quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

A glorious dawn



Sem comentários, senão este: a dica foi do Coletivo Ácido Cético. Divirtam-se!

terça-feira, 22 de dezembro de 2009

Suicide by star / Surface of the sun



É quase o fim de mais um ano. Mas não importa se é o fim ou o começo, sempre pode-se esperar mais: talvez um novo tipo de matéria, escura, tenha se mostrado levemente nas profundezas de uma mina, e talvez um reflexo do sol tenha revelado um novo lugar para se encontrar vida...

Quanto a mim, eu nunca soube quais das minhas esperanças iriam se concretizar, mas elas continuam aparecendo, dia após dia, ano após ano, na maioria das vezes apenas como possibilidades remotas ou meros devaneios, e sei que elas vêm porque preciso delas - eu, infelizmente, não consigo viver só do pão nosso de cada dia.

Enfim, há sempre um dia após do outro, e cada um com suas novidades: ontem acho que ouvi uma moça cantarolando algo que entendi ela me dizer que era Snow Patrol, e fui tentar saber o que era. Não, não é minha praia, mas vale para mim o que eles dizem: "I don't quite know / How to say / How I feel". De descritível, talvez, só esse meu desejo de muita luz... Com sorte, mergulho no Sol antes que ele se apague.

sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

Creep

Eu sou um homem ridículo e desprezível. Se eu não escrevi isso aqui ainda, pelo menos umas 750 vezes, eu não disse nada sobre mim. Eu sou nojento, repulsivo, com uma alma que é algo como o cruzamento entre uma lesma e um inseto horripilante, de incontáveis e disformes pernas, asas e apêndices, exalando um odor fétido, babando o tempo todo. Não, eu não sou nem bonito nem interessante de se ver.

E, embora eu fique tremendamente deprimido por ser um lixo de pessoa, me assombra muito que eu seja capaz de fazer ciência. Eu escrevo artigos, tenho idéias, faço pesquisa, vou a congressos, oriento alunos. No final, daqui a umas poucas décadas, quando eu estiver morto, enterrado e devidamente esquecido, se o resultado de minha pesquisa científica for útil, ninguém vai ligar para quem eu fui.

Eu sou um pesquisador da área de gravitação e cosmologia. Eu trabalho com a teoria da relatividade geral, procurando por soluções das Equações de Einstein (com maiúsculas mesmo), que descrevem como a matéria pode alterar o espaço e o tempo, numa escala que pode ser local ("gravitação") ou global ("cosmologia"). E para minha pesquisa pouco importa quem foi Einstein, se um santo ou um monstro, se judeu ou nazista.

A ciência é uma criação da mente humana que vai além dos homens, muito, muito além dos indivíduos. E para participar dessa empreitada basta querer. Creiam-me, é uma jornada de certo modo redentora, pois nela mesmo vermes miseráveis, como eu, podem dar alguma contribuição, encontrando assim algum sentido para vidas que de outro modo seriam apenas inúteis e ridículas.

Sim, provavelmente eu não seja digno de ser um homem, mas mesmo assim, sendo um cientista, ainda que pequeno e limitado, eu posso me esforçar para deixar algo de valor para o resto da humanidade: é minha única chance de salvar o pouco de bom que possa existir em mim. Até onde eu sei, nenhuma religião (e eu já conheci várias) abre esse tipo de porta.

(imagem: "Creep" é uma música da banda inglesa Radiohead, com o refrão "But I'm a creep, I'm a weirdo.What the hell am I doing here? I don't belong here" - acho que não há imagem que possa ilustrar isso...)

quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

Oscillate wildly



Palavras? Não tenho. Idéias? Nenhuma que preste. Hoje, simplesmente, não sei se devia estar aqui, se devia existir...

domingo, 29 de novembro de 2009

Era dos extremos



Outro dia, em setembro, a capa da revista Superinteressante destacava uma reportagem apresentando nova visão da Segunda Guerra Mundial. Nova visão? Como assim? De acordo com a revista, "Novos dados e documentos estão reeescrevendo a história do maior conflito da humanidade. Pra começar, agradeça aos comunistas por nos livrarem de Hitler."

Para o brasileiro médio, educado pela cultura cinematográfica dos Estados Unidos, pode parecer chocante ouvir que não foram os americanos que derrotaram Hitler. Para mim, leitor de Hobsbawm, a história é mesmo outra, há muito tempo.

