domingo, 11 de abril de 2010

Lettres sur les aveugles a l’usage de ceux qui voient


Um muito bom amigo, que é leitor deste blog, me disse, em particular, que o blog está "romântico". Corri para reler o que eu tinha escrito e não encontrei nada. Bem que eu gostaria de poder ser bastante romântico e escrever, entre ilustrações de flores e um fundo cor-de-rosa, algo do tipo
"Querido diário, ontem, apesar do frio, tive um dia ma-ra-vi-lho-so!"
mas não posso escrever nada assim, mesmo que descreva o que eu sinto.

Eu, em geral, não sou romântico. Todas as vezes em que tentei sê-lo, quebrei a cara, feio mesmo. Feio, pequeno e magrinho, eu não tenho o tipo físico, o "physique du rôle", para isso, e quando alguém me vê nessa linha já trata logo de mostrar o ridículo. Além do mais, eu sou um homem de ciência, primariamente. E homens de ciência devem ser sérios, no máximo poéticos, mas nunca românticos.

Entretanto, eu às vezes gostaria de me deixar levar pelo coração e escrever algo como ridículas cartas de amor ("Todas as cartas de amor são / Ridículas", não é mesmo?), como a que vai abaixo, escrita pelo francês Denis Diderot, e que pego emprestado de um blog que acompanho:
"10 de junho de 1759, Denis Diderot à Sophie Volland

Escrevo sem ver. Vim. Queria beijar tua mão e ir-me embora. Voltarei sem essa recompensa. Mas já não serei bastante recompensado, se tiver te mostrado o quanto te amo? São nove horas. Escrevo-te que te amo, quero ao menos escrevê-lo; mas não sei se a pena se presta a meu desejo. Será que não virás para que eu te diga e depois fuja? Adeus minha Sophie, boa noite. Teu coração então não está te dizendo que estou aqui. Essa é a primeira vez que escrevo nas trevas. Essa situação deveria me inspirar muitas coisas ternas. Sinto apenas uma, é que me é impossível sair daqui. A esperança de te ver um instante me detém, e continuo te falando, sem saber se estou formando caracteres. Em todo lugar onde nada houver, lê que te amo."
Eu queria mesmo ser capaz de escrever no escuro, iluminado apenas pelo meu amor, mas não posso: falta-me algo...

(imagem: Diderot, cara que, segundo a wikipedia, teria escrito "Não se retém quase nada sem o auxílio das palavras, e as palavras quase nunca bastam para transmitir precisamente o que se sente" e "Falando rigorosamente, só há um dever: o de sermos felizes"; o título desta postagem, "Cartas sobre os cegos para o uso daqueles que vêem", é tirado de um texto de Diderot - e o cego, bem, acho que sou eu)

2 comentários:

Anônimo disse...

Eu, ao contrário, sou romântica. Todas as vezes que tentei não sê-lo, quebrei a cara, feio mesmo. Solitária, egocêntrica e fria, encarnei o tipo independente, auto suficiente, mas, de repente... alguém me olha!? E, então, percebo... não tenho nada além do medo de uma desilusão! Quando menina, queria ser astronauta... mas as coisas nem sempre acontecem como desejamos. Também sou da ciência, sou mulher; e sei que homens da ciência são sérios, são no máximo poetas, mas nunca românticos. Queria sim deixar meu coração me levar, sem ter que fugir, sempre. Gostaria até mesmo se um dia viesse morrer por causa de uma ridícula carta de amor, mesmo sabendo que todas as cartas de amor são ridículas... Mas, morro sem ter vivido! Isso sim é ridículo, não é mesmo?

Dedalus disse...

Cara Anônima,

Não morra antes da hora, sem ter vivido: viva. Não dá tempo agora, agora, mas prometo que vou escrever para você, como uma postagem, uma memória antiga, meio que reprimida, que veio à superfície trazida por uma caminhada na avenida Paulista um dia desses: eu já disse que também quebrei a cara, mas não disse como (e onde a Paulista entra nesse processo)... Viver é perigoso, e não é preciso, e ninguém precisa ser ridículo, mas é muito bom, às vezes, ir à deriva, ao sabor dos ventos, deixando o coração por bússola: viver não é preciso, mas navegar é.

Um abraço!