terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

Ether, OR


Quando mais jovem eu andava muito de ônibus e trem e metrô, para lá e para cá. Para aproveitar o tempo sempre carregava comigo alguma coisa para ler. Li muito assim. Uma das coisas que eu li, além da literatura "universal" clássica, era ficção científica. Eu tenho a coleção completa de uma revista de ficção científica, de vida curta, em português, chamada "Isaac Asimov Magazine". Eu comprava também a versão em inglês da revista, quando podia.

Mês passado comprei uma coletânea comemorativa de 30 anos da revista americana, em que há um conto sobre uma cidade que não tem localização fixa, "Ether, OR", de Ursula K. Le Guin, e onde encontrei o seguinte trecho (minha tradução):
"Eu nunca questionei, eu estava tão ocupada com as respostas, mas faço sessenta anos neste inverno e penso que devo ter tempo para uma pergunta. Mas é difícil fazê-la. Aqui está ela. É como se em todo o tempo em que eu estive trabalhando cuidando da casa e cuidando das crianças e fazendo amor e nos mantendo eu pensasse que haveria um tempo ou que haveria um lugar onde tudo fizesse sentido. Como se fossem palavras que eu estivesse dizendo, toda minha vida, em todos os tipos de trabalho, apenas uma palavra aqui e outra ali, mas finalmente todas as palavras formariam uma frase, e eu poderia ler a frase. Eu teria feito minha alma e saberia para quê.
Mas eu fiz minha alma e eu não sei o que fazer com ela. Quem a quer?"
Isso é um trecho de um conto de ficção científica, um gênero menor da literatura? Não! Isso é uma das melhores descrições da vida comum que eu já vi. E eu já li muito, muito mesmo. Mas devo estar velho: talvez por isso esse trecho, em particular, tenha me tocado muito.

Talvez também eu já tenha falado palavras demais esperando que elas façam sentido, mas não sei se fazem.

(imagem: Monte Hood, o ponto mais alto do estado do Oregon - abreviação OR - com seus 3 426 metros de altitude.)

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