Eu lembrei disso, em parte, por estar presenciando, na universidade onde trabalho, uma campanha eleitoral para reitor. E também por conta de uma discussão envolvendo uma acusação contra o presidente Lula, acusação surgida num texto escrito por alguém que disse que ouviu isso e aquilo, e que outros dizem que não foi bem assim.

Adeptos de um certo relativismo cultural e histórico gostam de afirmar que não há fatos, mas sim versões. Eu não sei se concordo, mas sei que há mesmo, muitas vezes, interesse em se contar diferentes versões de um mesmo acontecimento. Por exemplo, sai a notícia de que o político X foi flagrado, em vídeo, recebendo dinheiro vivo. O político X, em sua defesa, diz que recebeu o dinehiro, mas não era nada escuso: era para comprar panetones na campanha, ou coisa do tipo. Em quem se deve acreditar? Qual versão é a verdadeira?

Não sou dono da verdade. Mas sei de algumas coisas. Em geral, posso descrever bem alguns acontecimentos de que participei. Sei dizer o que eu comi no café da manhã, por exemplo; talvez minha esposa, que mora na mesma casa que eu, não saiba. Mas talvez eu não queira que ela saiba que eu flertei com a empregada (em tempo, para não assustar meus leitores: eu não tenho empregada!).

Enfim, há interesses e interesses. Me lembro que, com menos de dez anos, ao descobrir que todo mundo era interesseiro, egoísta e individualista por natureza, eu fiquei chocado. Só que, é claro, o choque existiu por eu não me considerar interesseiro, egoísta e individualista: eu esqueci, de propósito, que tinha o interesse de me mostrar a mim mesmo como mais bonzinho que o resto das pessoas.

Moral: sempre é bom andar "cum grano salis". Ceticismo faz bem à saúde, mas sal demais também causa hipertensão.

(imagem: um saleiro - "Vós sois o sal da terra. E se o sal perder sua força, com que outra coisa se há de salgar? Para nada mais fica servindo, senão para se lançar fora e ser pisado pelos homens." (Mateus, 5:13) )

quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Alguma poesia



Há alguma coisa muito errada comigo: eu quero só coisas impossíveis.

Eu não queria a rotina das três refeições por dia. Eu sempre quis a liberdade me alimentar quando eu estivesse com fome, de preferência com pratos repletos de poesia. Não, eu nunca quis o mundo, nem nada em particular deste mundo, mas mundos, além deste.

Eu quero, ainda, sonhar.

(imagem: "Mundo, mundo, vasto mundo")

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Gênio obsessivo



Marie Curie, cientista ganhadora de dois prêmios Nobel, veio de uma família de classe média baixa. O pai era professor, a mãe morreu de tuberculose e ela teve de trabalhar, em parte para se sustentar e em parte para auxiliar nos estudos da irmã mais velha. Essa história é bem contada nos primeiros capítulos do livro que usei para nomear essa postagem, "Gênio Obsessivo":
"Mas ela imaginava um futuro melhor. À noite estudava, e acordava antes das seis para continuar sua educação autodidata. Escreveu que estava lendo "a Física de Daniel, da qual acabei o primeiro volume; a Sociologia de Herbert Spencer em francês; Lições de anatomia e fisiologia de Paul ber em russo". Ela tendia para a matemática e a física e se esforçava sozinha para aprender as matérias que achava que precisaria saber quando Bronya [sua irmã] a chamasse. O pai lhe enviava com regularidade problemas matemáticos para ela resolver e aconselhava que ela ficasse estudando para não ficar para trás na vida. Aos dezoito anos, ela já "adquirira o hábito do trabalho independente": chegar às próprias conclusões, sem ser condicionada pelas percepções aceitas, mais tarde ajudaria em suas descobertas surpreendentes."
Isso era lá no arcaico século XIX, na distante Polônia. Hoje, no moderno Brasil do século XXI, dá para achar alguém parecido? Aliás, a poderosa elite intelectual brasileira produziu quantos ganhadores do prêmio Nobel mesmo? Nossos meios de comunicação, com seu famoso padrão de qualidade, produzem coisas como a "Menina Fantástica 2009", em que uma das participantes declara "Queria mais que tudo na minha vida ser a Menina Fantástica. Gosto muito de estar na casa e de todas as meninas. Não queria sair agora”.

