sábado, 13 de dezembro de 2008
Um curso de cálculo
Voltei correndo de Ribeirão Preto, onde fui participar de um encontro de blogueiros, e onde se discutiu para quê ou para quem divulgar ciência, e agora estou em uma sala de aula, aplicando uma prova de astronomia para uma turma de quase 40 alunos. Na prova anterior, com questões no formato de múltipla escolha retiradas de um livro-texto da área, envolvendo apenas conceitos mais ou menos básicos, sem nenhum cálculo ou conta por fazer, nenhum deles foi bem: a média da turma ficou abaixo de 2, numa escala que vai de 0 a 10.
A reclamação básica foi de que havia "pegadinhas", ou de que todas as alternativas pareciam muito iguais. De qualquer forma, a imensa maioria de meus alunos não conseguiu discernir o que havia de certo ou errado numa lista de opções, em que havia algumas opções muuuuuuuito erradas... Por outro lado, na primeira avaliação da disciplina, com questões dissertativas, eu recebi como respostas escritas, de diferentes alunos, "à noite a luz não consegue se propagar" e "a camada de ozônio fica na extratosfera".
Pois bem, no próximo período letivo não haverá astronomia. Irei para a mecânica clássica, onde as respostas envolvem cálculo, e onde eu já estive: da última vez apenas um aluno decidiu terminar o curso.
E assim caminha a humanidade.
(imagem: ensinar o quê para quem?)
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13 comentários:
Média abaixo de 2? Quantas alternativas por questão, cinco?
aff...
KNX
Ensinar não é fácil, especilamente qdo a escola e professores ruins têm feito o jovem "desgostar" do aprender.Pergunta: oq vc vai fazer de diferente já que seus alunos tiveram dificuldades com o conteúdo, da próxima vez que for ensinar astronomia?
Dedalus,
Desculpa intrometer-me novamente mas a Ana Paula pode ter chegado a um ponto importante.
Talvez uma escola deva ser encarada como um sistema dinâmico com algum tipo de retrocarga top-down. Ou seja, os alunos não são átomos livres (não correlacionados)mas estão sujeitos a macro-interações. Caso exista algum "sentimento coletivo" de frustração no aprendizado, isso tenderia a aparecer como mau desempenho individual.
Acho que pode SIM haver algum tipo de "tecnologia de ensino", ou ainda algum campo sócio-psicológico que a ser descrito dentro de um espaço de fases (uma pedagogia das populações, termodinâmica). A escola deveria ser gerida sistemicamente. Meu trabalho com falácias dedutivas (testes de Wason) já contém um pouco disso. No meu trabalho consigo antecipar a distribuição das respostas bayesianamente.
O que me espantou foi sua média ficar abaixo de 2. Ainda se os alunos fossem máquinas (o que não são, por isso é preciso ser especialista em humanos para se trabalhar no ramo), e sorteassem uma altenativa, a coisa podia flutuar até para acima; agora, para baixo, é triste.
Até mais,
KNX.
Caros Ana Paula e knx,
Bem, a avaliação na forma de testes (com cinco alternativas) já foi uma espécie de experimento, destinado a verificar o que os alunos sabiam sem que eles tivessem que escrever (já que eu vi, na primeira avaliação, que eles escrevem muito mal, e que têm dificuldades sérias em construir frases concisas e coerentes). Note-se que esse "experimento" foi feito em duas turmas distintas (a minha e de outro colega) e os resultados foram praticamente os mesmos. Logo, para mim ficou claro que os alunos simplesmente não leram nada do(s) livro(s)-texto, em parte por dificuldades de leitura (o principal texto indicado era em inglês, mas havia uma outra opção em português), em parte por preguiça mesmo (eu disponibilizei minhas transparências, e alguns alunos admitiram que só olharam para elas e não viram mais nada). Ou seja, o que eu concluo é que o problema não está exatamente no método de ensino usado pelo professor, mas principalmente na cultura que os alunos trazem, que é a de não estudar de forma sistemática e constante. Ler não é um hábito dos jovens de hoje, e eu acho que sem leitura não dá para aprender teoria e conceitos de foram rápida (claro, dá para aprender um monte de coisas com atividades práticas, mas nem tudo, e não em pouco tempo). O que eu vou fazer da próxima vez? Acho que vou cobrar a leitura dos textos indicados mais constantemente (para forçar a criação de um hábito de leitura); não vou disponibilizar as transparências (para não indicar que podem existir caminhos mais curtos); e, se Deus assim o permitir, vou escrever notas de aula: os alunos daqui não conseguem acompanhar inglês básico - e não parecem ter interesse em adquirir essa habilidade... No mais, aceito sugestões. Só para terminar, devo declarar ainda que vi alguns vídeos do History Channel, de uma série chamada "O universo" (encontrados na rede pelos alunos), e a conclusão a que cheguei é que se eles tivessem assistido os vídeos eles teriam ido bem nas avaliações; ou seja, nem ver algo na TV eles conseguiram.
