domingo, 17 de maio de 2009
Observatório da imprensa
Domingo. Acordo cansado, sem muita vontade de sair da cama, por conta do frio fora dela. Mas, enfim, vou para o banheiro e depois para o desjejum. Na garagem, o jornal me espera. Metade dele, ou mais, é de anúncios, de carros, casas, empregos, negócios e eoportunidades, e eu não quero comprar nada - ou seja, o jornal não é escrito para alguém como eu.
Na verdade, eu não gosto de ler jornais: o ponto de vista presente neles não é o meu, a lista de prioridade de assuntos não é a minha: um caderno inteiro para economia e outro para política parece, para mim, uma aberração, algo que me dá certo nojo. É isso mesmo: eu, professor universitário, com doutorado, mais de uma graduação, não gosto de ler jornais - eles me dão azia.
E o jornal de hoje, só aumenta essa sensação de estranhamento. Na capa leio uma manchete em que o jornal se vangloria de ser considerado o melhor pelas classes A e B. Definitivamente, não é um jornal para mim. Eu, tão educado, vivo na periferia, numa casa velha que foi a única que minha capacidade de financiamento me permtiu comprar.
Na revista que vem com o jornal, cartas de engenheiros, designers, publicitários, gente que num mês deve ganhar mais do que eu ganho num semestre, gente que coleciona pinturas (outra matéria da revista), que aplica na bolsa, que provavelmente tem mais - muito mais - de cinquenta mil reais na poupança (assunto que os jornais acharam muito importante) e acha um absurdo pagar mais impostos por isso. A elite: este jornal - acho que todos os jornais - falam da e para a elite, alimentando as opiniões dela com opiniões dela, numa enorme caixa de ressonância.
Na última página de texto do jornal, me chama a atenção uma entrevista com alguém que discorre sobre como Hitler e o nazismo puderam florescer na sociedade alemã: "Podemos afirmar que as Forças Armadas, os grandes empresários, os grandes proprietários de terra e os altos funcionários apoiaram Hitler durante muito tempo"... Ou seja, a elite permitiu e apoiou o crescimento do nazismo. A elite, a mesma que hoje se julga única detentora da razão e da verdade, os últimos bastiões da civilização conta a barbárie representada pelo povo...
Eu, na minha estupidez, vejo que não pertenço a este mundo: pelo dinheiro que tenho e ganho, não pertenço à elite, pela educação que tenho e busco, não pertenço ao povo. Mas, diante da impossibilidade de ser neutro, fico com meu pai, migrante nordestino, e minha família de periferia, impressos em minha aparência de morador do fim do mundo. Eu fico com o povo - e por isso mesmo os jornais, hoje, e sempre, me dão azia.
Para dizer a verdade, acho que prefiro a poesia:
"Eu insulto o burguês! O burguês-níquel,
o burguês-burguês!
A digestão bem feita de São Paulo!
O homem-curva! o homem-nádegas!
O homem que sendo francês, brasileiro, italiano,
é sempre um cauteloso pouco-a-pouco! "
Isso foi escrito há quase cem anos, e acho que foi devidamente esquecido pela burguesia paulistana...
(imagem: uma rotativa, que representa o jornalismo moderno para uns, e que para mim representa o capitalismo, pura e simpelsmente)
Assinar:
Postar comentários (Atom)
6 comentários:
Dedalus,
os sociólogos criaram o termo "indústria cultural" para explicar todo o processo de produção de mercadorias culturais na sociedade capitalista.Todos os produtos culturais são massificados e padronizados.Jornais inclusive... e servem a uma classe dominante..
Mas do me ponto de vista, essa indústria não é a personificação total do mal.Há mercadorias interessantes, depende do olhar do espectador. Assisti ao filme " Star Trek" Adorável. Relembrei da minha adolescência, revi aquela cabine de comando multicultural (atualíssima nos tempos de globalização) E o espaço estava lá... a fronteira final..
Um abraço.
Ruth
Cara Ruth,
Mas não é assim que o mal age, mostrando-se interessante? É como na música dos Stones, "Sympathy for the devil": "Let me please introduce myself//
I'm a man of wealth and taste//...//So if you meet me//
Have some courtesy//
Have some sympathy, and some taste".
Um abraço!
Caro Dedalus,
ok, você venceu. Eu estou realmente dominada pelo mal.
Um abraço!
Ruth
Cara Ruth,
Eu não venci nada, não: eu também estou dominado pelo mal. Quem venceu mesmo foi o capitalismo, irremediavelmente.
Um abraço!
Dedalus,
sim, o capitalismo domina. Mas não siginifica que seja eterno. O Francis Fukuyama acredita nisso. Eu ainda aposto no Karl Marx. O capitalismo vai ser superado.
Um abraço.
Ruth
Cara Ruth,
Nada parece ser eterno: até mesmo estrelas morrem, mas isso leva milhões ou bilhões de anos. O capitalismo incita as paixões animais humanas e por isso mesmo é difícil de ser vencido. Eu não acredito muito na nobreza do ser humano, logo não aposto muito na superação coletiva do egoísmo: a maioria de nós é capitalista não por convicção, mas por instinto cego e puro, e assim continuará por bastante tempo ainda.
Um abraço!
Postar um comentário