terça-feira, 28 de outubro de 2008

Colapso


Acho que tem gente que gostaria de sumir com outras gentes por muito tempo:a gente vai se ver livre dessa raça por, pelo menos, 30 anos. Eu, sabendo que sou um empecilho ao desenvolvimento da humanidade, preferia, para mim, a extinção eterna, e acho que talvez já tenha começado...

(imagem: pirâmide maia, parecida com a que ilustra a capa da edição brasileira de "Colapso", de Jared Diamond, que tem o subtítulo "Como as Sociedades Escolhem o Fracasso ou o Sucesso")

quinta-feira, 23 de outubro de 2008

O poder do mito


Há explicações que parecem fazer todo o sentido, sem as quais as coisas parecem caóticas, confusas demais. Religiões funcionam assim, tentando dar consistência ao mundo.

Exemplo: o que leva um rapaz a seqüestrar e manter sob cárcere privado uma moça que ele diz que ama? Loucura é a resposta óbvia. Mas aí surge outro fato: o pai da moça é um foragido, procurado por assassinatos distantes. Parece castigo! Melhor: uma alma prejudicada pelo pai da moça, sedenta por vingança, mas incapaz de agir diretamente no mundo material, descobre o rapaz e o influencia, como um demônio, até que ele mate a menina: a vingança está feita. E tudo faz sentido, os fatos desconexos ligados por uma teoria unificadora.

A teoria? Chama-se espiritismo, e é filha de uma época - fins do século XIX - em que tudo parecia explicável. A vida? Teoria da evolução! A história? Marxismo! O mundo? Física clássica: mecânica, termodinâmica e, acima de tudo, o eletromagnetismo. Enfim, ordem e progresso! Faltava apenas a síntese das religiões e ela veio, atendendo ao chamado do espírito da época (o famoso zeitgeist).

Não, não sou espírita. O espiritismo é só mais uma religião, cheia de dogmas e furos como todas as outras. Não acredito em revelações: em geral, elas são ouro de tolo a brilhar sob a luz do sol. Eu quero o ouro verdadeiro - e mais. Por isso faço ciência - que não explica tudo, mas que quando bem usada, não cega.

(imagem: detalhe da Capela Sistina - fresco Criação do sol e da lua - usado no verbete Deus da wikipedia, Deus esse que pode ser escrito, em uma deformação do hebraico, como Eloá)

Cosmological physics


Bem alto, à noite, as cidades surgem como manchas, quase todas da mesma cor, num tecido negro, como um mofo luminoso, amarelo-alaranjado, que se espalha até o infinito - quantas cidades, meu Deus! - de forma não linear. Tento entender se há algum padrão em sua distribuição, mas perco a razão, espantado com tamanha inusitada beleza...

Um pouco mais baixo e vejo algumas retas e eixos, que sugerem avenidas, estradas, ruas. De novo, não há padrão aparente, só linhas luminosas. Se eu fosse entender os homens pela estrutura luminosa, de redes, que eles constroem, o que eu entenderia? Seria preciso alguma matéria escura, sem luz, para explicar a organização que se apresenta?

Não tenho respostas. Calmo, adormeço.

(imagem: um aglomerado de galáxias - o que as une?)

segunda-feira, 20 de outubro de 2008

Alma minha...


Não sei se tenho alma. Não sei se existe algo que possa se chamar de alma.

E, por isso mesmo, escrevo: para provar a mim - e a mais ninguém - que eu, ainda que como uma alma penada, vagando na incerteza, existo.

(imagem: morada atual do corpo onde habitou uma alma que um dia escreveu "Alma minha gentil, que te partiste/Tão cedo desta vida, descontente,/Repousa lá no Céu eternamente/E viva eu cá na terra sempre triste./Se lá no assento etéreo, onde subiste,/Memória desta vida se consente,/Não te esqueças daquele amor ardente/Que já nos olhos meus tão puro viste./E se vires que pode merecer-te/Algua cousa a dor que me ficou/Da mágoa, sem remédio, de perder-te,/Roga a Deus, que teus anos encurtou,/Que tão cedo de cá me leve a ver-te,/Quão cedo de meus olhos te levou.")

sexta-feira, 17 de outubro de 2008

A guerra dos mundos


Uma palavra lançada, um olhar trocado e mundos podem se confrontar...

Palavras e olhares são assim, de uso múltiplo: naves invasoras indo a outro mundo, ou cordas sobre abismos, ou pontes sobre águas ou projéteis no céu em busca de alvos. Eu, no entanto, prefiro a simplicidade de uma garrafa com uma mensagem.