Um abraço!
Dedalus,
Eu concordo plenamente que eles não leram. Agora, a origem do problema pode ser outra. Ando observando uma espécie de desmotivação coletiva, que se expressa na comunidade do ORKUT, no enorme números de trancamentos, e na noticia de que talvez não cheguemos a formar 1% dentro do perfil. A exceção virou ir bem e se formar no prazo certo: e muitos professores tem culpa nisso, pois acham mais bonito serem *rigorosos* do que serem *educadores* no sentido verdadeiro da palavra.
Quando eu era aluno eu sempre achei que uma das maiores covadias era colocar a culpa nos alunos, que são, afinal, o elo fraco da corrente. Virei professor mas o cerne moral da minha personalidade ainda não se alterou, graças a Deus. Quanto antes assumirmos a NOSSA ****parcela**** de culpa (pois evidentemente não é toda), mais rapidamente vamos minorar os problemas. Lembra-se do conto "Uma estória enfadonha" de Tchecov? O que seremos no final da careira? Velhos amargurados que culpam a nova geração por tudo? Deus me livre dessa condição. Eu quero morrer feito Goethe: LUZ, MAIS LUZ.
Há maus e bons alunos, pois trata-se de uma população. O pior que pode acontecer é desmotivar os bons, e todos passarem a serem vistos como maus. Vamos acabar caindo num fenômeno conhecido como "Learned Helplessness": quando as pessoas desistem voluntariamente de se comportar positivamente.
KNX
Que tipo de alunos vcs estão falando? É de colégio público onde eles estão por obrigação na sala de aula ou de universidade onde eles sabem o que querem?
Caro knx,
Quanto a virar um velho, não posso fazer nada: o tempo é soberano nesse assunto. Quanto a ser amargurado, concordo contigo: eu quero mais é luz...
A razão dos alunos terem ido - ou estarem indo - mal nessa ou naquela disciplina pode ser bastante complexa, mas como cientista eu devo usar inicialmente hipóteses simples baseadas no que observo. E o que eu observei foi falta de "dedicação" adequada, não só na minha disciplina ou nesse período letivo, mas na maioria das disciplinas, em todos os períodos. Os alunos não parecem saber o quanto e principalmente COMO estudar.
Eu não culpo só os alunos - há maus alunos e maus professores, como há maus policiais, maus políticos e etc e tal. Se eu sou um mau professor? Não sei. Talvez eu seja, dado o aproveitamento dos alunos que passam por mim. Mas - e talvez aí eu esteja sendo presunçoso - eu acho que o baixo aproveitamento dos alunos independe do professor: é uma questão cultural, sistêmica, macro, do ambiente em que os alunos vivem, onde a norma é não estudar e achar ir mal normal. Enfim, essa é a minha hipótese: nos tempos modernos, o "ideal" (dos alunos) é não estudar (de forma tradicional, sentado, lendo textos que podem ser chatos) e mesmo assim conseguir um diploma no final.
Acho que nosso público (e eu falo nosso no sentido mais geral possível, em termos da população brasileira) é esse, e não creio que vá mudar. Mas gostaria de ouvir outras opiniões.
Um abraço!
Caro Anônimo,
Eu dou aulas em uma universidade pública: os alunos daqui deveriam saber o que querem, mas eu duvido que a maioria saiba...
Um abraço!
Dedalus
Longe de mim dizer que vc é mau professor. Sua quantidade de créditos demonstra sua dedicação.
Mas de que adianta dar socos no ar contra a Zeitgeist do século XXI? A coisa tá de pena pro ar mesmo, mas é exógeno, out of our control. Porém, há fatores endógenos que poderiam ser melhorados:
1) Biblioteca + Cantina + Área de estudos instaladas no bloco hoje utilizado. Comida tem tudo a ver com livros e estudo;
2) Armários em funcionamento;
3) Menos indefinições nas matrículas;
4) Curso instrumental de idioma obrigatório na grade.
E por aí vai... Veja, isso depende de gestão, apenas.
Por falar em cientista, terceira máxima da moral provisória de Descartes:
"Procurar sempre vencer a mim próprio do que ao destino, e de antes modificar meus desejos do que a ordem do mundo". É isso que me mantém de pé. Caro amigo, o que vc faria se estivesse no meu (não-) lugar (o da filosofia, que não está no projeto pedagógico e que por isso não deve ter direitos, segundo interpretações de alguns). Você se enforcaria?
