quinta-feira, 8 de abril de 2010
Like a film, like a child
Houve um tempo em que a internet não existia. Também não havia DVDs ou TV paga. Música, eu ouvia em LPs ou fitas cassete. Eu era então jovem, talvez muito jovem e, é claro, vivia com os sentimentos e esperanças na superfície (e eu devia ser profundo como uma poça), pronto para me apaixonar por alguém ou algo.
Foi assim que encontrei, vinte anos ou mais no passado, numa sessão de cinema "maldita", que acontecia uma vez por semana numa sala do principal cinema de Araraquara, "Asas do desejo", de Wim Wenders. Fui rever o filme duas noites atrás, também numa sala escura, e - Deus! - tive que me segurar para não chorar...
O filme é lindo, com velocidade e fotografia que me fizeram lembrar muitas das razões que tenho para não ir ao cinema mais, hoje, mas dizer isso é óbvio. A história em si não é fantástica, mas há uma combinação, com diálogos, trilha sonora, e delicadeza que me puseram num estado de estupor que eu acho que não sentia desde...
Foi como se eu visse as coisas normalmente em preto e branco e, de repente, passasse a ver cores, de relance, como se eu estivesse perdido no mundo, observando tudo de longe, sem emoções, e, de repente, eu passasse a sentir. Foi como se eu voltasse a ter menos de vinte anos de novo. Foi... estranho, muito estranho, doce e amargo ao mesmo tempo, como se o filme tivesse a capacidade de me tocar como um violinista experiente toca o seu instrumento, arrancando dele notas que o violino não sabia que continha, como se o vento soprando numa poça fizesse a poça sentir frio.
E não foi só o filme, eu sei. Havia - há - algo mais, uma presença com a qual ainda não me acostumei, em tons que se confundiam, naquele instante, com a escuridão da sala de projeção, e paradoxalmente com uma luz tão cegante que se eu não tivesse me concentrado eu não teria conseguido assistir o filme... Não, não tenho, nem posso ter palavras para descrever isso, esse encantamento que me circunda, e que relembra muito o que me circundava mais claramente lá na minha juventude, mas é assim mesmo - palavras nunca dizem o essencial, pois o que é essencial não cabe nelas: em "Asas do desejo" o diretor parecia saber disso, e eu só fui lembrado disso pelo filme.
Voltei para casa, na noite fria, com a nítida sensação que tenho um anjo, que me atormenta. Antes de dormir, já debaixo das cobertas, sem conseguir pegar no sono, eu tive de escrever, e, infelizmente, não consegui escrever nem um décimo do que eu queria - usando meu celular, eu mal consegui por nele uma frase de um dos personagens: "Ich habe eine Geschichte"... Pena que eu não possa gritar isso por aí, aos quatro ventos.
(imagem: "Als das Kind Kind war, ging es mit hängenden Armen, wollte der Bach sei ein Fluß, der Fluß sei ein Strom, und diese Pfütze das Meer. [Quando a criança era uma criança, andava com os braços balançando, queria que o riacho fosse um rio, o rio fosse uma torrente, e esta poça o mar.]"; o título desta postagem vem de um artigo que encontrei numa revista dinamarquesa com um número inteiramente dedicado à discussão do filme...)
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3 comentários:
Olá, Dedalus :-)
Obrigada por sua visita a meu blog e pelo comentário.
De fato,as feministas brigam tanto quando certos homens dizem algo sobre elas (uma verdade), mas elas sempre repetem o mesmo comportamento. Desse modo, como se há de respeitá-las?
Lembro de um provérbio irônico que diz: "o espelho reflete sem falar. A mulher fala sem refletir". É exatamente isso que acontece a muitas delas.
Muito bonito seu post. Esses dias estão muito frios mesmo!
Um beijo
Com esse relato, impossível não ficar curioso para assistir esse filme.
Belas palavras, ótimo post!
Um grande abraço e obrigado pela dica de filme.
Cara Gigi,
Obrigado pela visita e pelo elogio. Quanto às mulheres, não creio que só elas falam sem refletir...
Caro Alessandro,
Obrigado pelo elogio ao post. Quanto ao filme, bem, cada pessoa é um universo: o que funciona em um, nem sempre funciona em outros. Um amigo meu dormiu durante o filme...
Um abraço!
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