domingo, 31 de maio de 2009
Muito barulho por nada
Li esta semana, num guia de lançamentos de livros, que estão sendo relançados no Brasil vários livros com a obra de Shakespeare, em novas edições. Shakespeare é fantástico, um prodígio que merece reconhecimento.
Eu, pessoalmente, o encontrei pela primeira vez quando saía da adolescência. E foi um encontro por meio de quadrinhos - isso mesmo, eu li Hamlet, pela primeira vez, em quadrinhos! Muito impressionado, saí para procurar o texto integral nas livrarias da minha cidade e, para meu espanto maior, não encontrei em nenhuma - isso mesmo, todas as livrarias da minha cidade, uma cidade de mais de 500 mil habitantes, não tinham nenhuma obra de Shakespeare. E tinham, é claro, todos os livros de Paulo Coelho... Dá para imaginar um mundo sem Shakespeare?
Enfim, é de se louvar o relançamento da obra de Shakespeare, em português, no Brasil. Pena é que os preços anunciados não são muito palatáveis: entre 110 e 350 reais cada volume. Mas isso é o Brasil: quem lê Shakespeare mesmo? E mais: quem deve ler Shakespeare mesmo?
No guia de lançamentos, esta semana, não havia Shakespeare apenas. Havia, é claro, mais uma multidão de outros livros de outros autores. Milhares de livros devem ser lançados por ano no Brasil, com uma multidão de autores inéditos ou não. São multidões, creio eu, de candidatos potenciais a novos Shakespeares. Já imaginou se aparece um novo Shakespeare mesmo e o quanto a humanidade ganharia com isso?
Eu, no entanto, quando vejo essa exuberância das letras, fico pensando, do meu canto de mundo, se não seria melhor aparecer um novo Einstein: já imaginou se aparece um novo Einstein mesmo e o quanto a humanidade ganharia com isso? E quantos candidatos potenciais a novos Einsteins existem? Quantos querem estudar ciência?
Restam os imbecis como eu, que nunca serão gênios. Melhor: resto eu, que sou imbecil - os outros, são todos gênios, por mera e simples comparação. A literatura é muito mais importante que a ciência, sempre foi e sempre será: a ciência não é nada, apenas "uma história contada por um idiota, cheia de som e fúria, significando nada", enquanto a literatura é "o material sobre o qual os sonhos são construídos"... Meus filhos, se forem criativos e inteligentes, muito mais facilmente serão artistas, e não cientistas.
(imagem: Hamlet observando o que restou do pobre Yorick, numa clássica cena que fala da efemeridade da vida humana)
quinta-feira, 28 de maio de 2009
Estrela da manhã
Eu sempre fui um ser mais notívago do que diurno. O clima calmo e delicado que a escuridão da noite cria e envolve é, para mim, desde há muito, mais agradável que a agitação quase sem sentido que acontece sob a luz do sol. Assim, acabei até mesmo por arrumar um emprego em que eu não tivesse que acordar cedo sempre. Mas hoje, por obrigações profissionais recentes, estou obrigado a madrugar todos os dias, como há muito tempo não fazia.
E é assim que eu estou descobrindo, para minha enorme surpresa, que a manhã é outro dia.
(imagem: manhã nascendo sobre o mar)
domingo, 17 de maio de 2009
Ode ao burguês
Eis um bom motivo para eu não ser parte da burguesia: a burguesia não gosta de ciência. Pelo menos é o que parece achar um amigo meu, cientista e blogueiro como eu:
"Esta análise se confirma quando verificamos que a comunidade científica fez uma aliança com os pilares da modernidade, a burguesia ascendente, nos países capitalistas, e a burocracia estatal no socialismo real (agora ex-real). Demograficamente, vemos que a maior parte dos cientistas é recrutada entre estudantes filhos de trabalhadores: a aristocracia e a burguesia mesmo prefere atividades mais nobres para seus filhos, como a política, o investimento capitalista, a advocacia, a medicina etc."
Recomendo muito a leitura integral da postagem dele intitulada "Por que a ênfase em C&T é prejudicial à Ciência?".
(imagem: a sociedade de sonho da burguesia?)
Observatório da imprensa
Domingo. Acordo cansado, sem muita vontade de sair da cama, por conta do frio fora dela. Mas, enfim, vou para o banheiro e depois para o desjejum. Na garagem, o jornal me espera. Metade dele, ou mais, é de anúncios, de carros, casas, empregos, negócios e eoportunidades, e eu não quero comprar nada - ou seja, o jornal não é escrito para alguém como eu.
