O Brasil é um país muito grande e por isso mesmo poucos o conhecem bem. Eu já viajei um pouco por aqui e, assim, não me é difícil compartilhar o que vi de interessante - aliás, essa é a pretensão principal desse blog sem maiores pretensões.
Bem, eu já estive em Brasília, onde tive o prazer de visitar, entre outras maravilhas, o prédio do Senado Federal. Além da beleza da obra em si, o que me chamou a atenção, logo na entrada, foi uma parede do museu do Senado, onde havia uma sequência de quadros mostrando os ilustres senadores que já presidiram a casa: me lembro das fotos de Jader Barbalho, Antônio Carlos Magalhães, Renan Calheiros...
Porém, não foi em Brasília que aprendi como funciona a política no Brasil, mas sim em uma cidadezinha do interior, que poucos conhecem, chamada Brasília Nova: estive lá a passeio, há não muito tempo, e por muita sorte pude visitar a Câmara de Vereadores da cidade enquanto ocorria uma sessão nela. A cidade, por ser bem pequena, tinha o número mínimo de vereadores previsto em lei (acho que eram sete ou nove, mas apenas seis estavam presentes).
Por ser um município bem pequeno, Nova Brasília vivia de verbas do governo federal. Na reunião que vi, o grande assunto do dia era a decisão a ser tomada sobre o que fazer com uma verba extra enviada para o município, que permitiria a contratação de mais alguns funcionários para a cidade. A decisão de que tipo de profissional contratar havia sido repassada pelo prefeito à Câmara, em nome da democracia e, assim, a decisão tinha que ser tomada pelos vereadores.
A sessão foi aberta pelo presidente da Câmara - um político antigo, perseguido pela ditadura, mas que, com a mudança dos ventos, agora estava no poder - com a apresentação, em seguida, por parte dos vereadores da situação, da proposta de contratação de um contador e um advogado. A única vereadora da oposição - a única mulher da casa - subiu o tom: "mas nós poderíamos contratar um professor ou um médico!"
O presidente da Câmara, do alto de sua experiência, argumentou exaltado que a verba que a cidade havia recebido era pouca, e que contratar um professor e/ou um médico não resolveria os problemas da cidade, que eram muitos. Oras, se eles pudessem contratar dez médicos e dez professores, isso sim, mas um? Aliás, um médico na cidade iria era trazer um novo problema, pois não haveria onde ele ficar: a cidade não tinha hospital ou posto de saúde! O mesmo vale para o professor: onde ele iria ser instalado? E um hospital ou uma escola não podem ser feitos de qualquer jeito, com improvisações. Se o governo federal quisesse mesmo resolver os problemas da cidade mandaria verbas para dez médicos, dez professores, uma escola e um hospital. Ele já estava cansado de ver o governo federal prometer resolver os problemas e não fazer nada direito! Ele mesmo, como presidente da Câmara, enviaria uma carta às autoridades competentes dizendo isso. Por ora, porém, com o dinheiro minguado do orçamento da cidade, o mais adequado seria contratar um contador e um advogado para ajudarem a administração a usar sabiamente os recursos, poucos, de que ela dispunha.
E foi assim, depois desse discurso - e de uma votação simbólica, já que a oposição era minoria - que os trabalhos foram encerrados, e a cidade ganhou um contador e um advogado. Só depois, é claro, foi que eu soube que os vereadores da situação eram eles, todos representantes de famílias poderosas e influentes na região, todos bacharéis, contadores e advogados, enquanto a moça da oposição era uma simples professora. Na verdade a sessão da Câmara fora apenas
pro forma, pois as contratações haviam sido decididas antes, em jantares na casa do presidente.
Vendo isso me veio à memória uma passagem de um livro de Lima Barreto, "Recordações do escrivão Isaías Caminha", em que o personagem vai ver uma sessão do plenário da Câmara, no Rio de Janeiro, então capital. Fiquei com vontade de doar o livro à biblioteca da cidade, mas logo a vontade passou: lembrei que lá poucos devem se dar ao trabalho de ler.
(imagem: Brasília, a cidade real, na Wikipedia)