(imagem: estátua em homenagem a H.G. Wells)

A natureza das coisas


Li, num quadro explicativo de uma exposição do MASP, que Kant teria dito que tudo são coisas. Que eu seja uma coisa, tudo bem. Mas o que eu sinto, por exemplo, ao ler um poema é também uma coisa?

A profundidade dessa premissa me assusta: se tudo são coisas, creio que tudo pode ser trocado, vendido, comprado. E tudo pode ser valorado, comparado, "precificado" - onde estaria a coisa "eu" nessa escala de valores? Onde o meu amor?

Meu amor é meu fruto - e se a árvore não dá frutos que sejam saborosos ou rentáveis, não vale nada. Logo, acho que devo esperar a seca, o machado e o fogo.

(imagem: uma coisa)

terça-feira, 14 de outubro de 2008

Love is the truth

Eis uma pequena obra prima de 100 segundos...



"It's the right thing to do, and you know it, it's inside of you, so just show it, love is the truth."

domingo, 12 de outubro de 2008

Evolução


Eu é quem deveria estar no papel de professor, ensinando sobre a beleza das estrelas no céu... Mas - ironia! - de repente o mundo se inverteu, e eu virei um aluno, ouvindo apenas, encantado, às vezes de manhã, às vezes à noite, notícias sobre a beleza da vida na Terra.

Pois é: eu nunca imaginei que podia haver tanta graça em cálculos da frequência de alelos...

(imagem: simulações coloridas de deriva genética)

O ABCD da astronomia e astrofísica


No céu há 88 constelações...

No meu coração há muito mais.

(imagem: o que há no coração do caçador?)

Biologia, ciência única


Eu encontrei um unicórnio.

Que não existe, mas é meu.

Mas quando eu o vejo - e só eu o vejo - a luz que reflete nas asas dele ilumina todo o meu dia.

(Ah! meu unicórnio é meu e é único: tem asas...)

(imagem: uma donzela e um unicórnio, século XVI)

Universe


O Sol é um corpo negro: quem o vê brilhar não deveria ser capaz de aceitar tamanho disparate. E, no entanto, é a mais pura verdade... Como são fortes as palavras!

(imagem: o Sol é um corpo negro...)

Diário de um ninguém


Se alguém me lê, nem percebe que eu não existo: eu sou apenas uma invenção de um outro. E, ainda assim, sou muito verdadeiro.

Eu sou a água que transbordou do copo, falando apenas que o copo não está vazio.

(imagem: ilustração de outro livro que quase ninguém leu)

sábado, 11 de outubro de 2008

Principia


Um dia, me apaixonei por uma princesa. Pela minha falta de beleza, me disse ela, de longe se via que eu não era um príncipe, e me mandou embora.

Outra vez, me apaixonei por uma flor. "Onde estão a sua cor, o seu perfume?", me disse ela, e me mandou embora.

Ainda, me apaixonei por uma nuvem. "Você é pesado demais!", disse ela, e me rejeitou.

Princesa, flor e nuvem, enfim, foram apenas algumas das minhas paixões. Todas passaram.

E mesmo sem elas, não sendo nem príncipe, nem colorido ou perfumado ou leve, eu posso hoje sentar na beira do mar, para ver as ondas, buscar conchinhas e construir castelos na areia, como a criança curiosa e apaixonada que sempre fui.

(imagem: primeira página de um livro escrito por um sujeito que teria dito "Não sei o que posso parecer aos olhos do mundo, mas aos meus pareço apenas ter sido como um menino brincando à beira-mar, divertindo-me com o fato de encontrar de vez em quando um seixo mais liso ou uma concha mais bonita que o normal, enquanto o grande oceano da verdade permanece completamente por descobrir à minha frente.")

A marcha dos pingüins


Um pingüim solitário, ao descobrir-se apaixonado, sente que derrete o gelo aos seus pés.

Rejeitado, ele sente o gelo é no coração. Com uma pedra no peito, se atira ao mar - e alcança as costas tropicais do Brasil... De onde lhe mandam embora, num vôo fretado.

Ah! Pingüim ou não, a marcha é longa, o clima - o mundo - é cruel, e o amor nem sempre ajuda.

Eu, de tanto andar, tenho calos. De tanto amar, tenho medo. E, ainda assim, ando amando.

(imagem: pingüins, em foto de Martin Walls)

Adrienne Mesurat


Eu sou um peixe, num aquário, com fome. Sem palavras como todos os peixes, como posso pedir comida? Quando serei alimentado?

Só me resta olhar pelo vidro e esperar.

