sábado, 17 de abril de 2010

Planetas solitários


Li hoje, no jornal que eu assino, que, baseado num estudo sobre estrelas do tipo anã branca, pode-se concluir que planetas rochosos - do tipo da Terra e seus vizinhos mais próximos - devem existir em grande quantidade: a manchete era "Planetas rochosos são bilhões, diz estudo" (uma outra versão da mesma notícia pode ser encontrada na internet).

Uma estimativa do número de planetas é bastante importante para que se possa avaliar o quão comum é a vida no universo. Será que só existe vida na Terra, porque a Terra é um tipo raro de planeta? Essa, é claro, não é a única pergunta que se pode fazer - será que, mesmo a Terra não sendo uma espécie exótica de planeta,  a vida seja rara e tenha aparecido aqui apenas por acaso, por uma série quase improvável de coincidências? - mas é uma pergunta importante.

Eu, atualmente, estou organizando material para um curso que começará em maio próximo, e por conta disso estou lendo alguns textos de astronomia. Eu tenho que terminar de preparar um textinho sobre astrobiologia, e acordei pensando nisso, hoje. Qual seria a probabilidade de eu encontrar no jornal de hoje, que quase não fala de ciência, uma matéria sobre o assunto?

A mais famosa equação da astrobiologia - "novo nome para uma antiga busca": "o que anteriormente era chamado de exobiologia, bioastronomia, cosmobiologia, xenobiologia ou exobotânica" - conhecida como equação de Drake, é apresentada, no livro "Planetas solitários", de David Grinspoon (de onde saíram as citações anteriores), com uma analogia: "a equação do encontro amoroso".
"Digamos que você é uma pessoa solteira que está indo para um grande baile e gostaria de sair de lá com um encontro amoroso para o final de semana seguinte. (...) Antes de entrar, tenta calcular as chances de ter sorte. Começa tentando adivinhar o número total de pessoas na festa."
Acho que já deu para passar a idéia: hoje nós, cientistas, estamos tentando adivinhar quantas pessoas pode haver na festa. Não é uma tarefa fácil. O primeiro obstáculo a superar é o da nossa ignorância intrínseca, mas esse não é o único: e se a vida no universo depender de coincidências?

Imagine o seguinte: quais são as chances de encontrar um amor na sua vida? Provavelmente não muito baixas, já que homens e mulheres buscam companhia. Mas quais são as chances de encontrar alguém que realmente seja afinado com você, que lhe complete de verdade? Nesse caso, a probabilidade é menor, mas se você procurar bastante pode facilitar as coisas. Imagine, porém, que você deve, idealmente, achar essa pessoa antes de você ou ela estarem já comprometidos, que vocês devem se aproximar um do outro, que devem reconhecer um no outro as afinidades... Você consegue estimar o número de encontros necessários para que isso ocorra com certeza?

Vou piorar a situação: pense que, contra todas as probabilidades, você encontrou a pessoa que parece certa, mas não sabe como convencê-la disso. De repente, pensando nesse seu dilema, você encontra no chão um pedaço de papel que fala desse seu problema - uma antiga figurinha, por exemplo, da série "Amar é...", lançada, se não me engano, na década de 80: qual é a chance disso acontecer? Pura coincidência? (Achei uma figurinha dessas essa semana, saída sei lá de onde, e não sabia o que fazer com ela. Se eu estivesse apaixonado, ia achar um sinal dos deuses, um milagre, um assombro...)

Quando se estuda a vida e suas origens, o problema está justamente aí, em distinguir o que é coincidência do que não é. As condições para o aparecimento da vida na Terra existem aqui por coincidência, como uma figurinha difícil ou um bilhete de loteria que por mero acaso vieram ter aos pés de alguém que sabia o que eles eram, ou a vida acontece sempre, como uma necessidade da natureza?  

A ciência ainda não tem essa resposta. Não sabemos se estamos sós no universo. Nosso planeta, por enquanto, parece ser o único lugar com vida num imenso - põe imenso nisso - deserto. Mas essa visão pode estar muito equivocada, pois só agora estamos tendo consciência das nossas limitações. Não fomos ainda a quase nenhum lugar: precisamos explorar mais.

A astrobiologia é isso: uma exploração especulativa das possibilidades que a ciência nos mostra. Uma exploração talvez até mesmo quase anti-científica, romântica: "exploramos o espaço por motivos românticos e idealistas" é uma frase que aparece na contracapa do meu livro. Eu, romântico e idealista, só espero que isso seja verdade, e eu não seja o único romântico e idealista vagando por aí...

(imagem: uma velha música dizia que "A gente tenta esquecer que todo mundo é uma ilha", mas ilha mesmo é o nosso planeta, "a milhas e milhas e milhas de qualquer lugar, nessa terra de gigantes")

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