sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Desvendando o nosso lar


É, eu fui assistir "Nosso Lar". Fiquei sabendo depois que minha mãe adorou. Como eu não sou minha mãe, minha opinião é diferente, bem diferente.

Como cinema, o filme é fraco. Boa fotografia, boa produção, bons efeitos, música legal - e um ritmo modorrento. Ideologia religiosa empurrada com imagens bonitinhas - e só. Aliás, tudo muito bonitinho, especialmente o uso de Beethoven.

Como não sou adepto do espiritismo, assumo que as idéias presentes em "Nosso Lar" saíram da cabeça do sujeito que escreveu o livro (que, aliás, eu li). "Magnetismo" movendo "aerobuses" (será assim o plural da palavra?), montanhas espirituais acima da Terra, ministérios múltiplos, tudo me parece só uma visão utópica ingênua, ingênua... Faltou mostrar no filme o ensino de esperanto, que até onde me lembro era praticado em Nosso Lar, e não serve para nada na Terra.

Supondo que Chico Xavier inventou tudo, de onde ele tirou as idéias? Talvez de uma mistura de cristianismo com ficção científica do século XIX e começo do século XX. Talvez de uma alma romântica e sonhadora, que precisava acreditar num futuro melhor. Talvez de um espírito que o guiava. Sei lá. Só sei que nesse idealismo todo há a necessidade de muros, casas e famílias, o que, para mim, é triste. Se é para ser espírito desencarnado, eu iria tentar ter a liberdade dos lírios do campo, que não tecem nem fiam... E não é preguiça, não. São Francisco de Assis viveu, em carne e osso, sem nada, ou com muito pouco: por que eu, sabendo-me espírito, não iria tentar o mesmo?

E além da falta de desapego às estruturas terrenas, o que mais me incomoda na utopia de Chico Xavier é a falta de estudos: no filme, ninguém aparece estudando nada, a não ser histórias e dramas familiares. O próprio André Luiz é encorajado a estudar na prática, e alguém lhe diz, num arroubo antintelectual, que diplomas - da Terra - não valem nada.

Mas é assim mesmo o espiritismo. Os textos, em geral, não têm uma única expressão matemática. Ciência exata, nada; toda a preocupação é, no máximo, com a medicina. Os espíritos livres do corpo e ninguém se põe a pensar em álgebras e equações, ou na estrutura da natureza do mundo espiritual. Só tagarelices de psicólogos de botequim, ou floreios de filosofias de auto-ajuda, ou poemas e romances...

Talvez seja fácil entender o porque do protagonista ser um médico: na ânsia de apresentar uma visão científica, Chico Xavier escolheu alguém que representasse a única ciência que ele, homem simples do interior do Brasil, devia conhecer ou respeitar - a medicina. Pena: ciência é mais que isso, muito mais, e um cientista de ciência básica teria muito mais a dizer que um médico. Mas Chico Xavier provavelmente pouco sabia de ciência de verdade.  Os espíritas, e sua literatura, em geral, pouco sabem de ciência (é, eu li quase toda a coleção de André Luiz, e muito Kardec, Chico e Divaldo e Zíbia e outras tantas obras do panteão espírita).

A literatura espírita está cheia de jargões pseudocientíficos: fluidos, energias, vibrações, magnetismos, dimensões... Nada além de palavras vazias, que revelam o desconhecimento. Ou o desejo de usar uma roupa mais bonita.

Enfim, eu gosto - gosto mesmo - da idéia de que a vida continua após a morte (de que há uma lei de conservação da consciência, por exemplo), mas ainda não vi quem a apresentasse de forma consistente, em coerência com a ciência contemporânea. O que eu vi, nesse "Nosso Lar" inclusive, foi um festival de doutrinação cristã, com farta distribuição de produtos adocicados e coloridos que agradam pessoas cheias de desejos e esperanças, mas que não sobrevivem a uma análise madura (de que material é feito o mundo espiritual? átomos? campos? matéria escura? neutrinos? WIMPs? não dá para dar nenhuma dica? não tem nenhum relato feito por espíritos que estudam isso?).

