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Imagine que alguém lhe diz que existe algo chamado de "lei da natureza", que faz com que as coisas, misteriosamente, tenham a tendência a ir para o chão. Você nega, usando contra-exemplos: e as nuvens? E a fumaça? A pessoa lhe desafia: ponha qualquer coisa na sua mão e depois solte - a coisa irá cair; e você não pode por uma nuvem na mão.
Então você e a pessoa, fazendo experimentos, podem chegar a um acordo: há dois tipos de coisas, as que caem ao chão, mais densas, e as que flutuam, mais leves. Se vocês quiserem estudar isso, é melhor se concentrar numa delas e esquecer, ao menos por um tempo, a outra. Pedras estão sempre à mão, e nuvens estão um pouco alto, então é mais fácil estudar a queda das pedras.
O estudo da queda dos corpos é fácil de ser feito: basta deixá-los cair e observar o que acontece. É simples deixar as coisas cairem de alturas diferentes e ver se há diferenças em cada queda. Com um pouco de prática vai dar para perceber que quanto mais alto o ponto inicial mais tempo demora a queda, mas não de forma linear. Com engenhosidade dá para se perceber um padrão: a razão entre a altura e o quadrado do tempo de queda parece ser uma constante...
Assim funciona a ciência: observação da natureza, criação de hipóteses, experimentação e, se tudo der certo, formulação de regras gerais. No processo, em geral é necessário simplificar, esquecendo complicações que podem ser abordadas mais tarde. E as nuvens? As nuvens você estuda depois.
Assim a ciência foi feita - e hoje as pessoas têm (ou podem ter se tiverem dinheiro) celulares, internet, TV, antibióticos, anticoncepcionais, e mais um mundo de coisas que veio como subproduto da atividade científica. Infelizmente, pouca gente está consciente de como isso aconteceu e acontece, e poucos sabem distinguir o que é ciência do que não é.
Ciência não é mágica e é distinta da especulação pura e simples: a ciência requer trabalho e coerência lógica (o que a especulação também pode exigir) e requer resultados práticos e comprovações (algo que a especulação pode passar sem). E a ciência é frágil, assumidamente: uma nova explicação pode surgir todo dia, bastando ser melhor do que a usada até então. Melhor em que sentido? Mais simples, mais prática, mais lógica, mais moderna, mais generalizante, melhor em um monte de sentidos possíveis. Não é só por ser nova que uma explicação deve ser aceita: ela deve prever resultados novos em novos experimentos, ou ajudar a reinterpretar os resultados antigos, ou fazer ambas as coisas.
A ciência é uma atividade humana, feita para melhorar - espiritual e materialmente - a vida humana, individual ou coletivamente, e é o melhor que o homem tem para isso. Nada fez tanto pela humanidade, e é difícil vislumbrar algo que venha a fazer tanto quanto ela. Não há mágica: só há o resultado do esforço acumulado de gerações, que pode e deve ser passado adiante. Pena que poucos se dêem conta disso: a maioria das pessoas gosta do que lhes agrada de forma fácil, e prefere ler contos de fadas do que buscar aprender realmente - fogem da matemática da mecânica quântica (pouquíssimos, e quase nenhuma mulher, estudam física a fundo, para saber do que se trata), mas pagam para ficarem encantadas com alguém que lhes diz que a alma é explicada pela mecânica quântica (não é).
(imagem: Galileu, em lembrança de quem se marcou o ano de 2009 como o Ano Internacional da Astronomia, e que estudou a queda dos corpos)