Na verdade, eu não gosto de ler jornais: o ponto de vista presente neles não é o meu, a lista de prioridade de assuntos não é a minha: um caderno inteiro para economia e outro para política parece, para mim, uma aberração, algo que me dá certo nojo. É isso mesmo: eu, professor universitário, com doutorado, mais de uma graduação, não gosto de ler jornais - eles me dão azia.
E o jornal de hoje, só aumenta essa sensação de estranhamento. Na capa leio uma manchete em que o jornal se vangloria de ser considerado o melhor pelas classes A e B. Definitivamente, não é um jornal para mim. Eu, tão educado, vivo na periferia, numa casa velha que foi a única que minha capacidade de financiamento me permtiu comprar.
Na revista que vem com o jornal, cartas de engenheiros, designers, publicitários, gente que num mês deve ganhar mais do que eu ganho num semestre, gente que coleciona pinturas (outra matéria da revista), que aplica na bolsa, que provavelmente tem mais - muito mais - de cinquenta mil reais na poupança (assunto que os jornais acharam muito importante) e acha um absurdo pagar mais impostos por isso. A elite: este jornal - acho que todos os jornais - falam da e para a elite, alimentando as opiniões dela com opiniões dela, numa enorme caixa de ressonância.
Na última página de texto do jornal, me chama a atenção uma entrevista com alguém que discorre sobre como Hitler e o nazismo puderam florescer na sociedade alemã: "Podemos afirmar que as Forças Armadas, os grandes empresários, os grandes proprietários de terra e os altos funcionários apoiaram Hitler durante muito tempo"... Ou seja, a elite permitiu e apoiou o crescimento do nazismo. A elite, a mesma que hoje se julga única detentora da razão e da verdade, os últimos bastiões da civilização conta a barbárie representada pelo povo...
Eu, na minha estupidez, vejo que não pertenço a este mundo: pelo dinheiro que tenho e ganho, não pertenço à elite, pela educação que tenho e busco, não pertenço ao povo. Mas, diante da impossibilidade de ser neutro, fico com meu pai, migrante nordestino, e minha família de periferia, impressos em minha aparência de morador do fim do mundo. Eu fico com o povo - e por isso mesmo os jornais, hoje, e sempre, me dão azia.
Para dizer a verdade, acho que prefiro a poesia:
"Eu insulto o burguês! O burguês-níquel,
o burguês-burguês!
A digestão bem feita de São Paulo!
O homem-curva! o homem-nádegas!
O homem que sendo francês, brasileiro, italiano,
é sempre um cauteloso pouco-a-pouco! "
Isso foi escrito há quase cem anos, e acho que foi devidamente esquecido pela burguesia paulistana...
(imagem: uma rotativa, que representa o jornalismo moderno para uns, e que para mim representa o capitalismo, pura e simpelsmente)
quarta-feira, 13 de maio de 2009
Felicidade
Um comentário numa postagem anterior me levou até um texto muito interessante, intitulado "What makes us happy?", sobre um estudo de psicologia que acompanhou diversos homens por mais de 70 anos. O texto é longo, em inglês, mas tem várias histórias que compensam mesmo a leitura.
Nesse texto, que é jornalístico, há várias pérolas, como essa: "adaptações maduras são uma alquimia da vida real, um modo de transformar a escuma de crises emocionais, dor, e perdas no ouro da comunhão humana, realização e criatividade. “Tais mecanismos são análogos à graça involuntária pela qual uma ostra, se deparando com um irritante grão de areia, cria uma pérola,” ... “Os humanos, também, quando confrontados com irritantes, se envolvem em um inconsciente mas frequente comportamento criativo.” E dentre as adaptações mentais que as pessoas usam para enfrentar a vida as mais comuns parecem ser as distorções da realidade, com o esquecimento de coisas desagradáveis, e o realçamento de lembranças agradáveis.
De acordo com a reportagem, alguns fatores - sete - podem predizer quando uma pessoa vai ter maior chance de envelhecer com saúde: o uso de adapatações maduras, uma boa educação, um casamento estável, não fumar, não abusar do álcool, fazer algum exercício, e ter um peso saudável. Há grande importância em se ter intimidade e amor, e a depressão se mostrou algo com grande probabilidade de diminuir o tempo de vida.