Pena.

(imagem: o título desta postagem vem de um livro que vi exposto numa livraria para aproveitar o sucesso do filme; a imagem é de um selo comemorativo dos Correios, com Chico Xavier - ele tinha problemas de visão?)

9 comentários:

Anônimo disse...

Tudo nos Universos e outras dimensões muito provavelmente seria feito de algo que, ultimamente, tem sido nomeado de CORDAS ou SUPERCORDAS, e ainda uma mistério para muitos cientistas contemporâneos. Quando algo existe, e não foi ainda estudado seu mecanismo estrutural de funcionamente e também não recebeu nomeação terrena, não significa que deixa de existir por isso, já pensou nisso? No passado, muitos reproduziam fenômenos sem terem consciência do que eram e como explicar, não deixando, por isso, de continuarem em frente com o que era mais importante para eles naquela circunstância. Talvez ocorra algo similar no que terrenamente chamamos de MUNDO ESPIRITUAL, ou seja, vários fenômenos e novos materiais e/ou energias se manifestando e atuando sob uma DIREÇÃO MAIOR, maior mesmo do que daqueles que o dirigem. Pense nisso.

Dedalus disse...

Caro Anônimo,

Obrigado pelo conselho ("Pense nisso.") e pelo comentário, mas creio que você também deveria pensar mais, em especial no que você escreveu, já que seu texto não faz muito sentido.

Cordas ou supercordas, outras dimensões? Me desculpe, mas não adianta pegar palavras que soem bonitas aqui e acolá e enfileirá-las para se passar uma mensagem: é preciso ter uma mensagem a passar. Papagaios também sabem usar muitas palvras, mas o que eles dizem é só repetição sem muito sentido.

Enfim, eu não disse - em parte alguma - que algo que nunca foi descrito não existe. As coisas podem existir independendente de nós as conhecermos. O que eu disse, e repito, é que parece que nenhum espírito - ou espírita - é capaz de ir além de explicações que não explicam nada... Parece que os desencarnados esquecem a curiosidade científica completamente, enquanto os espíritas encarnados ficam só na crença sobre "direções maiores" e coisas afins: cadê as explicações, cadê a ciência?

Um abraço!

Anônimo disse...

Nossa, que cara ignorante. Vai estudar física e tu vai saber o que são as supercordas. Acorda pra vida, a ciência está mudando, vai ficar preso nos antigos paradigmas?
Ainda acredita que a terra é mesmo o centro do universo e tudo gira ao redor dela? Não? Porque?

Dedalus disse...

Caro Anônimo,

Obrigado pelo conselho ("Vai estudar física e tu vai saber o que são as supercordas.") e pelo comentário construtivo. Apesar de saber que sou ignorante, não sei se realmente eu devia estudar mais física, já que tenho um doutorado em física, e sou professor dessa área em uma universidade pública. O que eu posso dizer? Ah, já sei: quando vejo a palavra paradigma, usada por quem quer que seja, só tenha mesmo é vontade de chorar...

Um abraço!

maria de fatima a de oliveira disse...

eu naum assisti o filme mas aprendi que naum e preciso ver para crer eu creio no que o filme e uma inspiracao de alguem iluminado sempre admirei chico sem conhecer e sempre acreditei nele sem ter precisando dele mas hoje gostaria que ele estivesse entre nos.apenas li um livro dele e foi o suficiente para admira-lo me sinto orfao tenho pena das pessoas que fazem esses cometario eis o misterio da fe.maria de fatima a de oliveira

Anônimo disse...

