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O tempo passou e eu passei em outro concurso. Mudei, eu, a cidade ao meu redor.
E eu comecei a escrever, de forma sistemática, para espantar a solidão. Ou para alardeá-la. Ou para espantar o tédio. Ou por descobrir que eu podia escrever. Ou por outra razão qualquer.
Mas a gota d'água que me me levou mesmo a escrever foi uma visão que tive, há uns anos, quando fui a um congresso de astrofísica, em Campos do Jordão, perto de um Carnaval. O que eu vi? Não sei descrever ainda, e escrevo há um ano. Já escrevi cem textos e em todos eu rodo inutilmente ao redor da minha visão, como uma mariposa ao redor de uma lâmpada, impotente.
Há pouco mais de quinze dias fui a uma nova edição do congresso em Campos do Jordão. Na volta, por acaso, tive acesso a uma apostila do governo do Estado de São Paulo, distribuída aos professores da rede pública, com direções e temas paras as suas aulas, onde reencontrei um conto de Luís Fernando Veríssimo, "Conto de Verão n. 2: Bandeira Branca", que eu havia lido em Cuiabá.
O tema central desse conto é uma série de encontros entre dois personagens, em vários carnavais, desde a infância deles. O desfecho acontece com os dois adultos, num último encontro, por acaso, ainda num carnaval, num aeroporto. O personagem masculino, Píndaro, fica pensando se deve dizer à personagem feminina, cujo nome, Janice, só é dito de relance, que o último encontro deles, ambos ainda adolescentes, "foi o momento mais feliz da minha vida, (...), e que todo o resto da minha vida será apenas o resto da minha vida". E o que havia acontecido naquele encontro? Nada, eles haviam apenas dançado "Bandeira Branca" e nunca mais se visto. Mas para Píndaro aquele nada era muito mais...
É como se aquela visão, em Campos do Jordão, perto de um carnaval, tivesse tornado o resto de minha vida apenas isso, o resto de minha vida... Eis-me aqui, Píndaro sem Janice, defronte a um nada que não sei descrever, que não posso sequer nomear, e escrevendo.
O conto termina sem Janice se lembrar do nome de Píndaro. Na verdade, duvido que alguém hoje saiba quem foi Píndaro: ontem mesmo vi na TV um garoto de cerca de 10 anos que não sabia soletrar "isósceles"...
(imagem: estátua de Píndaro, poeta grego que viveu ente 552 e 443 antes de Cristo, que escreveu "Aqui não se lucra/Dizendo-se a verdade toda com a face descoberta./Freqüentemente é mais sábio ser silente.")