Mas, para mim, o melhor foi o resumo do estudo foi feito pelo atual responsável que, quando perguntado sobre o que aprendeu com ele, respondeu graciosamente que era que “a única coisa que realmente importa na vida são seus relacionamentos com outras pessoas.” Eu sempre imaginei isso, mas sei que nem sempre é possível se relacionar com outras pessoas, e especialmente de forma agradável, com prazer para ambos os lados.
Eu nunca quis ser o Super-Homem, nem nunca tive vocação para isso - e parece que se eu quiser envelhecer bem terei mesmo que ficar longe da fortaleza da solidão. Mas isso não depende só de mim, e no que depende de mim, creio que não me resta muito senão ser criativo: se eu já não fizesse isso, acho que iria escrever num blog...
(imagem: campanha de rede de supermercados com trilha cantada por Seu Jorge)
De profundis
É manhã: vou ao restaurante do hotel para o desjejum e me encontro, para minha surpresa, refletido na concavidade da colher do café. O sol brilha por mil janelas e parece me dizer que o mundo é mais belo e profundo do que parece.
Profundo? Não sei. O café parece raso, a mesa também, assim como o pão, e as pessoas nas outras mesas, essas eu sei, não existem de verdade, são apenas imagens formadas na superfície da minha retina. O mundo não é profundo, eu talvez seja. O mundo não tem poesia, eu talvez tenha. Ou não: talvez eu só exista como uma imagem superficial em colheres, retinas e fotos, e sei lá mais aonde, e a poesia que eu sinto em minhas veias seja só ilusão.
Acho que no fundo, no fundo, é isso: tudo é ilusão. E a beleza que eu procuro, pela qual me desespero, não existe, a não ser como uma imagem no fundo da minha alma rasa. Alma rasa, tão rasa que só vive em folhas de papel e telas de computador (como essa) - sou bidimensional, um verme chato, chato em todos os sentidos...
Mas esse sol, que quase nunca vejo em São Paulo, diz diferente. Onde, meu Deus, posso encontrar esse calor? Amar é isso: é ser atravessado pela luz do Sol, e espantar a escuridão das profundezas da alma. Eu amo - e não devia: não há ninguém por perto. Tudo é ilusão rasa, só não o sol e o meu amor sem destino.
(imagem: um pouco de latim)
domingo, 10 de maio de 2009
O espinafre de Yukiko
E não me custa dizer que estou estudando japonês, numa escola, com livro didático e CD.
É uma língua alienígena, pelo menos na escrita. Sem contar os ideogramas (ou kanjis, símbolos que expressam palavras, que são milhares), o básico consiste em aprender quase 50 sílabas, sendo que cada uma existe em dois "alfabetos" (duas formas) distintos, chamados katakana e hiragana.
É um desafio, caro e complicado, que eu me impus. Se vai servir para algo? Sei lá! Mas eu já aprendi uma ou duas palavras. Como estas que não sei como juntar, mas que fazem sentido para mim juntas: hana (flor) e yuki (neve) - eu sonho com flores de neve...
(imagem: capa de um mangá escrito por um francês, de onde aprendi, há alguns anos, quando eu ainda morava em Cuiabá, a palavra yuki)
The snow ghost
Acordei esta madrugada, antes do sol vir espantar a escuridão da noite, pensando em neve. Neve! Eu nunca vi neve de perto, só a conheço por filmes, fotos, livros, desenhos, de ouvir falar. E me pego acordando, sem motivo algum, no silêncio da madrugada, com uma única imagem na alma: neve.
Apesar do inusitado da coisa, entendi de imediato o significado: meus sonhos são como neve. Meus sonhos são neve. Não os sonhos noturnos, não, mas os sonhos diurnos, desses que a gente tem como meta, como desejo. Meus sonhos são neve, brancos e belos flocos que caem de leve sobre o solo, cada um com uma forma única, pequenas maravilhas do universo, trazidas do céu ao sabor dos ventos.
E um floco de neve nunca vem sozinho. Eles vêm em bandos, quando é época, quando o frio permite, e colorem o mundo de uma cor única, quase mágica. E não servem para nada. Dissolvem-se ao serem tocados, amontoam-se no chão e depois de um tempo derretem para voltar a ser água.