No rádio, hoje pela manhã, ouvi Lulu Santos cantando
"Assim caminha a humanidade
Com passos de formiga
E sem vontade..."
De novo, acho que não tenho mais nada a declarar. Ah, não! Me enganei: no local onde trabalho há um conselho composto por uns dez professores e pesquisadores universitários eleitos entre os pares - embora houvessem candidatas, nenhuma mulher foi eleita como titular.

(imagem: eu olho para a senhora Curie e me lembro de que no Fantástico de ontem se falava de implante de silicone - é algo bem na moda, especialmente no Brasil)

domingo, 22 de novembro de 2009

Lua Nova



Eu já escrevi sobre "Crepúsculo" aqui antes, e na postagem imediatamente anterior a essa reclamei de ir a uma livraria para só encontrar coisas como "Crepúsculo" e "Lua Nova". Pois bem, meu amigo Hermenauta desencavou uma bela análise sobre essa série de livros para adolescentes, tão boa que eu deixo aqui um "resumo":
"A série Crepúsculo criou um surpreendente novo sub-gênero de romance adolescente: o pornô de abstinência, sensual, erótico e excitante."
"Os livros Crepúsculo fundem a perda de virgindade de Bella com a perda de outras coisas, incluindo seu senso de identidade e sua própria vida. Tal tratamento super-exaltado da abstinência reforça a idéia de que Bella é impotente, um objeto, um fato que é realçado quando se chega às cenas de sexo em "Amanhecer"."

"Edward tem todo o poder, enquanto Bella — e leitoras — romanceiam o homem perfeito que não existe."
Eu desconfiava que havia algo por trás desse negócio que é a venda de best-sellers para adolescentes, e acho que deve ser isso mesmo: vender para um bando de meninas ingênuas a idéia - que agrada a elas - de que pode existir romance sem sexo de fato (pode até rolar uma bolinação, uma pegadinha aqui, um toque ali, mas sexo mesmo, nananinanão). Tal idéia em si nem é tão ruim: só é irreal e infantil, tão irreal e infantil quanto achar que um vampiro pode ser um amante ideal.

Creio, porém, que há mais: parece haver motivações religiosas escondidas nas entrelinhas de "Crepúsculo" e suas continuações. A autora dos livros é mórmon, e - meninos, eu sei do que estou falando: fui batizado por eles e convivo com esse pessoal todos os dias - isso é, para mim, bastante assustador.

Em primeiro lugar, quem são os mórmons? Recomendo a leitura de "Pela Bandeira do Paraíso", livro de Jon Krakauer, mesmo autor de "Na Natureza Selvagem" (livro que deu origem àquele filme do adolescente que foge para o Alasca), onde se encontra um belo histórico dos mórmons. Eis o que escreveu alguém que comentou o livro: "Eu posso dizer com quase certeza que os mormons são meio doidos. As coisas que eles acreditam são da pá virada." A descrição desse livro no Submarino também é, digamos, interessante: "Um duplo assassinato praticado por mórmons fanáticos é o ponto de partida de Jon Krakauer para refletir sobre a natureza da fé e suas manifestações radicais. Ao tratar de temas como intolerância, violência, revelações divinas, poligamia e pedofilia. Pela bandeira do Paraíso reconta a história da religião mórmon e da eclosão de suas seitas fundamentalistas". Em tempo: o subtítulo do livro é "Uma história de fé e violência".

Em segundo lugar, eu posso deixar aqui minha opinião pessoal sobre os mórmons: eu não ficaria espantado se existirem de fato semelhanças entre a arquitetura da capital mórmon, Salt Lake City, e a arquitetura fascista (se não me engano, uma colunista da Folha de São Paulo apontou essa semelhança anos atrás).

Onde na série "Crepúsculo" entram as idéias dos mórmons? Há vários comentários a respeito, e um exemplo típico é uma lista que encontei na rede, no cache do Google, que é bem plausível. Deixo aqui apenas o primeiro item:
 "1. Os mórmons acreditam na deificação - você se torna um deus ou uma deusa através dos vários rituais e práticas deles. Certamente isso é o que os vampiros de Meyer's representam. Os deuses da Terra."
Por fim, repito aqui minha conclusão (que já estava lá em cima): isso é um negócio, feito para tirar dinheiro de meninas ingênuas, tal como eram o Menudo e coisas tais, mas é um negócio que acaba enchendo a cabecinha dessas meninas de idéias ridículas e infantis, o que facilita muito torná-las, quando elas crescerem, mulheres ridículas, infantis e manipuláveis. Pena: eu preferiria mais Maries Curies, mas vejo que é mais fácil encontrar vampiros (disfarçados de mórmons, talvez, ou vice-versa, ou sei lá...).

