domingo, 6 de setembro de 2009

Agosto


Hoje, domingo, peguei a Folha e achei, com bastante atraso, um texto lembrando da morte de Getúlio Vargas, escrito por um Ferreira Gullar, ex-poeta e ex-comunista, intitulado "Mataram o Velhinho". Eis alguns trechos:
"Lacerda, na "Tribuna da Imprensa", jornal que havia sido criado para combater o getulismo, chegou a escrever: "O senhor Getúlio Vargas não pode ser candidato; se candidato, não pode ser eleito; se eleito faremos uma revolução para derrubá-lo." De fato, Getúlio candidatou-se, elegeu-se e tomou posse na presidência do país. Lacerda, por sua vez, não desistiu das ameaças que fizera e desencadeou contra ele uma guerra sem tréguas, com acusações de toda ordem."

 "... todos que ali estavam mostravam-se a favor da deposição do presidente. Eu também, o que era natural, uma vez que a campanha de Lacerda surtira efeito: de minha sogra, que era católica, gaúcha e getulista, ao partido comunista, todos estavam contra Getúlio."
Resultado? Em 24 de agosto de 1954 Getúlio se suicidou e eis o que reporta Ferreira Gullar:
"... logo a multidão tomou as ruas, indignada com a morte de um presidente que, de fato, não roubara nem enriquecera."
Getúlio morreu, saindo da vida para entrar na história. E o que a história fala dele? Vamos à wikipedia:
"Getúlio era chamado, pelos seus simpatizantes, de "pai dos pobres" (título tirado do livro de Jó 29,16), e, por pessoas próximas, de "Doutor Getúlio"."
"Durante o governo provisório, Getúlio Vargas deu início à modernização do Estado brasileiro. Criou:
 A lista de realizações de Getúlio continua, com mais uma dúzia ou tanto de itens, e continua no Estado Novo:
"No Estado Novo foram criados o Ministério da Aeronáutica, a Força Aérea Brasileira, o Conselho Nacional do Petróleo, o Departamento Administrativo do Serviço Público, a Companhia Siderúrgica Nacional, a Companhia Nacional de Álcalis, a Companhia Vale do Rio Doce, o Instituto de Resseguros do Brasil, a Companhia Hidrelétrica do São Francisco, o Conselho Federal do Comércio Exterior, a lei da sociedade anônima.
Getúlio deu os primeiros passos para a criação da indústria aeronáutica brasileira. Foi criada a Fábrica Nacional de Motores (FNM), inicialmente planejada para ser fábrica de aviões, e que posteriormente produziu tratores e o caminhão "FNM"."
E a coisa continua, e continua e continua...

Getúlio foi um ditador, que tomou o poder numa revolução que acabou com a República do Café com Leite, controlada pela oligarquia (palavra complicada...) agrícola do Brasil. Ou seja, Getúlio "representava" uma revolução que modernizou o país e, de fato, ele fez isso. E foi eleito depois, com enorme apoio popular. E acho que foi isso, a popularidade de Getúlio, que deixou seus críticos, especialmente Lacerda e os paulistas, mais irritados.

Algum paralelo com o que acontece hoje? Quem representa Lacerda hoje? Quem vive irritado com a popularidade de personalidades públicas? Não sou só eu que vejo a semelhança...

Enfim, a história não é assunto muito conhecido pela maioria dos brasileiros, mesmo os educados (aliás, o que sabe a maioria dos brasileiros? Os jornais que eu leio, voltados para a classe média, têm ótimas seções de gastronomia, cultura e esporte, onde eu leio em cada página o lema "pão e circo". A quem isso interessa?). E, citando sem saber a fonte, "um povo que não conhece sua própria história é fadado a repetir os mesmos erros do passado."

Em tempo: em seu tempo, a imprensa do "golpista" Lacerda influenciou até mesmo intelectuais como Ferreira Gullar; hoje, eu vejo, com medo, o mesmo acontecendo com a classe média toda. É triste e trágico.

(imagem: "Bota o retrato do velho outra vez\ Bota no mesmo lugar\ O sorriso do velhinho\ Faz a gente trabalhar\ Eu já botei o meu\ E tu, não vai botar?\ Já enfeitei o meu\ E tu vais enfeitar?\ O sorriso do velhinho\ Faz a gente trabalhar", marchinha de carnaval, de Haroldo Lobo, em homenagem a Getúlio - a foto é da wikipedia)

3 comentários:

Rafael Reinehr disse...

Fui ler o texto lá na coluna do Nassif, logo depois de ler o teu e posso dizer que não me serviu o chapéu. Minha crítica ao governo Lula e principalmente à pessoa sem caráter, confiabilidade ou coerência que ele representa para mim diz respeito tão somente ao que ele se fez representar para chegar ao cargo e o que na verdade acabou se tornando. Para tanto, não uso jornais, televisão ou qualquer outra mídia, isenta (?) ou comprada. Olho tão somente para o que esperava em 2000 e os rumos que estamos tomando em 2009. Uma política que estimula a competição em lugar da cooperação, que investe somas astronÔmicas de dinheiro público em áreas sem benefícios palpáveis e, ao mesmo tempo, deixa carentes áreas como saúde e educação, não consegue realizar uma reforma política decente... Opiniões, só opiniões...

São 2:10. Minha esposa já murmura na cama. Obrigado pelas lições de história. Abraço fraterno.

Dedalus disse...

Caro Rafael,

Uma das análises possíveis que vi do governo Lula e que me chamou a atenção foi feita por Ciro Gomes, numa entrevista no Estadão: é o governo possível, depois da tentativa de golpe do "mensalão", que deixou Lula refém do PMBD. Eu, assim como você e Ciro, certamente não faria tais alianças, mas não vejo as coisas como você: tenho visto investimentos em saúde e educação, sim. Por exemplo, a Folha que adora falar tanto que o governo gasta mal, publicou há algum tempo uma reportagem falando sobre o inchaço de pessoal no governo federal - aí apareciam os contratados, em letras bem pequenas mesmo: professores e pessoal da área de saúde... Eu trabalhei, concursado, em duas universidades federais: uma que fez 30 e tantos anos, ou seja, construída pelos militares, e outra inaugurada agora, agora. Lula fez pouco, provavelmente, mas no meio tempo, entre ele e os militares, o que tinha sido construído na área da educação superior? Eu respondo: uma rede de escolas particulares de qualidade para lá de duvidosa, beneficiando a quem mesmo? E o que as outras opções disponíveis no mercado político "prometem" não me atrai: eu, por exemplo, recebo alunos que são fruto do ensino público paulista, organizado pelo mesmo partido há uns 15 anos, e só vejo ruínas...

Um abraço!

Rafael Reinehr disse...

Entendo, Stephen. Como talvez saiba, eu trabalho na área da saúde e, apesar de não trabalhar na saúde pública diretamente, meus pacientes utilizam dela para conseguir exames, cirurgias e tratamentos. E o que se vê é desolador. Existem coisas que não se pode falar publicamente - por questões éticas mas também para evitar processos, mas se algum dia conversarmos pessoalmente, peça-me para te contar o que acontece dentro do MEC. Tive um grande amigo que ficou em cargo privilegiado por lá e era realmente difícil de acreditar nele, mesmo sendo uma pessoa 100% confiável, tamanhas eram as aberrações que ele viu.

Mas, como você disse, poderia ser pior...