terça-feira, 29 de setembro de 2009
Depois do baile
Não pude deixar de perceber que eu poderia ter conversado com algumas pessoas que acompanham este blog (estou realmente surpreso que elas existam) e com autores de outros blogs que eu acompanho, em Arraial do Cabo, no último fim de semana. Mas praticamente não o fiz: entrei quase mudo e saí quase calado. Aos meus leitores acho que devo um pedido de desculpas, e essa postagem é meio que para isso.
Acho que a minha primeira paixão "aconteceu" quando eu tinha uns treze anos. Ela era uma mocinha oriental (acho que se chamava Kelly Cristina, ou algo assim) e, um belo dia, depois de perceber o quanto eu estava abobalhado, ela me convidou para uma festa na casa dela, para um daqueles bailinhos de adolescentes com músicas românticas. Eu me senti totalmente perdido: a menina era muito bonita, e sua casa era no centro da cidade, enquanto eu era muito feio e morava na periferia. Hoje vejo que eu estava no meio de um daqueles filmes de "besteirol americano", fazendo, é claro, o papel clássico de nerd.
Trinta anos depois disso, aconteceu o EWCLiPo (ótimas descrições do evento podem ser achadas em outros blogs), no último final de semana. E, ao ver as palestras e pessoas lá, saltei uns trinta anos para trás. As pessoas lá eram todas - todas - muito mais bonitas, mais bem vestidas, mais saudáveis e mais inteligentes do que eu. Ao ver uma palestra - muito, muito interessante - sobre gastronomia molecular, me senti um neandertal: gastronomia, para mim, é um luxo, algo que eu nunca entendi. Ao ver, na confraternização do primeiro dia, a distribuição de um risoto de (ou seria com?) frutos do mar, me senti um mendigo: eu nunca como nada assim tão sofisticado. Durante a confraternização algumas pessoas falavam de cervejas européias, estadas na Alemanha, pós-docs sei lá aonde.
Com o passar dos dias, meu sentimento de inferioridade só foi crescendo. A junção de arte e ciência era algo que eu só sonhava que existisse, como projeto, em minha cabeça, algo que eu nunca vira no mundo real, e estava lá, na minha frente, apresentada por duas pessoas, com o anúncio até de uma oficina literária. O ápice se deu com a apresentação de uma neurocientista, uma moça com uma fala e aparência tão diferente das moças e pessoas que eu vejo e vi nos meus dias, que já até apresentou uma matéria no Fantástico, que eu me senti um alienígena, morando num acampamento improvisado, vivendo num refúgio de periferia criado para criaturas estranhas como eu.
E mesmo as pessoas "estranhas", de aparência não televisiva, falaram de coisas tão inteligentes, que eu me senti uma ameba.
Não estou exagerando: estudei na USP e na UNESP, em diferentes cidades, campi, cursos e níveis, trabalhei em duas universidades federais, em dois estados diferentes, e nunca, nunca estive num meio tão socialmente sofisticado. Meu mundo foi, e é, o de gente comum, que come arroz, feijão e miojo todos os dias. Eu como miojo quase todas as noites. A peça de roupa mais cara que eu comprei na minha vida toda é a bota que eu uso hoje, que comprei apenas para poder acompanhar melhor os alunos em caminhadas no mato, e que custou uns cem reais.
Onde eu vivi esse tempo todo? Não sei. Acho que vivo de restos e migalhas de um mundo que eu não consigo enxergar, de uma mesa que é alta demais para que eu possa ver o que há nela. E eu, pelos critérios do Brasil, sou um privilegiado: eu estudei e tenho um emprego. Eu sou parte da elite - e não sou nada.
Tudo isso é muito estranho. A neurocientista, charmosamente carioca e impressionantemente "estilosa" (sentado atrás dela, não pude deixar de reparar que ela retocou o batom antes de levantar para falar), comentando, em sua apresentação, aulas de dança de salão que ela teve, me lembrou uma colega, oriental e bióloga, filha de cientistas, que dança graciosamente ao andar, e tudo isso me lembrou Kelly e as dúzias de paixões (não correspondidas) que eu tive: acho que as perdi, em parte, por eu nunca ter sabido dançar. Eu nunca dancei, eu nem mesmo consigo perceber o ritmo, a não ser quando já é tarde demais, e, por isso mesmo, acho que já dancei...
