sábado, 14 de novembro de 2009

Inocência



É muito provável que eu, velho, não valha nada, como já não valia na juventude, e como já pareciam saber as pessoas daquele tempo. Mas, velho que sou, tenho algumas memórias que talvez valham algo.

Por exemplo, lembrei hoje de uma amiga, na época aluna do mesmo modo que eu, que demonstrava estar profundamente apaixonada por seu namorado. Numa noite ela foi buscá-lo na universidade com o carro dela, para fazer uma surpresa, e o encontrou deitado, na sala dele (ele era estudante de pós-graduação e tinha uma sala), com outra. Ela ficou tão arrasada que sumiu (parece que voltou para a terra natal dela, em outro estado) e, sinceramente, não sei se terminou o curso.

Bem, essa é só uma de minhas lembranças. Em outros tempos conheci outras moças que, levadas pela emoção e pela afetividade, também tiveram suas vidas muito alteradas (uma delas, na recuperação de uma desilusão amorosa, acabou se casando com um professor nosso que era umas dezenas de anos mais velho que ela, e que depois viria a ser meu reitor quando, é claro, já estava separado dela e casado com outra).

Eu, que um dia fui jovem e sensível, como essas moças também me apaixonei e tive o coração destroçado, mais de uma vez, tanto por moças quanto por fatos da vida, que me atropelaram sem dó. Já contei uma estória dessas aqui nesse blog, inclusive. Conto outra: uma vez, triste e deprimido, eu vinha num trem lotado do Brás até o ABC paulista, cabisbaixo, o peso do mundo quase me sufocando, quando olhei para as minhas mão e "vi" uma chama azulada saindo delas, limpa e fria, doce e contínua, como a me avisar que eu tinha uma alma ainda, apesar de tudo...

E hoje, numa conversa entre xícaras de café com um atual colega de trabalho, descobri que o rapaz que destroçou o coração de minha amiga fez isso com mais umas outras três moças, sendo uma delas a que estava deitada com ele, e sendo que outra delas, que eu não cheguei a conhecer, ficou muito abatida mesmo, como se o mundo tivesse acabado (pelo menos foi o que me contou meu colega).

Não sei, mas tenho quase certeza que nunca inspirei uma paixão dessas. Na verdade, acho que praticamente nunca inspirei paixão nenhuma. De paixão mesmo só sei da que tenho em mim, e das que tive no peito. E sei também que o mundo não acaba. Nem o meu "fogo" interior. Mesmo sozinho, provavelmente nunca desejado, eu tenho uma alma que ainda brilha na escuridão, iluminando nem que seja só o caminho em que eu sigo, sem ninguém além de mim para vê-la brilhar. Só espero que um pouco dessa luz, que passa por minhas mãos, permaneça em meus textos e meu trabalho, para que eles valham - e iluminem - mais que eu.

(imagem: embora eu não possa ser considerado um sábio por nenhuma das definições da palavra, acho que gostaria que valesse para mim uma frase de "Inocência" - "também os sábios possuem coração tangível e podem, por vezes, usar da ciência como meio de demonstrar impressões sentimentais de que muitos não os julgam suscetíveis")

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