Olha, eu não vim tentar explicar ou responder as perguntas que você faz no seu texto, pois não tenho essas respostas e até gostaria de saber.Mas acho que se fosse necessário saberia. O que lhe venho dizer é simplismente que você olhou todo o filme a história como um cético , o que é normal maioria das vezes, muitas pessoas não tem essa fé dessapegada como ensina a doutrina espírita, uma fé que signifique razão. Mas você não pode dizer que Chico inventou toda aquela história somente porque você não acredita, se você olhar todas as vidas que mudaram com as psicografias de Chico, com seus livros , com sua pessoa acho que você mudaria de opniao. Com todo respeito entendo seu ponto de vista e ceticismo colocado , mas as vezes a gente precisa acreditar para entender.

Dedalus disse...

Cara Maria de Fátima e caro Anônimo,

Obrigado pelos seus comentários.
Mesmo sem ver vocês acredito que vocês sejam pessoas cheias de fé: parabéns. Mas mesmo sem conhecer nenhum muçulmano também acredito que existem muçulmanos que têm tanta fé quanto vocês (ou até mais). Assim, só olhando pela fé de vocês, e pela de outras pessoas de outras religiões, como eu posso saber qual é a verdade?

Pois é, minha preocupação, como cientista que sou, é saber o que é "real" ou não, o que existe ou não, e eu acredito que a realidade pouco se importa com aquilo em que eu ou vocês acreditamos... O universo existe e está pouco se lixando para a fé de qualquer pessoa.

Pondo de outro modo, se eu quiser viver melhor no universo posso usar a fé e acreditar em explicações que façam com que eu e um punhado de outras pessoas nos sintamos bem, sem analisar essas explicações, ou posso trabalhar para entender o de verdade o funcionamento do mundo e me esforçar para usar esse entendimento em prol de todos: qual atitude é mais produtiva? Qual atitude pode levar a uma decepção profunda se minhas crenças estiverem erradas?

E para terminar, não creio que exista isso de acreditar para entender: o que existe é acreditar e, por acreditar, achar que entende... O entendimento real não tem nada a ver com crença, e muitas vezes vai contra ela.

Um abraço!

Anônimo disse...

VAI ESTUDAR FÍSICA, DEDALUS!!!

Ou, se preferir, Antropologia...

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(...) Uma primeira categoria de espíritos mágicos é constituída pelas almas dos mortos. Há até magias que, ou por redução, ou por originalidade, não conhecem outros espíritos. Na Melanésia ocidental, recorreu-se, na cerimônia mágica e na religião, a espíritos denominados tindalos, que, na sua totalidade, são almas. Todo moroto pode tornar-se tindalo, se manifestar por um milagre ou um mal feito, etc. (...) O mesmo ocorre na Austrália e na Amárica, entre os cherokee e os ojibway. Na Índia antiga e moderna, os mortos, ancestrais divinizados, são invocados na magia; mas, nos malefícios, invocam-se de preferência os espíritos de defuntos para os quais os ritos funerários não foram ainda perfeitamente cumpridos, dos que não foram sepultados, dos que sofreram morte violenta, das mulheres mortas ao darem à luz, das crianças natimortas (...) Em regiões gregas, ainda uma outra clasee de defuntos fornece auxiliares mágicos: é a dos heróis, ou seja, dos mortos que, em alguns lugares, são obejto de um culto público (...) Esta curta exposição mostra que os mortos são espíritos mágicos, em virtude de uma crença geral no seu poder divino, ou em virtude de uma qualificação especial que, no mundo dos fantasmas, lhes concede, com relação aos seres religiosos, um lugar determinado.

Marcel Mauss, Esboço de uma Teoria Geral da Magia, 1902.

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O Espiritismo é mais um fenômeno social, os quais são super enraizados na história dos povos. Não adianta tentar convencer ninguém... o máximo que dá é para observar....

KNX

Dedalus disse...

Caro KNX,

É mais ou menos isso mesmo: os espíritas vivem no mundo feliz do pensamento mágico, em que o conhecimento não é necessário: "até gostaria de saber. Mas acho que se fosse necessário saberia."

Um abraço!