(imagem: um livro que quase ninguém leu)

quarta-feira, 8 de outubro de 2008

Manifesto do Partido Comunista



Em tempo: não moro em São Paulo, mas em outro lugar, próximo, onde, em 1947, "os comunistas elegeram o prefeito, Armando Mazzo, e uma bancada de 13 vereadores em uma Câmara de 31 cadeiras. No entanto, menos de 24 horas antes da posse do novo prefeito e da Câmara, o TSE enviou um telegrama ao TRE paulista comunicando a sua decisão de anular todos os votos conseguidos pelos comunistas e se negando a dar posse ao prefeito e sua bancada."

Eu não ficaria surpreso com atitudes desse tipo de novo.

(imagem: Papai Noel...)

A capital da solidão



Só vou copiar um trecho de um texto publicado na Folha de São Paulo, em que uma pesquisadora (Argelina Figueiredo, do Cebrap) comenta o resultado do primeiro turno das eleições para prefeito em São Paulo:

""Esse elemento [afastamento de PT e PSDB no plano nacional], junto com o provincianismo conservador da cidade, explica o resultado polarizado da votação." Ela [a pesquisadora] acredita que não exista na cidade um "antimartismo" puro e simples, mas sim uma tradição antitrabalhista enraizada na história. "São Paulo foi antigetulista, agora é antipetista (...)""

São Paulo, provinciana e conservadora? Não posso aceitar tamanho disparate! São Paulo antitrabalhista? Mas não é a capital do trabalho no Brasil? Só lembrando (com ajuda da wikipedia): só depois de 1930 começou de fato a industrialização do Brasil, com Getúlio Vargas, que "operou uma mudança decisiva no plano da política interna, afastando do poder do estado oligarquias tradicionais que representavam os interesses agrários-comerciais." Que oligarquias eram essas? República Café com Leite, quando "revezavam-se no poder representantes do Partido Republicano Paulista, PRP, e do Partido Republicano Mineiro (PRM), que controlavam as eleições e gozavam do apoio da elite agrária de outros estados do Brasil", época em que "instalou-se o poder dos governadores dos estados" e quando "o voto não era secreto o que tornava o voto a cabresto uma pratica comum". Sinceramente, acho que os paulistas têm saudade disso.

(imagens: o estádio do Pacaembu e um outro lugar - concordo que é sacanagem fazer tal comparação, mas eu não pude resistir...)

domingo, 5 de outubro de 2008

La favola de Eros e Psiche


Eu acho que não sei o que é "o amor", e nem sei se posso aprender, mas não me custa ler a respeito: posso não entender nada, mas talvez algo fique na minha cabeça oca. Segundo o Estadão deste domingo (eis-me aqui de novo), saiu agora um livro, "Casadas com o crime", que conta alguns romances:

"Era um sonho. Fui muito feliz. Ele me esperava cheio de amor para dar em todos os domingos de visita."

"Era bom demais. O dia da visita era sagrado."

"Ele me enchia de presentes."

"A gente passava na rua e ouvia 'olha a mulher do fulano'. Você se sentia a malandrona, a poderosa."

Os testemunhos acima são de mulheres de presidiários, alguns da alta cúpula do PCC que, com dinheiro e status, não ficam sozinhos. Mas não precisa ser da cúpula do PCC para ter esse tipo de relação: o maníaco do parque, assassino de sete mulheres, se casou dentro da cadeia. Com Paulo César Farias também não foi diferente:

"Em dezembro de 1995, depois de cumprir dois dos sete anos a que havia sido condenado, foi posto em liberdade condicional. Na cadeia, conhecera Suzana Marcolino, uma moça 24 anos mais nova que ele, dona de um corpo escultural, morena cor de jambo, de lábios carnudos. Certa tarde, ela fora levada até a cela especial no Corpo dos Bombeiros, onde Paulo César Farias cumpria pena, por uma antiga funcionária de uma das muitas empresas de PC.

A partir de então, Suzana passou a levar vida de princesa. Ganhou jóias, roupas caras, carro zero-quilômetro, uma generosa conta bancária e montou uma butique de grife - a Lady Blue - em Maceió. Passou a ser vista com freqüência ao lado do namorado recém-liberto, a bordo de uma luxuosa BMW branca conversível."

Segundo um texto antigo da revista Veja,

"Os psicólogos há décadas estudam o fascínio que os homens maus exercem sobre certas mulheres. Algumas teorias tentam explicar por que isso é tão comum."

Não, não há o que explicar: amor é isso, um sentimento sublime, espiritual, facílimo de se obter quando se tem dinheiro ou fama ou a aura nobre dos príncipes encantados que moram, às vezes, por mero acaso, em celas de presídios...

(imagem: Eros e Psiquê - quer coisa mais romântica?)