(imagem: mais uma imagem tirada da wikipedia - ""Il Ballo" (ou "A dança", com a legenda, em italiano, dizendo mais ou menos "Uma dança festiva desperta o amor e alimenta a esperança com viva alegria."), de Giuochi, Trattenimenti e Feste Annue Che si Costumano in Toscana e Specialmente in Firenze"; já o título dessa postagem é tirado de um conto de Tolstoi)
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18 comentários:
Hwa, hwa, hwa, a ameba lá era eu.
[]s,
Roberto Takata
É concurso de tímidos? Eu tb sempre acho que poderia ter interagido mais, falado mais etc e tal. Ainda bem que não ouvi essa parte do exibicionismo que vc viu. Acredite, no meu meio, o povo é ainda mais metido. Como eu vim do mato, acho que nunca perdi e nem vou perder esse meu feeling de urtigão, que, às vezes, é bom, mas às vezes, não! Mas não se preocupe com aceitação, antes tente. Vc tem histórias ótimas, e como vc viu, havia gente querendo trocar umas palavras ao vivo.
Lembrei de um ex-namorado que tive na universidade. Éramos da mesma cidade, mas só fomos nos conhecer na capital. Ambos morávamos em casas de estudantes da universidade, cada um na sua. Os cursos tb eram de áreas diferentes. Ficamos amigos e logo depois apaixonados. Ambos tímidos. Mas resolvi tomar a iniciativa e ele me disse que nunca tinha namoradas pq tb não tinha dinheiro para comprar um cachorro-quente ou para convidá-la para ir ao cinema. E isso não era importante. Pra que se preocupar com isso? Namoramos por dois meses. Mas aí eu passei no mestrado em outra cidade... E foi assim.
Eu me identifico com os observadores.
E cada um dos tímidos aqui escreve melhor do que o outro, conta histórias mais bonitas e sensíveis, divide momentos e sentimentos insuspeitados.
Não posso deixar de pensar: ainda bem que não interagimos tanto. Assim podemos desfrutar desses momentos lindos, como diria "o Rei".
Caro Roberto,
Ameba? Com o seu histórico de comentários mais-do-que-inteligentes? Deixa disso!
Cara Alesscar,
Eu não sei se vi exibicionismo. Enfim, não foi o que eu quis dizer. Acho que é natural as pessoas falarem como vivem. O que eu vi, certamente, foi o meu deslocamento. Pondo de outro modo, com outro exemplo bem diferente: de uma forma geral os blogueiros em Arraial ou eram da área de biologia, ou eram jornalistas, ou vinham do Rio, ou faziam parte do ScienceBlogs, ou estavam numa pousada perto do evento, e tirando essas categorias havia eu (mais alguém que esqueci?). Natural, portanto, que eu tenha ficado um pouco intimidado. Além disso, eu estava com mulher e filhos, e ia almoçar e jantar com eles, numa outra praia (a da minha pousada). Não me faltou vontade de tomar iniciativas: o que aconteceu foi que eu achei mais simples "ficar na minha". Obrigado por dizer que eu tenho "histórias ótimas" - mas devo dizer que se eu tenho, todos têm. A sua, sobre seu ex-namorado, é uma dessas.
Cara Lacy,
Eu prefiro desfrutar momentos lindos ao vivo e em cores, mas também posso tentar aproveitar o que não aconteceu para obter alguma beleza... Essa é a graça da arte: na arte, e com a arte, o imaginado e sentido, o subjetivo, pode ser mais poderoso que o real e o objetivo.
Um abraço a todos!
Sandro, eu ainda estou (e acho que continuarei por algum tempo) refletindo sobre o seu texto. Uma coisa eu não tenho dúvida, e concordo com a Lacy, você escreve uma história muito bem. Um abraço, Mauro
Sandro,
Meu pai dizia "podemos ser piores, mas não somos iguais a ninguém". Essas palavras foram decisivas na minha vida, porque aprendi a, como disse Caetano, "sempre pedir licença, mas nunca deixar de entrar".