Meus sonhos são assim: belos, únicos, e frios, e sem serventia. E me fazem acordar de noite para que eu lembre deles, me seduzindo com suas promessas, só para depois me deixar sozinho, no silêncio, esperando pelo sol.
(imagem: Yuki Onna, um espírito da neve, criatura da mitologia japonesa que seduz os homens fracos)
domingo, 3 de maio de 2009
O príncipe sapo
Sou pobre, feio, baixinho e ando vestido de maneira patética. Acho que sempre fui assim. E por isso mesmo tomei tantos foras que nem me lembro quantos foram. Talvez pior que os foras reais, foram os que eu levei na minha imaginação, por sentir que não estava à altura... Demorei bastante para entender alguma coisa desse assunto de atração entre homens e mulheres. Mesmo hoje não posso dizer que entendo algo, mas acho que aprendi a maximizar minhas possibilidades: tive filhos.
Acho que as mulheres, de uma forma geral, se importam muito mais com a aparência que os homens - para mim, as indústrias de cosméticos, vestuário e cirurgias estéticas estão aí para confirmar isso. Eu nunca dei muita "sorte" com as moças por conta de minha aparência: eu aparento valer muito pouco (e talvez valha isso mesmo, mas isso é outra história).
E é nas mulheres que eu tenho visto um certo tipo de críticas ao atual presidente do Brasil que me fez lembrar disso tudo. Tenho visto muitas mulheres, a maioria de classe média, criticando o presidente Lula por ele ser um semi-analfabeto, sem estudos, que não lê, por ser um "bebum", por dar maus exemplos, por cometer gafes, etcetera e tal. Na minha humilde leitura pessoal o que essas senhoras estão vendo não é o presidente, mas uma imagem dele, que não sei se é real, a aparência do sujeito, e não a sua essência, como se estivessem escolhendo alguém para namorar.
Eu explico: para mim parece que essas moças, quando moças, escolheram a dedo seus parceiros e pretendentes, e ao olhar para o presidente não o vêem como alguém que elas teriam escolhido; assim, não conseguem aceitar que a maioria das pessoas do país o tenha escolhido para presidente. As críticas que ouço delas não me parecem críticas políticas, com argumentos racionais, mas puro "preconceito" (a palavra que eu queria usar não era essa, mas eu venho da classe social mais baixa, e meu vocabulário não é tão bom assim).
Me lembro claramente de uma vez, há muitos anos, quando, no metrô de São Paulo, vi duas mocinhas bem-criadas que iam para um cursinho na Avenida Paulista. Era época de eleição, e eu não pude deixar de ouvir a conversa delas: frente à pergunta "em quem você vai votar?", uma delas respondeu "no fulano, pois ele é um gato!" Devo ressaltar que, pela aparência, minha e delas, não eram moças que eu sequer pudesse abordar - se eu o fizesse provavelmente seria fulminado por monstruosos olhares de desprezo...
A maioria das pessoas acho que pensa política assim, tão racionalmente quanto escolhe com quem vai fazer sexo. E acho que é em parte por isso que estamos na situação atual, com as instituições públicas em frangalhos: ninguém parece querer realmente entender a ideologia que cerca este ou aquele político, muito menos o que significa ideologia. Todo mundo se guia pelas aparências e se deixa seduzir por princípes - e magos - que no fundo, no fundo, querem apenas um belo e polpudo dote...
Quanto a mim, nunca imaginei ser um príncipe, e por isso, vivendo ainda num pântano, tenho minhas simpatias por sapos, barbudos ou não.
(imagem: ilustração do século XIX para o conto dos Irmãos Grimm que dá título a essa postagem)
sexta-feira, 1 de maio de 2009
Primeiro de Maio
O mês de abril se passou e eu fiz muita coisa já, neste ano. E não foi tanta. Mesmo assim, hoje, feriado de Primeiro de Maio, um terço do ano se foi. Ainda tenho muito que ler, que ver, que escrever...
E eu só consigo me lembrar de Mário de Andrade e seu conto "Primeiro de Maio", com o personagem chamado 35 procurando o que fazer no feriado - também eu estou aqui buscando o caminho da minha vida, querendo sabe lá Deus o quê... Onde será o meu lugar? Na luz ou nas sombras?
(imagem: a Estação da Luz, em São Paulo, por onde passei muitas e muitas vezes, e onde se encerra o conto de Mário de Andrade)
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