(imagem: uma vampira clássica, numa cortesia da wikipedia)

sábado, 21 de novembro de 2009

Em busca de um mundo melhor



Eu ando meio irracional estes dias. Por exemplo, sem mais nem menos me deu vontade de ler poesia. Mas não qualquer poesia, e sim João Cabral de Melo Neto. Fui ao shopping mais próximo de minha casa, que se gaba de ter "mais de 63 mil metros quadrados" e receber "mensalmente 1,3 milhão de clientes", e na única livraria existente lá, recém-reinaugurada, entre prateleiras e bancadas repletas de coisas como "Crepúsculo" e "Lua Nova", não encontrei livros do autor que eu buscava. Típico de um mundo de periferia, e algo que já tinha me acontecido antes, há uns 15 ou vinte anos, quando, na mesma cidade, busquei Shakespeare e também não encontrei.

Mas não saí da livraria de mãos vazias. Embora sem tempo, senti vontade de fazer algo que eu fazia em minha adolescência, que era escutar os livros e esperar um deles me chamar. Ei! Pera lá! Escutar livros? Sim, isso mesmo. Eu tinha o hábito, há muito perdido, de ir a bibliotecas (eu era pobre e não frequentava livrarias) e andar sem direção entre as prateleiras e estantes para ouvir algum livro me chamar.

Isso é algo totalmente irracional. Todos sabem que livros são objetos inertes, que não fazem nada se você não fizer algo com eles. Livros não chamam pessoas. E, no entanto, era assim que eu escolhia meus livros em bibliotecas, muuuuuitas vezes. E não só livros: discos também. E filmes também. Eu fazia escolhas assumidamente irracionais, impulsivas talvez, malucas certamente. E foi assim, "ouvindo o universo", que escolhi fazer física, por exemplo.

Lá vou eu divagando de novo. O que eu quero dizer é que eu parei no meio da livraria do shopping e, de repente, comecei a caminhar sem rumo, até chegar numa prateleira onde Karl Popper me chamou. Eu nunca li nada do sujeito, nem saberia dizer que livros ele escreveu e, assim mesmo, peguei o livro que me chamava e o comprei, sem nem perguntar o preço antes.

Eis como cheguei ao seguinte trecho:
"Comecemos pelo conhecimento. Vivemos numa época em que, mais uma vez, o irracionalismo virou moda. Por isso, quero iniciar com a confissão de que vejo o conhecimento das ciências naturais como o melhor e mais importante conhecimento que temos - embora não o considere nem de longe o único."
Acho que, ao menos por ora, não tenho nada mais a acrescentar. 

(imagem: Philosophy, mural pintado por Robert Lewis Reid, presente na Biblioteca do Congresso, em Washington, nos Estados Unidos; segundo a wikipedia, a pintura é acompanhada da legenda "HOW CHARMING IS DIVINE PHILOSOPHY" - eu não pude deixar de notar que a moça está com um seio à mostra: seria um vislumbre da verdade?)

A interpretação dos sonhos



Acordei hoje me lembrando de dois sonhos distintos. Num deles, eu era irmão do doge de Veneza que, tendo contrariado várias pessoas, era traído por elas e passava a perseguí-las. Eu, no entanto, era amigo do grupo de perseguidos e gostava de meu irmão, portanto, tinha que me manter em cima do muro. No outro sonho, o contexto era totalmente outro: eu, nos tempos atuais, estava tendo um caso amoroso que, se descoberto, causaria um escândalo. Mas havia janelas e um fotógrafo com uma super máquina  fotográfica... Enfim, eu consegui pegar o sujeito, que me chantageava, e destruí as fotos.

Eu muitas vezes me surpreendo com a capacidade inventiva de meu inconsciente (ou seria o meu subconsciente?). Já tive sonhos de vários tipos, alguns de interpretação óbvia, mas outros que me deixam boquiaberto. Já tive sonhos em que fui um cavalheiro inglês do século XIX, uma mulher da corte francesa e até mesmo um alienígena de uma raça em guerra e ameaçada de extinção (aliás, a ficção científica é um tema comum de meus sonhos).