PARTE 1 (o mesmo texto coloquei no blog www.viveirodeideias.blogspot.com)
Enquanto posto delicio-me com um generoso pedaço de panetone e aqueço-me com uma xícara fumegante de chá. Pena que não possa estender ao meu leitor minha "merenda" a fim de tornar esta conversa em um cena típica de um momento entre amigos. Quero falar sobre o post anterior, o comentário do meu visitante Dedalus (http://dedalus-atlas.blogspot.com/) e seu último post em seu instigante e poético blog, e ainda as muitas conversas com professores que tenho vivido aqui em Lisboa. Dedalus, sim, o Rubem Alves não é um apreciador da escola. Mas é importante esclarecer que ele não aprecia a escola tal qual ela está organizada. Há um livro(A escola com que sempre sonhei, sem imaginar que pudesse existir) no qual ele descreve uma escola que ele aprecia muitíssimo, a Escola da Ponte, localizada aqui em Portugal. Ele critica o formato decoreba, as práticas que reforçam o "não pensar", a pouca ousadia do educador. Se a escola é para você Dedalus um lugar bom, é preciso considerar que o mesmo não acontece para a a maioria das pessoas. Normalmente quando inquirimos alguém acerca dos seus sentimentos com relação a escola e este declara ter boas lembranças, basta algumas novas questões para descobrirmos que esta pessoa gostava mesmo das situações sociais, estar entre amigos. Entenda, eu digo isso com profundo pesar, pois tudo que eu mais queria na vida era que as pessoas se interessassem espontâneamente pelo conhecimento, independente dos nossos esforços como professores. E para mim a escola deveria ser o espaço fomentador dessa empreitada formativa do homem, como a Skolé de Epicuro! Mas infelizmente nossos alunos encontram-se desmotivados. Uma pesquisa feita pela Fundação Getúlio Vargas no ano passado revelou que aproximadamente 45% dos alunos que se encontram fora da escola no Brasil o estão pois "não querem a escola tal como ela é". Se uma criança vê uma aranha caminhar sobre a água e pergunta para sua professora como aquilo se dá e ela diz "ah! isso é assunto para a oitava série" não há como pedir que nossos jovens mantenham-se curiosos. Se eles são ensinados desde cedo que existem repostas corretas e respostas erradas não há como esperar que eles sejam quetionadores. Se há uma curiosidade genuína própria do bicho homem (e eu preciso acreditar que ela exista!) a escola com seus mecanismos enquadadores tem mutilado muitos dos nossos jovens. Insisto que se para você isso não foi assim, lembremos que as pessoas são diferentes, não pode haver um só modelo para a diversidade de formas de pensar. Aqui em Lisboa eu tenho participado de discussões de professores que têm tentando encontrar "outros jeitos de ensinar" insatisfeitos com o pouco envolvimento dos alunos com os conteúdos. Hoje estive com uma professora que testou uma metodologia diferente para o ensino de "astronomia". Lógico que lembrei do seu post. Ela inquieta-se com a pluralidade de respostas e desempenhos. Convocamos autores diversos da educação para tentarmos compreender. E eu com meus botões sempre pensei: "meu Deus! astronomia é um assunto maravilhoso! a aula está pronta, basta olhar para o céu e dizer 'eu vou contar uma história'..." Mas didatizamos a poética do cosmos, e os alunos reconhecem o formato escola, e regurgitam como podem. Dedalus, seu método parece funcionar para os Dedalus presentes nas suas turmas, mas imagino que você queria "encantar de ciência" aqueles que vivem no desencanto, não? Então precisamos pensar outros caminhos, outras estratégias. Dedalus, você é um contador de histórias. Sua descrição do siri nadando em seu blog foi uma das cenas mais graciosas e revigorantes com que me deparei ultimamente. Não sei o tipo de professor que é, mas você fala com essa paixão com seus alunos? Você chegou a pedir que eles produzissem algum modelo, colocou-os em ação? Fizeram alguma saída para um observatório, planetário ou mesmo uma saída noturna? Que tal um blog sobre o cosmos gerido pelos alunos? Quando dei aulas na universidade também tive problemas com a leitura dos textos (é um problema geral). Costumava fazer uma síntese dos textos previstos para as aulas seguintes ao final de um encontro, uma síntese bastante enfática, uma espécie de "semeadura"....Falei demais. Espero que esta conversa continue.
Alguns dados: 1) Nossos jovens nunca leram tanto! Onde? Na web...; 2) Programas educativos sob o formato History Channel são rejeitados pela população por assemelharem-se as práticas educativas proprias da sala de aula.
PARTE 2
KNX, conte-nos "Uma estória enfadonha"...
Ana Paula,
Você é das minhas. Belo Post.
"Uma estória enfadonha" de Anton Tchecov é um conto grande, sobre um médico professor universitário. Você pode encontrar em diversas coletâneas de contos do autor.
Agora, para quem gosta de autocrítica sobre a docência, é bom ler "A liberdade em face da autoridade no ensino", de Bertrand Russell, que se encontra na coletânea "Ensaios Céticos", recentemente relançada em versão de bolso. Usei no meu curso de Psicologia da Educação, e causou aquele silêncio sepulcral, sagrado e desconfortável.
KNX
KNX, eu queria ver o re-contar da "estória". Vou ler oq causou o tal silêncio.
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