sábado, 3 de maio de 2008

Como vejo o mundo (2)


Na última quarta, antes do feriado de primeiro de maio, tive uma conversa com um amigo, físico com doutorado em gravitação, que desanimado, se queixava da falta de perspectivas em sua área de trabalho. Trabalhando praticamente na mesma área que ele, não tive muito o que lhe dizer.

Na verdade, lembrei depois que eu poderia ter dito que já tive essa conversa antes
com outro amigo, há mais de dois anos atrás, a uns mil quilômetros daqui, ou seja, quase em outro mundo. O tom era o mesmo, dejà vu puro.

A ciência tem modismos, como qualquer outra atividade humana. A maioria das pessoas que faz ciência não a faz por motivos mais nobres - a pratica por ser um modo de viver, como fazem os açougueiros, lixeiros, padeiros, pescadores, e todo o resto dos profissionais do mundo. Há uma atração pelas carreiras que rendem mais, seja status ou dinheiro ou ambos, e em especial, pelas carreiras que rendem mais com menos esforço.

Estudar gravitação é difícil: a teoria da relatividade geral não é simples. Pior: não há aplicações para o cotidiano, que, falando de gravidade, é muito bem explicado pelas leis de Newton. Para piorar ainda um pouco mais: os outros físicos, que não trabalham com gravitação, não acham a relatividade importante, e acho até que não gostam dela. Então, afinal de contas, para que estudar ou ensinar relatividade?

Bem, eu me aproximei desse "negócio" com uma única motivação - pelo conhecimento, puro e simples. Nunca me passou pela cabeça se iria me render bolsas de pesquisa, reconhecimento, dinheiro, estudantes e etcetera e tal. Eu nem mesmo tinha certeza se iria conseguir um emprego - na verdade, eu achava que não iria. Hoje, sortudo, posso me dedicar ao que escolhi. Aprendo devagar, o assunto é árduo, complicado (ao menos para mim). Mas faço o que posso, sem pressa, buscando entender um pouco a natureza, coisa que muitas vezes admito que não consigo.

Não consigo me ver pesquisando em áreas aplicadas - matéria condensada - ou em mecânica quântica, para citar dois exemplos: meu amor é a teoria da gravitação, e ponto. É um amor de poucos, que rende pouco, e eu aceito as conseqüências disso. Não posso fazer diferente, senão não seria eu mesmo.

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Gosto de um tipo de música que é pouco ouvida no Brasil. Assim, os álbuns do meu grupo preferido não são lançados por aqui, e um álbum importado custa os olhos da cara. Também não tenho a possibilidade de ver shows, a não ser, hoje, pela internet. Quando eu falo que gosto desse tipo de música, é como se eu falasse para as paredes, e eu corro o risco de ser visto como uma espécie de aberração. No entanto, não posso gostar de outra coisa: eu não seria eu se o fizesse.

Na última aula da disciplina de ecologia, o título era "Coevolução e mutualismo". O livro-texto que eu uso como base, "A economia da natureza", começa discutindo o assunto com um exemplo do sistema vírus-do-mixoma e coelhos, na Austrália. Eu comecei a aula com um texto retirado da página oficial de meu grupo preferido, que tem uma música chamada simplesmente "Myxomatosis"...

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Quando Max Planck, o pai da mecânica quântica, fez sessenta anos, Albert Einstein, o pai da relatividade, fez um discurso que está presente em vários livros:
"O Templo da Ciência apresenta-se como um edifício de mil formas. Os homens que o freqüentam, bem como as motivações morais que para ali os levam, revelam-se bem diferentes. Um se entrega à Ciência com o sentimento de felicidade que a potência intelectual superior lhe causa. Para ele, a Ciência é o esporte adequado, a vida transbordante de energia, a realização de todas as ambições. Assim deve ela se manifestar! Muitos outros, porém, estão igualmente nesse Templo exclusivamente por uma razão utilitária e não oferecem em troca a não ser sua substância cerebral!"

É um texto antigo, mas acho que é válido até hoje...

(imagem: um coelho, alvo da mixomatose)

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