sábado, 27 de dezembro de 2008

As coisas são assim


Numa postagem sobre a África, eu escrevi que achava que nenhum africano tinha ganho um Prêmio Nobel - eu queria dizer da área de ciências, mas não disse e, de qualquer forma, eu estava errado. Um comentarista anônimo me corrigiu:

"Cohen-Tanoudji é Argelino. Agora se vc estiver falando da Africa sub-saariana creio que não há nenhum Nobel em física, mas há Nobel da Paz que creio ter maior valor."

Cohen-Tannoudji foi meu "professor" de Mecânica Quântica: quando cursando a graduação em física, eu precisava muito tirar uma boa nota na prova final de Mecânica Quântica I (ou II, não me lembro) e não me restou outra alternativa senão "queimar as pestanas" (essa expressão vem da época em que os estudantes para ler a noite tinham que usar velas). Fui à biblioteca e vários outros colegas já tinham tido a mesma idéia que eu, antes; assim, só restavam nas estantes os livros de Cohen-Tannoudji, que são grandes e volumosos, e em francês. Logo, acabei aprendendo um pouco (não muito, mesmo) das duas coisas, quântica e francês...

Eu tenho já decadas de vida e décadas de leitura; sei muita coisa, mas sei que o volume de coisas que não sei - e que nunca saberei - é muuuuuito maior. Portanto, em geral uso muito o verbo "achar" - dou freqüentemente a quem me ouve ou lê a chance de duvidar de mim, pois sei da minha ignorância. E agradeço quando alguém me corrige, como esse comentarista anônimo fez: obrigado!

E, bem, qual foi o Nobel que Cohen-Tannoudji ganhou? Eu sinceramente não sei. Apelo para a internet e descubro que ele ganhou o prêmio (de física, é claro) em 1997, junto com Steven Chu e William D. Phillips, por terem

"desenvolvido métodos de uso da luz de lasers para resfriar gases à temperaturas da ordem de µK e manter os átomos resfriados flutuando ou capturados em diferentes tipos de "armadilhas para átomos"."

Eu diria que isso é realmente cool...

Quanto a um Prêmio Nobel africano da paz, eu sabia dos srs. Nelson Mandela (prêmio em 1993, junto com o então presidente da África do Sul, Fredrik Willem de Klerk) e Kofi Annan (em 2001), estava esquecendo do bispo Desmond Tutu (prêmio em 1984) e não sabia nada, por exemplo, da sra. Wangari Maathai (prêmio em 2004). Há outros dois que encontrei numa busca rápida: Anwar Al-Sadat, então presidente do Egito (prêmio em 1978) e Albert John Lutuli, então presidente do Congresso Nacional Africano (prêmio em 1960). Fora esses há os de literatura: Nardine Gordimer (em 1991), J.M. Coetzee (em 2003), ambos sul-africanos, Wole Soyinka (Nigéria, em 1986) e Naguib Mahfouz (Egito, em 1988) - e há ainda Albert Camus (1957), que era argelino (ou seria francês? O jornal The New York Times disse, quando do anúncio do prêmio de literatura de 2003 para J.M. Coetzee, que só havia outros três africanos laureados - faça a conta com a lista acima...).

Mas o que eu queria ter escrito em minha postagem é que eu achava que nenhum africano havia ganhado um Prêmio Nobel da área de ciências, pois eu, pessoalmente, acho mais difícil ganhar um desses do que um prêmio da paz ou de literatura, por exemplo. Vamos lá: é mais difícil de ganhar pois a competição é beeeem maior e mais desigual, já que há muito mais cientistas em países desenvolvidos do que em países pobres e os comitês de ciência do Nobel, em geral e ao menos aparentemente, não fazem escolhas tão políticas e subjetivas quanto os outros comitês (note que eu posso estar falando uma grande besteira, mas sou sincero: isso é o que eu, cientista, sinto quando vejo a lista dos laureados com o Prêmio Nobel - alguém lê ou leu ou viu numa lista do tipo "1000 livros que você deve ler antes de morrer" algum livro dos escritores africanos citados aqui?).

Enfim, eis, para o bem e para o mal, minha ignorância exposta. Outras vezes errarei, e gostaria de ser corrigido quando isso acontecer (de preferência amigavelmente, é claro): errar é humano, e continuar no erro não é muito cool... Além, disso todo cientista deve admitir que pode estar errado, mesmo que isso não seja muito bom para sua imagem.

(imagem: um tipo de erro bastante comum nos dias de hoje)

3 comentários:

Anônimo disse...

Caro Dedalus

Infelizmente não tive aula com o Cohen-Tannoudji, mas tive a honra de ter com seu aluno, Jean Dalibard. Foi um momento muito importante para mim.

Dizem que o Cohen-Tannoudji é um excelente professor e que seu orientador Kastler também o era.

Infelizmente no Brasil não tem essa tradição de ter bons professores e bons pesquisadores ao mesmo tempo. Dois em um.

Talvez a culpa seja do ignorância dos alunos que temos.

Quanto ao prêmio Nóbel, acho que a escolha é política, veja Lattes, Bogoliubov, e do último Cabbibo.
Observe o quanto de recursos uma instituição de pesquisa recebe por ter um Nobel, é dinheiro em jogo.

Abraço

Dedalus disse...

Caro anônimo,

Não entendi muito bem o que você quis dizer com o fato de não termos bons professores que sejam pesquisadores estar possivelmente ligado à ignorância dos alunos: você poderia me explicar melhor?

Já quanto à política no Nobel, concordo contigo: há política em tudo. No enetanto, algumas decisões - e áreas - são mais políticas que outras...

Um abraço!

Anônimo disse...

Caro Dedalus

Talvez uma sala de bons alunos ascenda, no bom pesquisador, o bom professor que ele possa ser. Mas talvez. Não acha?

Abraço,