segunda-feira, 10 de setembro de 2007

Os trabalhadores do mar

O mar: ouvi ontem o apresentador de um documentário do "The History Channel" dizer que mais de 90% do leito dos oceanos não foi ainda mapeado. Não sei de onde ele tirou esse número, mas parece razoável. Sendo verdade tal estimativa, é possível que a humanidade conheça melhor a superfície de Marte do que o fundo dos oceanos da Terra.

Conhecer o fundo das coisas é difícil. Acho que é por isso mesmo que vivemos pela superfície do mundo, satisfeitos com a imagem que ela nos passa. Mas eu acho - eu creio que sei - que no fundo é que se esconde a verdade.

Que verdade? Bem, para dar um pequeno exemplo, também ontem, no "Canal Brasil" vi um trecho curto de um documentário antigo, da TV Manchete ("Documento Verdade"), que apresentava o 'renascimento' do nazismo no Brasil. O programa em si era exagerado, mas documentários sobre o nazismo, que é comumente mostrado (com razão) como a encarnação do mal, sempre levantam a questão do fascínio das pessoas pelo mal.

Daí, aprendi ontem ainda, de passagem em outro canal, o "Discovery Channel", que na década de 60 um psicólogo, Stanley Milgram, fez uma série de experimentos muito reveladores sobre o poder da autoridade nas pessoas. Nesses experimentos professores voluntários eram convidados a avaliar alguns alunos para testar se punições físicas, no caso choques elétricos dados por uma máquina, podiam influenciar na aprendizagem. É claro que os choques eram falsos, assim como os alunos e seus sofrimentos, mas os professores voluntários não sabiam disso. O resultado mais interessante não foi que os professores decidiram participar e impor castigos aos alunos, mas que, por pura obediência aos 'donos' do laboratório, eles aplicavam o que eles imaginavam ser choques potencialmente letais aos seus alunos...

Milgram concluiu que

"Pessoas comuns, apenas fazendo seu trabalho, e sem qualquer particular traço de hostilidade, podem se tornar agentes em um terrível processo destrutivo. Além disso, mesmo quando os efeitos destrutivos de seu trabalho se tornam patentemente claros, e eles são então solicitados a continuar com ações incompatíveis com padrões fundamentais de moralidade, relativamente poucas pessoas têm os recursos necessários para resistir à autoridade."

Isso me fez lembrar de dois filmes antigos, da década de 90, "Uma cidade sem passado" e "O aprendiz" (é curioso que poucos façam a ligação entre o conteúdo desse último filme e um reality show popular de mesmo nome - acho que existe muita coisa em comum).

Mas, para fechar com um pouco mais de brilho o domingo, eis o economista Luiz Gonzaga Belluzzo, na "Folha de São Paulo":



"Se você acua um gato num quarto escuro, dizem, não tem uma forma de expressão. Em Origens do Totalitarismo, quando você lê os relatos que a Hannah Arendt faz do fascismo, é claramente de um povo que se sentia acuado, economicamente, social e politicamente. O totalitarismo não permite que o indivíduo se exprima. Gera a violência. Isso é muito perigoso. Fico assustado quando vejo esse tipo de reação. A reação correta é construir um ambiente de diversidade. Não é um demônio adversário, em cima do qual você joga toda responsabilidade."

Vivemos num ambiente de diversidade? Eis um texto que li recentemente, acho que no "Estado de São Paulo", e que imagino refletir com clareza o pensamento diversificado do mundo atual:



"Hoje, nem seria preciso dizer, a história está clara para quem quiser ver. Na prova sobre capítulo 18 de a História da Riqueza do Homem deveria tirar nota dez o aluno que escrevesse: a história, tão cara para Huberman, o traiu completamente; o colapso foi do socialismo e o inevitável é o capitalismo."

Isso me lembra uma série de TV iniciada na década de 60, "Jornada nas Estrelas", onde os inimigos da Terra, os klingons, nada mais eram que uma caricatura dos comunistas soviéticos. Na versão mais nova da série, a "Nova Geração", os grandes monstros passaram a ser os borgs, alienígenas dominadores que apenas informam a quem irão 'assimilar' (isto é, destruir): "resistance is futile"... Quem representa, no mundo real de hoje, o papel dos borgs?


Enfim, eu divago. Sobre o que eu queria falar mesmo? Ah! Lembrei: o mal existe, não é um conceito abstrato, vago e distante. E mesmo estando no fundo, não é difícil trazê-lo à superfície. Basta só um pouco de vento soprando ou, pior, quem queira remexer o leito do oceano.


(imagem: O sonho da razão produz monstros, gravura do pintor espanhol Goya)

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