Outra noite sonhei que havia um golfinho branco assassino assustando as pessoas. Na caça por esse bicho havia o capitão de um barco que - surpresa! - era o golfinho disfarçado... Minha análise? Eu misturei Tubarão, Moby Dick e um episódio dos Simpsons em que há uma revolta dos golfinhos e criei a minha estória original. Ou seja, meu inconsciente trabalhou fazendo um ótimo processo de reorganização de pensamentos, unindo um filme, um livro e um seriado de TV, para criar uma estória com moral: Tubarão e Moby Dick falam do medo e da luta constante da humanidade diante das forças irracionais da natureza, mas meu inconsciente me alertou de que essas forças estão também aqui entre nós, humanos, disfarçadas...

Meus sonhos são muito mais ricos que isso, porém - e é algo assustador. Exemplo? Ainda adolescente, tive um sonho longuíssimo dividido em várias partes (eu acordei entre cada uma delas, mas ao voltar a dormir o mesmo sonho continuava). Nesse sonho eu era um francês algo rico que desagradava alguns poderosos da época. Eu decidia fugir mas sabia que estariam à minha procura. Eu tinha que ir embora da França e decidia ir para a Inglaterra, onde tinha amigos, mas sabia que estariam me esperando em Calais; logo fui para Marselha. E é aqui que devo fazer a primeira pausa: eu não sabia, na época, onde eram Calais e Marselha. Eu sei que não sabia por ter ficado assombrado com os nomes, que para mim eram diferentes e que fui buscar numa enciclopédia (lembrem-se, meninos e meninas, na época da minha adolescência não havia internet, e nem mesmo TV a cabo...). Bem, Calais, eu descobri, é um porto no norte da França, próximo à Inglaterra, enquanto Marselha é um porto no sul da França (na direção oposta...). Juro: conscientemente, eu não sabia disso.

Entretanto, não parou por aí: eu cheguei à Inglaterra e para me esconder melhor embarquei num navio que ia de lá para outro lugar. Na saída do porto, ouvi o capitão fazer um discurso que falava de estarmos indo descobrir novas terras para a glória do rei, George III. E todos gritavam algo como "longa vida ao rei". Aqui vem outra pausa explicativa: George III? Quem foi esse sujeito? Eu acordei com o nome me incomodando (junto com Calais e Marselha) e fui a uma enciclopédia em busca dele: ele foi rei da Inglaterra de 1760 a 1820, famoso por duas coisas - uma doença que o deixou louco e a independência dos Estados Unidos, mas eu não sabia disso, pelo menos conscientemente. Houve descoberta de novas terras pela Inglaterra nessa época? Bem, houve James Cook, que fez uma viagem famosíssima em 1770 para mapear as ilhas do Pacífico. Na época, eu não sabia disso.

E a minha estória não termina aí: na terceira parte do meu sonho eu vi o naufrágio de um bote que saía do barco para explorar uma região no Canadá. Eu me lembro bem disso: era o Canadá. O que o Canadá tem a ver com o resto desse sonho? Oras, para minha imensíssima surpresa, James Cook foi o primeiro a mapear a região da Terra Nova, no Canadá, entre 1762 e 1767, numa viagem que permanece até hoje "largely unknown and ignored".

Ora bolas, como é que o inconsciente de um adolescente de periferia foi montar um roteiro tão convincente, tão articulado, sozinho? Eu, sinceramente, até hoje não entendo. Posso, quando muito, supor que minha "alma" tem capacidades que eu desconheço. E essas capacidades já se manifestaram muitas vezes: eu poderia contar aqui várias outras estórias "interessantes", que mostram que eu dormindo enxergo muito mais que acordado...

Para finalizar, deixo aqui uma última historinha: outra manhã, acordei com um susto imenso, daqueles causados por pesadelos. Contudo, não era um pesadelo: o que me aterrorizou, no sonho, foi uma declaração de amor, feita para mim por uma moça que conheço e que, na vida real, nunca esteve muito próxima. Como interpreto isso? Foi uma "sacada" de meu inconsciente, um aviso de algo que eu ainda não percebi conscientemente, ou é a realização de um desejo meu, algo que minha "alma" está me avisando que eu tenho? Sinuca de bico...

