terça-feira, 20 de abril de 2010

Nunca te vi, sempre te amei

Lendo minha última postagem, a achei um tanto quanto ridícula. Não sou jovem, não entendo de poesia e não sei dar conselhos. Se era para ser ridículo, melhor seria escrever algo ridículo como uma carta de amor. E a última vez que fiz isso - escrever uma carta de amor - acho que eu tinha menos de vinte anos... A carta nunca foi entregue: eu a queimei.

É bem de manhã agora, e estou descabelado, vazio, amorfo, ridículo. O pior de tudo é que eu sei que mesmo depois de tomar banho, me barbear (vou fazer isso hoje?), arrumar os cabelos, eu vou continuar do mesmo jeito, intrinsecamente ridículo: o espelho me diz isso.

Este espaço virtual é isso, um espelho. E eu descobri que é só com a figura do espelho que eu posso interagir. Ou seja, é por isso que eu escrevo. Não há mais nada que eu possa fazer. O meu mundo se resume a mim e meu espelho, e ocasionais devaneios: acho que às vezes eu penso ter visto algo além de mim na imagem em minha frente, mas velho como estou, eu deveria saber mais.

Pois é, eu escrevo aqui minhas reflexões. Um amigo achou que elas estavam românticas. Então, em homenagem a ele, vou ser romântico mesmo e vou escrever uma carta de amor hoje, mesmo não sabendo como começar. É claro que eu posso até ser capaz de sentir algo, mas meus sentimentos só interessam a mim: para quem eu escreveria? Mas pensando que talvez seja um exercício interessante, vou escrever uma carta genérica, endereçada a ninguém... Vamos lá, então:
Cara desconhecida,

Não sei porque lhe escrevo. Eu queria dizer muita coisa,  mas... Mas o quê? Não quero falar das coisas que vi em você, sua beleza, sua inteligência, seu charme, pois na verdade não te conheço. Tudo que eu conheço é o que eu pensei a seu respeito, e isso tem me deixado num estado de graça e, ao mesmo tempo, de desgraça: quando te vejo, quando te penso, com os olhos do pensamento, eu tenho uma epifania, um desvario, uma revelação, e eu sei que isso não pode ser real - não pode haver mulher no mundo que seja como eu te vejo, pois se houver todos os homens deveriam cair a seus pés como insetos ao redor da luz.

Desconhecida, você não existe, não pode existir, e ainda assim, você me destrói, por eu ter sido capaz de te imaginar. Eu sei que só existo eu, apaixonado, impossivelmente apaixonado pelo impossível - e isso é ridículo, tão ridículo como uma carta fictícia, escrita num mundo virtual, para ninguém. Mas o que eu sinto, o que eu tenho em mim, é algo tão imenso que não cabe em mim, e escorre pela minha pele, com meu suor, transborda pelas pontas de meus dedos. Eu preciso escrever que te amo, desconhecida, mesmo que você nunca vá ouvir.

O que eu sinto é amor? Não, é mais: é amor, desejo, é agonia - em mim há uma tempestade, cheia de fúria e ímpeto, sons e luzes, revolvendo o meu espírito. Eu não estou exagerando, mas só eu sei que não: só eu sei o que eu sinto. E eu nunca senti isso antes, e eu nunca disse ou escrevi nada disso a mulher nenhuma: nunca conheci, nem nunca conhecerei, uma outra mulher como você - afinal, você não existe.

É isso. Se cabe um resumo, ele é simplesmente "eu te amo", mas isso não basta, nunca bastou, nunca bastará. O que há em mim não cabe em poucas palavras, nem em muitas, nem em nenhuma. Caberia, talvez, em gerações de outros homens apaixonados, que virão depois de mim, mas pensando bem, todos os sonhos e sentimentos deles somados nunca farão uma pequena porção do que eu sinto...

Eternamente teu,

Eu.
(imagem: hoje também não tem)

3 comentários:

Anônimo disse...

ah…

eu arriscaria tudo:
o passado,
todo futuro
qualquer certeza
se pudesse pensar-me
existindo,
eternamente tua,
na duração do instante
dos teus pensamentos

mas,
revelando-me
não me verias com os olhos dos teus pensamentos

te destruiria...
me destruiria...

arriscaria tudo...

arriscaria tudo?
não,
não posso...

preciso existir,
preciso ser tua,
eternamente tua...
desconhecida...

Dedalus disse...

Cara Anônima,

Não sei o que lhe responder. Você, se colocando como uma desconhecida, me surpreende: eu não esperava nada além de um enorme silêncio, e aí surge você, com essa mistura de poesia e delicadeza.

E o que isso significa? Uma resposta? Uma brincadeira? Um diálogo? Há muitos modos de se dizer as coisas, e outros tantos de lê-las: aqui, agora, eu não sei o que ler...

Só sei que eu também "arriscaria tudo: o passado, todo futuro
qualquer certeza", sem "mas": eu, como você, preciso existir.

Até mais...

Anônimo disse...

Era tudo que eu queria ter escrito, é tudo que eu sinto, era tudo que eu queria ter pensado, é tudo que eu sou, era tudo que eu queria ter, é tudo que eu imagino. E não há outro alguém como você capaz de escrever isso, porque se houver minhas chances de encontrá-lo se dobram. E eu não quero encontrá-lo, porque eu não posso encontrá-lo, porque tudo isso passaria a não mais existir.

E precisamos existir!"mas" eu não posso encontrá-lo.

Você é meus sonhos e agora eu sou tua, eternamente tua. Não te conheço e te amo, sempre te amei, sempre poderei amá-lo para sempre. Você foi o único capaz de dizer: eu te amo, como nunca ninguém te amou.

Algumas mães dizem a teus filhos: você é nada mais que ninguém! Sabia que sendo Ninguém encontraria Nada como você.

Dentro do Nada, o Mundo.

Há o vazio. O vazio não contém nada, mas o nada.. ah o Nada contém você que para Ninguém és tudo que Alguém queria 'não' ter.


Eternamente tua desconhecida, ninguém ou nenhuma mulher