quarta-feira, 15 de agosto de 2007

Nosso lar

Ontem, na festa de aniversário de um amigo chileno, conversávamos sobre as diferenças entrte o português e o espanhol, e entre as diferenças do português falado em diferentes partes do Brasil. Em Cuiabá, por exemplo, não há peixes: há pêches...

Dizem que a pátria verdadeira de cada homem é a língua que ele fala. Talvez o modo de pensar de cada ser humano esteja ligado mesmo à lingua que ele aprendeu quando criança. Acho que em um livro espírita popular, "Nosso Lar", de Chico Xavier, essa idéia é levada ao extremo: o lar do título é uma cidade (uma "colônia") espiritual para os recém-mortos falantes de português. Fica a pergunta para algum espírita me responder: e os hindus? Terão eles outro tipo de cidade? E os índios? E os chineses?

Não sei quanto tempo o português irá durar. As línguas mudam e o próprio português não é uma língua de primeira geração, pois é filho do latim, e ele já apresenta algumas subdivisões - o português de Portugal, o do Brasil e o português da África. Mas pode-se imaginar facilmente um dia em que o português desaparecerá, ou especular sobre futuros alternativos onde ele sobreviverá como um dialeto de uma cultura minoritária. Um exemplo disso aparece no livro "Orador dos mortos", de Orson Scott Card, onde, após a descoberta por uma sonda de um novo planeta, os colonizadores do novo mundo foram "portugueses pela língua, brasileiros pela cultura, e católicos pelo credo", dando a essa nova Terra o nome de Lusitânia. Para mim é claro que a escolha de língua, cultura e credo nesse romance foram feitas pelo exotismo: para o escritor, que foi um missionário mórmon no Brasil, nada deve ter parecido mais alienígena do que o jeito de ser dos brasileiros.

De qualquer modo, eu não me vejo como amarrado ao português. Minha pátria é o Brasil, mas também não é nenhum lugar - antes de ser brasileiro, falante de português, eu sou humano. E entendo que o conhecimento e a 'verdade' podem ser expressos em qualquer língua. Infelizmente, porém, não tenho - nunca terei - tempo para ser tão poliglota quanto eu gostaria. Assim, concentrei parte da minha vida na aprendizagem da mais universal das línguas: a matemática.

Os sonetos de Shakespeare são lindos, tanto quanto os sonetos de Camões, mas um dia as línguas inglesa e portuguesa - e, principalmente, os homens - poderão ter se perdido, ou mudado tanto, que apenas uns poucos estudiosos os entenderão. No entanto, as leis da natureza continuarão sendo as mesmas que eram na época de Shakespeare e Camões. E em que língua se lê o livro da natureza? A resposta a essa pergunta foi escrita por Galileu, no início do século XVII:

"A filosofia encontra-se escrita neste grande livro que continuamente se abre perante nossos olhos (isto é, o universo), que não se pode compreender antes de se entender a língua e conhecer os caracteres com os quais está escrito. Ele está escrito em língua matemática, os caracteres são triângulos, circunferências e outras figuras geométricas, sem cujos meios é impossível entender humanamente as palavras; sem eles nós vagamos perdidos dentro de um obscuro labirinto."

A natureza é beleza pura, e descrevê-la, criando poesia eterna, que sobreviverá a línguas e povos, usando a matemática, é o objetivo mais nobre que eu imagino que um artista pode almejar. Mais do que invejar Fernando Pessoa, por ter escrito "navegar é preciso, viver não é preciso", eu invejo Einstein por ter escrito, quase na mesma época,






É pena que tão pouca gente esteja disposta a entender o que se esconde atrás dessa equação, mas é assim que brilham as estrelas, que iluminam o universo, nosso verdadeiro lar...



(imagem: Plêiades, em foto da NASA)

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