eu.

Um abraço, meu caro!

Ruth Mendes disse...

Dedalus,
quando você pergunta: cinema é fonte de reflexão ou diversão. eu respondo escolhendo a segunda alternativa.Com o fracasso do cinema europeu só nos resta a diversão(e o romance)proporcionados pelo cinema americano.O diálogo mais inteligente e bem humorado presente em um filme, que assiti recentemente, era algo assim:o vilão pergunta para o heroi: você pelo menos sabe como me matar?
Ele responde: vou cortar sua cabeça e ver o que acontece. Genial. Fantasia pura, já que nenhum dois eram totalmente humanos.
Um abraço.
Ruth

Unknown disse...

Se não me engano o Cloverfield é do mesm o criador de Lost.Não gostei...

Dedalus disse...

Caro Ricardo,

Não só você não gostou de Cloverfield: muitos críticos profissionais parece que também não, ou seja, você não está em má companhia. Mas fazer o quê? Eu gostei, ao menos em parte, e tentei explicar do que gostei nele. Talvez fosse bom você tentar entender do que você não gostou.

Um abraço!