sábado, 16 de fevereiro de 2008

Pensando a física


Participei em outubro do ano passado de um congresso de biologia matemática, na Unicamp, onde a grande maioria dos trabalhos apresentados era de modelagem matemática: dado um determinado assunto em biologia - por exemplo, a propagação da dengue, ou o efeito da castração de cães, ou a formação de estruturas protéicas - pode-se montar um modelo matemático com um certo número de variáveis, com o que se pode brincar bastante...

Um modelo matemático não é uma teoria. A diferença é que uma teoria parte de primeiros princípios ou postulados mais ou menos gerais para daí criar uma descrição matemática, enquanto um modelo matemático é só isso mesmo que o nome diz, sem a necessidade de uma teoria por trás.

São exemplos de teorias a teoria da relatividade especial, que possui dois postulados, a invariância das leis das física e a constância da velocidade da luz, e a teoria da evolução, que se assenta em duas idéias básicas, a variação dos organismos e a seleção natural. Um exemplo de modelo matemático é a gravitação de Newton, em que um mecanismo de atuação da força da gravidade nunca é invocado, mas em que se tem uma lei matemática que descreve de que maneira os corpos se atraem.

Bem, eu estive agora num workshop de astrofísica e cosmologia em que o que mais havia eram modelos matemáticos, tantos que podia certamente se chamar workshop de cosmologia matemática ou astrofísica matemática ou coisa semelhante.

Como sintoma disso, posso comentar que, em uma das últimas apresentações, perguntei a um rapaz, doutorando com mais artigos publicados do que eu nos últimos anos, sobre como ele descreveria, de forma didática, para um livro de divulgação, a idéia por trás do seu modelo - e o que recebi de resposta, bem, não foi uma resposta.

Há uma pressão para se publicar: o cientista que não publica é visto como um pária dentre seus pares e "perece". Logo, nunca houve tanta produção científica. No entanto, para mim, faltam reflexões e abundam modelos e artigos. As pessoas sabem fazer contas e variações dessas contas, programar computadores e ajustar dados, fazer mil variações de experimentos e medidas, mas eu fico com a dúvida: ciência é só isso?

Eu queria saber pensar, de verdade, mas só sinto: talvez meu coração seja grande, e o cérebro, atrofiado... E eu não publico.

(imagem: foto do antigo cassino da Urca, no Rio de Janeiro, local que teria inspirado o físico brasileiro Mário Schenberg na sugestão de um processo de perda de energia nas supernovas; Schenberg, além de ser talvez o mais importante físico teórico do Brasil, era crítico de arte...)

2 comentários:

KNX disse...

Dedalus,

Parabéns por este post. Há tanto o que comentar que temo estender-me demais.

* Brincar com modelos matemáticos: Minha sensação é de que realmente a manipulação de parâmetros e condições iniciais se assemelha a um jogo. O que me constrange é que o "brinquedo" é caríssimo, então só alguns têm acesso ao jogo.

* Cientistas cabeças-de-bagre fazendo contas e variações de contas: é um fato consumado. A resposta mais interessante nesse caso foi me dada pelo Terry Shinn (filósofo que loevei para palestra). Quando perguntei se não era ruim para a Ciência que cabeças-de-bagre se apoderem da pesquisa, ele me respondeu: "Não. Isso é bom para a ciência, pois pessoas realmente inteligentes são muito raras." É uma resposta "cínica" mas realista.

* A empáfia dos físicos: isso é a única coisa que me incomoda. Posso lhe assegurar que uma das pesquisas mais tipicamente "hard science" de nossa universidade é meus testes sobre raciocínio lógico condicional. Eu coleto muitos dados, realmente investigo empiricamente com boa segurança estatística e critico modelos bayesianos de aprendizagem (coisa de ponta na Europa e EUA). No entanto, minha pesquisa não é considerada "de ponta" aqui em nossa universidade, de modo que ninguém se preocupa em me consultar com relação ao campo da cognição. Naquele congresso sobre Sistemas Dinâmicos e Cognição, minha pesquisa era muito mais importante e REAL do que a maioria dos trabalhos dos ban-ban-bans. Mas a comissão organizadora barrou meu pedido de apresentação. Acho que é por que sou das Humanas (hehehehehehe).

* Onde está a verdadeira ciência? Não sei o certo, mas acho que ela corre sub-repticiamente disseminada pelos vários cmpos do saber. Uma coisa que talvez impeça o real aproveitamento dela é a "War Science". O caso Sokal só ilustra que há muito lixo no post-modernist science, mas daí as pessoas generalizam e pensam que tudo que é "soft" é ruim. Ora, qualquer bom filósofo sabe que Lacan é ininteligível, que Derrida e Deleuze usam de retórica vazia, e que conceitos da QM não devem ser aplicados ao mundo macroscópico, a não ser, talvez, como metáfora. Ocorre que os bons são colocados no saco junto com os maus. E a galera (má) da hard sciences ficam feito macacos aplaudindo. Realmente triste.

Bom, fico por aqui. depois continuamos. Abraços.

Dedalus disse...

Caro knx,

Sua presença é sempre uma ótima surpresa... Mas não diga que alguém tem empáfia, não: todos temos, uns mais, outros menos. O que os físicos não tem é visão de longo alcance: eles são ótimos míopes - enxerganm maravilhosamente bem, só que num horizonte bem limitado.

Um abraço!