Um dia, uma oficina de escrita criativa na Pós da Fiocruz a convite do Milton, um dos cientistas mais sensíveis e legais que já tiva o prazer de conhecer. Nessa oficina, lemos um texto do sociólogo Norbert Elias que trata da tendência à desigualdade entre grupos e indivíduos. É interessante observar como, frequentemente, valorizamos nossas qualidades ou defeitos em função de outros. Pra quê isso? Não entendo. Somos o que somos, Nerds ou pessoas que se sentem bem passando batom ou falando pelos cotovelos, cada um tem seu charme.
Fui a um casamento, uma vez, com a roupa mais bonita e cara que já vesti na vida, todos os meus amigos estavam lá, todos os homens de terno, as mulheres chiquérrimas e meu namorado físico chegou atrasado, de camisa de manga três quartos e calça social clara ou talvez estivesse de jeans, não me lembro, eu estava bêbada de felicidade, e dançamos a noite inteira e aquela noite, para mim, confirmou a tese do meu pai.
A única pena é que realmente podíamos ter conversado mais com você.
Beijos.
Sonia
Caro Dedalus,
Eu não estive no encontro mas percebo, pelo que li, que a coisa estava tres chic. O que eu gostaria de comentar é a sua associação do miojo com uma vida simples. Na verdade, eu evito miojo por achar que é pouco nutritivo e contém muito muito muito sódio. Mas isso não me impede de ter no jantar outros pratos bem singelos. Por exemplo:
1) Sopa de fubá com couve. Nutritiva, gostosa e barata. A nossa velha e boa comida mineira.
2) Escabeche de sardinha (frescas) com pão. Vai sardinha, alho, cebola, tomate, salsinha e cebolinha, e pão: tudo baratinho e, de quebra, ótima fonte de ômega3.
3) Lazanha de beringela (receita vinda da velha e boa culinária árabe). Uma beringela, molho de tomate, presunto e queijo.
Agora, se vc quiser ganhar a patroa, num jantarzinho romântico, a dica é essa:
4) Fondue: massa de fondue pronta (dá para encontar por até R$ 12,00), dois dentes de alho, pão italiano (ou pão duro/amanhecido), e um cálice de pinga (no lugar do vinho branco seco). Tudo não sai por mais de R$ 16,00 para duas pessoas.
Vai por mim que essa última receita é tiro e queda. Além de deliciosa e nutritiva, costuma garantir divertimento posterior entre quatro paredes.
Saudações gastronômicas,
KNX.
Sandro,
"de uma forma geral os blogueiros em Arraial ou eram da área de biologia, ou eram jornalistas, ou vinham do Rio, ou faziam parte do ScienceBlogs, ou estavam numa pousada perto do evento, e tirando essas categorias havia eu (mais alguém que esqueci?)"
Eu não sou da área de biologia, nao sou jornalista, nao sou do Rio, nao faço parte do ScienceBlogs e só estava numa pousada perto do evento porque era barata e tinha WIFI.
E mesmo a gente se conhecendo desde o I EWCLiPo, eu precisei correr atrás de voce pra vc falar comigo!
Em todo caso, a moça bonita e estilosa é a Suzana Herculano, que me deu otimas dicas sobre como melhorar o meu livro. Se você quiser conhecer o lado mais "humano" dela, clique aqui nesse podcast (onde eu converso com ela sobre nossos filhos):
http://genereporter.blogspot.com/2009/10/semciencia-entrevista-postagem.html
Nesse link tem as falas de Lacy Barca, Alesscar e Maria Guimarães. Vale a pena ouvir...
Eu só não entendo seguinte. Descontado a pensão das crianças e dois emprestimos consignados, eu vivo com R$ 830 + a bolsa de produtividade.
Experimente miojo com uma pitada de curry e cogumelos... E conte suas experiencias no twitter, na twitagem coletiva #portosemrede, onde cientistas e professores amarguram seu voto de São Francisco.