(imagem: "O Sonho", pintura de Pierre-Cécile Puvis de Chavannes, 1883 - cortesia da wikipedia)

sábado, 14 de novembro de 2009

Inocência



É muito provável que eu, velho, não valha nada, como já não valia na juventude, e como já pareciam saber as pessoas daquele tempo. Mas, velho que sou, tenho algumas memórias que talvez valham algo.

Por exemplo, lembrei hoje de uma amiga, na época aluna do mesmo modo que eu, que demonstrava estar profundamente apaixonada por seu namorado. Numa noite ela foi buscá-lo na universidade com o carro dela, para fazer uma surpresa, e o encontrou deitado, na sala dele (ele era estudante de pós-graduação e tinha uma sala), com outra. Ela ficou tão arrasada que sumiu (parece que voltou para a terra natal dela, em outro estado) e, sinceramente, não sei se terminou o curso.

Bem, essa é só uma de minhas lembranças. Em outros tempos conheci outras moças que, levadas pela emoção e pela afetividade, também tiveram suas vidas muito alteradas (uma delas, na recuperação de uma desilusão amorosa, acabou se casando com um professor nosso que era umas dezenas de anos mais velho que ela, e que depois viria a ser meu reitor quando, é claro, já estava separado dela e casado com outra).

Eu, que um dia fui jovem e sensível, como essas moças também me apaixonei e tive o coração destroçado, mais de uma vez, tanto por moças quanto por fatos da vida, que me atropelaram sem dó. Já contei uma estória dessas aqui nesse blog, inclusive. Conto outra: uma vez, triste e deprimido, eu vinha num trem lotado do Brás até o ABC paulista, cabisbaixo, o peso do mundo quase me sufocando, quando olhei para as minhas mão e "vi" uma chama azulada saindo delas, limpa e fria, doce e contínua, como a me avisar que eu tinha uma alma ainda, apesar de tudo...

E hoje, numa conversa entre xícaras de café com um atual colega de trabalho, descobri que o rapaz que destroçou o coração de minha amiga fez isso com mais umas outras três moças, sendo uma delas a que estava deitada com ele, e sendo que outra delas, que eu não cheguei a conhecer, ficou muito abatida mesmo, como se o mundo tivesse acabado (pelo menos foi o que me contou meu colega).

Não sei, mas tenho quase certeza que nunca inspirei uma paixão dessas. Na verdade, acho que praticamente nunca inspirei paixão nenhuma. De paixão mesmo só sei da que tenho em mim, e das que tive no peito. E sei também que o mundo não acaba. Nem o meu "fogo" interior. Mesmo sozinho, provavelmente nunca desejado, eu tenho uma alma que ainda brilha na escuridão, iluminando nem que seja só o caminho em que eu sigo, sem ninguém além de mim para vê-la brilhar. Só espero que um pouco dessa luz, que passa por minhas mãos, permaneça em meus textos e meu trabalho, para que eles valham - e iluminem - mais que eu.

(imagem: embora eu não possa ser considerado um sábio por nenhuma das definições da palavra, acho que gostaria que valesse para mim uma frase de "Inocência" - "também os sábios possuem coração tangível e podem, por vezes, usar da ciência como meio de demonstrar impressões sentimentais de que muitos não os julgam suscetíveis")

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

A fogueira das vaidades



Moro na periferia de uma grande cidade, onde as pessoas mais jovens não têm nomes como Paulo, João ou Pedro: os pais da garotada daqui acham que é necessário sofisticar, e para isso abusam, especialmente, de k's e y's, letras que até recentemente creio que não faziam parte do alfabeto usado no Brasil. Mas não é só isso: há todo um contexto cultural maior que eu não sei explicar ou definir; quando muito posso dar exemplos, e essa postagem é um pouco para isso.

Bem, o sonho dos pais dessa garotada é que seus filhos tenham um futuro. O que isso quer dizer realmente, eu não sei, mas o que acontece de fato é que os mais sortudos desses rapazes e moças vão parar em cursos universitários de instituições privadas, que existem às dúzias por aqui.

Foi numa dessas instituições que minha esposa, por exemplo, se formou professora de português. Eu, como professor de uma universidade pública, por acaso me ofereci para substituir por uma semana uma colega que ia viajar, ficando no lugar dela nas aulas de uma disciplina do tipo "Psicologia da Educação". Uma das aulas que eu peguei tinha como tema um sujeito chamado Henri Wallon. Perguntei à minha senhora se ela já tinha ouvido falar do sujeito e a resposta foi, é claro, um sonoro não. Skinner? "Quem?" Enfim, acho que é assim que se forma a maioria de nosso professorado.

