quinta-feira, 29 de novembro de 2007

Os dragões do Éden


Vi esta semana uma palestra em que um cientista apresentava a si mesmo através de seu trabalho. Logo no início o palestrante usou a imagem de uma caixa de ferramentas - isso mesmo: uma caixa de ferramentas, com chaves de fenda, alicates, grifos e sei lá mais o quê. Para mim, foi como se ele disesse: "veja, o cientista não é nada mais que um técnico, um encanador, um pedreiro ou um dentista, alguém treinado para usar as ferramentas adequadas no momento adequado".

Não tenho nada contra pedreiros ou encanadores ou dentistas: mas não entrei na ciência por isso. Senão eu seria um encanador ou pedreiro ou dentista. Eu quis ser cientista, e não um profissional. Eu quis fazer arte, e não ter uma profissão.

Mas acho que ninguém mais vê isso, a ciência como arte: é um negócio, com dinheiro e recompensas distribuídos a quem sabe fazer negócios. Meus colegas se vestem como empresários, cabelos alinhados, roupas impecáveis, e se tornam diretores e têm projetos e verbas e financiamentos, enquanto eu, o oposto disso, não tenho nada além de um punhado de idealismo, que a cada dia vai minguando mais e mais.

Não sei mesmo o que faço no meio dos cientistas: acho que me daria melhor sendo um golfinho ou um boto, inteligente apesar de (ou por) não usar ferramentas... E para não parecer tão maluco, aqui eu cito Carl Sagan, em "Os dragões do Éden", onde ele diz que
"a criatura com maior massa cerebral em relação a seu peso corporal é a denominada Homo sapiens. O próximo nesta escala é o golfinho."

Ou seja, já que eu não posso, por pura incompetência, estar entre os primeiros, eu me contentaria, de bom grado, em estar entre os segundos. Pena que eu tenha escolhido errado.

(imagem: um casal de botos)

4 comentários:

KNX disse...

Prezado,

Se quiser ver o que é idealismo e, além disso, verdadeira superação física e moral, não perca a palestra da próxima quarta. O sujeito é completamente cego, mas sua imaginação é maravilhosa. Chega a ser impressionante vê-lo falar uma hora seguida, sem ppts ou qualquer coisa que o valha.

abs, R.

Dedalus disse...

Caro knx,

Obrigado pelo toque sobre o palestrante da próxima quarta: achei que ia apenas, mais uma vez, ouvir falar sobre as maravilhas da nano... Quanto a ser cego e interessante, segundo me consta, havia o poeta inglês Milton, que ficou cego antes de escrever sua grande obra, Paraíso Perdido. E, é claro, tem Beethoven, surdo e compondo como sempre. Já eu, que não sou surdo nem cego, só burro, será que tenho salvação?

Um abraço!

KNX disse...

Caro Dedalus,

O sujeito consegue fazer palestras "des-ideologizadas": nem solta fogos, nem sataniza. Um dia eu fiz a seguinte ponderação:

"-- Professor, me parece que a revolução computacional está para o cientista, assim como a revolução industrial esteve para os tecelões. A pessoa só precisa aprender a controlar a máquina. No fundo, nivela todo mundo por baixo. Se vc pegar um físico computacional e trocar por outro, não vai fazer diferença nenhuma..."

Ele respondeu: "Você está certo. Mas embora isso seja ruim para os inteligentes, na verdade é bom para a ciência!" e ria gostosamente. De início achei a resposta meio cínica... mas depois me pareceu de um notavelmente sagaz.

Ele também tem uma análise do grupo social chamado "cientistas-empreendedores". Se quiser este aperitivo, encontra-se em:

http://www.scientiaestudia.org.br/revista/PDF/04_03_07.pdf

SALVAÇÃO??? Isso é com Deus! (rsrsrsr).

Dedalus disse...

Caro knx,

Obrigado pela dica sobre o aperitivo. Quanto ao estado atual da ciência e seu nivelamento por baixo eis uma citação (que já fiz em outro lugar):

"Hoje, que direi da época, do estado, da sociedade e da pessoa humana? Nosso planeta chegou a uma população prodigiosamente aumentada se a compararmos às cifras do passado (...) Mas o número de personalidades criadoras diminuiu. E a comunidade não descobre mais esses seres de que tem necessidade essencial. A organização mecânica substituiu-se parcialmente ao homem inovador. Esta transformação se opera evidentemente no mundo tecnológico, mas já em proporção inquietadora também no mundo científico."

O trecho acima é de Einstein e, portanto, já tem mais de 50 anos, ou seja, é bem anterior à 'revolução computacional'. Se esse processo está sendo bom ou ruim para a ciência é outra questão...

Um abraço!