sábado, 24 de novembro de 2007

O estrangeiro


"O estrangeiro" é um livro do escritor francês/argelino Albert Camus que, em palavras que não são minhas, "prenuncia e simboliza todo o vazio moral da nossa era." Não sei se nossa era é de um vazio moral tão grande, mas há sim certo cinismo e bastante hipocrisia no ar, que não sei se são só de nossa era.

Por exemplo, no Brasil há desde sempre uma enorme disparidade social - os ricos têm muito, e os pobres, muito pouco:
"O Brasil é o oitavo pior em outro indicador usado para medir desigualdade, o Índice de Gini, cujo valor varia de 0 (quando não há desigualdade, ou seja, todos os indivíduos têm a mesma renda) a 100 (quando apenas um indivíduo detém toda a renda da sociedade). O índice brasileiro é 59,3 — melhor apenas que Guatemala (59,9), Suazilândia (60,9), República Centro-Africana (61,3), Serra Leoa (62,9), Botsuana (63,0), Lesoto (63,2) e Namíbia (70,7)."

No entanto, os brasileiros acham isso normal. Nos jornais e blogs de brasileiros (escritos obviamente por pessoas que não vivem na pobreza) não se fala nisso. Mas os estrangeiros, quando nos observam, notam o contraste e se espantam... Por exemplo, a AFP (Agence France-Presse) publicou esta semana uma notícia sobre a Starbucks no Brasil, cujo título é "Starbucks finds success as 'refuge' for Brazil's rich (Starbucks encontra o sucesso como 'refúgio' para os ricos do Brasil)". Não vi um comentário em blogs do Brasil, e a notícia quase passou desapercebida nos jornais brasileiros que eu assino (ponto para a Folha, que deu a notícia escondida, mas deu). Mas basta procurar no Google, e a notícia pode ser vista em jornais do mundo todo.

De qualquer modo, acho que, provavelmente, os blogueiros do Brasil estavam todos ocupados demais discutindo assuntos mais relevantes. Ou, quem sabe, seguiam os pensamentos de Meursault, personagem de Camus:

"Que m'importaient la mort des autres, l'amour d'une mère, que m'importaient son Dieu, les vies qu'on choisit, les destins qu'on élit, puisqu'un seul destin devait m'élire moi-même et avec moi des milliards de privilégiés qui, comme lui, se disaient mes frères. (Que me importava a morte dos outros, o amor de uma mãe, que me importava o seu Deus, as vidas que se escolhem, os destinos que se elegem, já que um só destino podia me escolher e, comigo, os milhares de privilegiados que, como ele, se diziam meus irmaõs?)"
(imagem: capa do disco Standing on a beach, do grupo The Cure, em que aparece a música "Killing an arab", baseada n'O estrangeiro de Camus)

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