Dado que eu, aos 25 anos, era duas vezes mais timido que o Takata, e hoje eu falo pelos cotovelos, creio que há esperança para nosotros timidos.
fiquei com pena de cruzar com você sem ter podido conhecê-lo em pessoa...
Esqueci de completar:
Eu só não entendo seguinte. Descontado a pensão das crianças e dois emprestimos consignados, eu vivo com R$ 830 + a bolsa de produtividade = R$ 970.
E você que anda pobre?????
Caro Mauro,
Meu texto foi uma reflexão pessoal sobre a sofisticação do encontro: os blogueiros presentes no EWCLiPo não são como os participantes de outros congressos a que vou (com freqüência).
Obriagdo pela visita, e um abraço!
Cara Sônia,
Eu, tal como todo mundo, falo do que vejo (às vezes não com os olhos)... Não era para aparecer a palavra "pena" nem no que eu escrevi nem no que os outros iriam sentir depois de ler o que eu escrevi, mas quando se publica o que escreve, o texto deixa de ser seu. Enfim, o que eu queria dizer é que no EWCLiPo eu encontrei o que não esperava, e por isso mesmo não soube me adaptar a tempo. Só isso.
Obrigado pelo comentário delicado e agradável.
Um abraço!
Caro KNX,
Gastronomia, não é o meu forte, mesmo. Eu, quando muito, entendo de astronomia, que é um pouco diferente. Assim, obrigado (mesmo!) pelas dicas culinárias. Com tempo, irei experimentá-las.
Um abraço!
Caro Osame,
Viu? Você se encaixou numa categoria: "estava numa pousada perto do evento". Eu não falei da minha pobreza ou da minha riqueza, me comparando aos outros, Osame. O assunto é a sofisticação que eu não esperava encontrar e que vi (em excesso?) no EWCLiPo: acho que se eu lembrar de todas as pessoas que conheci em minha vida e medir e somar o grau de sofisticação delas todas, não dá nem um bocadinho do grau de sofisticação das pessoas lá em Arraial. Aliás, a escolha do local já fala um pouco disso, não? Quanto à "moça bonita e estilosa", certamente ela tem um lado humano, como todo mundo tem, só que ela me fez lembrar o tipo de moça que eu sei que existe, mas que nunca VI por perto, a não ser na TV. A sociedade brasileira é bastante desigual e não-homogênea...
Um abraço!
PS: se voce consegue ir à Livraria Cultura com menos de mil reais por mês para gastar, meus parabéns!
Cara maria,
O mundo é grande, mas como diz um amigo meu, "a área útil" é pequena. Se eu continuar pensando em divulgar ciência, é bastante provável que tenhamos várias outras oportunidades de conversar.
Um abraço!
Bom, OK, a minha pousada eu vou pagar no cartão de credito a suavez prestações mensais, entao não sei o que a categoria significa.
Mas acho que entendi voce. Eu tinha uma relação complicada com o Beautiful People da USP quando fazia doutorado.
Mas acho que a nossa sorte é que tem dois tipos de snobes: os snobes ignorantes de muito da classe alta e media alta brasileira (mas não toda) e os snobes não-ignorantes, de todas as classes.
Os snobes não-ignorantes são bem mais fáceis de conviver, e voce acaba percebendo que eles não são tão snobes assim...
(Putz, acho que chamei algumas pessoas de snobes, me desculpem!) ahahahahaah
Putz, descobri na minha ultima viagem a Arraial do Cabo, no feriado, que Dedalus ficou no mais caro e melhor hotel de Arraial, o mesmo onde ficou Suzana Herculano...
A gerente do Hotel lembrava bem dele.
Logo, agora que não entendi este post...
Caro Osame,
Agora você me deixou com a pulga atrás da orelha: a gerente lembrava bem de mim por...?
Eu não sabia que o hotel em que fiquei era o mais caro de Arraial. Quando eu liguei para a agência de viagens indicada pelo Mauro, os locais mais baratos já estavam todos cheios, sem lugar para mim e minha família. Só por isso fiquei onde fiquei.
Um abraço!
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