
Me lembro bem do clima da época, pois foi quando eu e ela - quem era ela não importa - tivemos uma discussão forte, imensa talvez por ser a primeira. Ela saiu intempestivamente do apartamento para a rua, e imediatamente começou a chover, uma tempestade surpreendentemente intensa, como há muito os paulistanos esperavam.
Foi também a nossa última discussão. Não consegui dormir naquela noite. Fiquei na cama semi-acordado, com a nítida impressão de que havia uma equipe de cirurgiões ao meu redor, arrancando cuidadosamente meu coração. Logo soube, porém, que eles haviam falhado: eu morri naquela noite, e meu corpo - sem cicatrizes - é testemunha disso. Nada demais, entretanto: morri outras vezes depois, é claro, e hoje só espero não morrer mais por ter descoberto que para morrer é preciso estar vivo.
Tempora mutantur, seja lá o que isso for, nos et mutamur in illis.
(imagem: Viajantes surpreendidos pela chuva, de Hiroshige, artista japonês do século XIX)
Nenhum comentário:
Postar um comentário