sábado, 6 de outubro de 2007

As ruínas circulares


Às vezes, viajo por contas de congressos científicos ou por convites para seminários ou cursos. Às vezes vou longe, como esta semana, quando deverei ir a Cuiabá, mas também passeio ao redor de casa, indo a cidades como Águas de Lindóia e Campos do Jordão.

Por conta de um dessas viagens de trabalho, estive no ano passado em Atibaia. Ao lado do hotel sofisticado, onde participei de um congresso de um astronomia, me chamou a atenção a existência de um campo aberto com um conjunto de ruínas, muito próximas do prédio principal, a uns 500 metros do estacionamento. Fui até lá, e o clima do dia, sombrio, só contribuiu para ampliar a aura de desolação do local, onde havia sido uma casa, provavelmente com uma família: havia restos de brinquedos, e de muitas coisas mais. Na frente – ou seriam os fundos? – da casa uma bela árvore tinha ainda um balanço artesanal, de madeira e cordas. A casa aparentava ter sido destruída parcialmente apenas para que ninguém morasse nela. Imagino que o terreno devia ter sido comprado recentemente pelo hotel, e que qualquer que fosse o seu uso posterior, naquele momento o lote devia apenas ser esvaziado e esquecido.

De qualquer modo, ali, sozinho, por entre telhas quebradas, cacos de louças, restos de móveis e barro, com um vento gelado a trazer nuvens escuras, não pude deixar de sentir o que é a impermanência pregada pelos budistas. Toda vida ou construção, por mais sólida e complexa, é no fundo apenas uma mandala, pronta para ser destruída por um sopro.

À noite, no jantar, havia arroz com cogumelos. Mais tarde, sozinho em meu quarto, vomitei-o todo na pia do banheiro. E pelo dia seguinte todo não consegui sair do quarto, doente, com febre em cada fibra do corpo, recebendo de novo, por linhas tortas, uma humilhante lição de humildade.

Fui embora um dia depois, assim que consegui dirigir, com a nítida impressão de que um dos mais importantes seminários que aconteceram no congresso foi dado a mim, e a mim somente, em silêncio, pelas ruínas e pela minha experiência com a comida. No retorno a São Paulo, me peguei em plena Fernão Dias pensando que nunca se sabe o que se vai ver quando se viaja...

(imagem: mandala budista)

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