O mais interessante é que essas instituições privadas oferecem não só cursos de licenciatura, mas também outras coisas muito interessantes, como turismo. O que leva um sujeito a buscar um curso universitário de turismo eu não sei mesmo, pois jamais me passou pela cabeça estudar algo desse tipo, mas eu entendo que há razões que são muito diferentes das minhas.

Pois foi nesse contexto que surgiu por esses dias uma personagem contendo o y fundamental em seu nome, construindo seu caminho para a fama. "Celebridade miojo" parece ser o termo apropriado: feita em três minutos, consumida em cinco. Todos se comportam como era esperado, especialmente a imprensa, que se vê como A defensora da liberdade e da justiça (o artigo é com letra maiúscula, mesmo). Opiniões para todo lado, faltava a minha: isso me lembra "A fogueira das vaidades", o livro, não o filme. E a moça me lembra, por razões estéticas e culturais, Joelma, do Calypso (banda que também tem o y necessário): os vestidos de uma combinam perfeitamente com os da outra.

(imagem: "Vaidade", de Frank Cadogan Cowper, o último dos pré-rafaelitas)

domingo, 8 de novembro de 2009

O pequeno príncipe



Eu já dei palestras de divulgação científica algumas vezes. É muito comum que eu mostre uma sequência de imagens que começa na Terra, passa pela Via Láctea, com seus bilhões de estrelas, e termina com uma foto que contém várias galáxias, quando então eu afirmo que estima-se que há ao nosso redor no mínimo bilhões de galáxias, cada uma com seu bilhão (ou centenas de bilhões) de estrelas. Acho que assim fica na audiência a óbvia mensagem de que o ser humano é ridiculamente pequeno.

Eu aprendi cedo que sou pequeno. Aprendi a conviver com isso, com esse sentimento de "pequenez" todos os dias, todas as horas e, em especial, quando me olho no espelho, ou quando me vejo em fotos. Cada homem é pequeno, ínfimo mesmo, e eu, dentre todos, sou um dos menores. No entanto...

Ridiculamente, eu sonho. Como todo ser humano, às vezes eu cedo às minhas fantasias. E aí vem a realidade: "Don't get any big ideas / They're not gonna happen". É sempre isso, simples assim: "As estrelas são belas (...) O deserto é belo". Eu não. Eu, pequeno, não tenho nenhuma gota de beleza ou nobreza, mas caí no deserto e quero voltar para o meu planetinha, já que sei que meu reino não é deste mundo... Pena que eu não leve jeito para conversar com serpentes.

(imagem: "As estrelas são belas por causa de uma flor que não se vê..."; fotografia produzida pelo European Southern Observatory.)

sábado, 24 de outubro de 2009

O ponto de mutação



Por conta de um curso de capacitação que estou fazendo, acabei topando com um vídeo (na minha opinião, muito tosco) do YouTube em que aparece como "ilustração" o livro "O ponto de mutação", de Fritjof Capra. Só ver esse livro me causa náuseas e, assim, corri para escrever para os organizadores do curso sobre a inadequação do vídeo que eles apresentaram.

No entanto, fiquei curioso para saber se havia alguém mais que se sentia como eu em relação a esse livro e ao seu autor. Uma pesquisa no Google revelou que o livro é uma unanimidade: todos o amam. Ou seja, eu é que devo estar errado. Contudo, por conhecer bem o nível de educação dos brasileiros, eu fiquei com uma pulga atrás da orelha, e prestei atenção em quem falava bem do livro - em geral, são pessoas ligadas à área de humanidades e/ou ao esoterismo e/ou a "pensamentos alternativos"...

Em inglês, achei  facilmente um texto crítico, bem onde devia estar: no Skeptical Inquirer, num número de agosto de 2005. Para quem não sabe, o Skeptical Inquirer é uma revista bimensal americana, editada por uma associação (o CSI) dedicada a "encorajar o livre-pensamento e a investigação crítica de alegações paranormais e pseudocientíficas a partir de um ponto de vista científico responsável". Foi o CSI quem trabalhou para desmascarar, por exemplo, o israelense entortador de garfos Uri Geller.

Ei, mas o que "O ponto de mutação" tem a ver com "alegações paranormais e pseudocientíficas"? A resposta é... tudo. No artigo da Skeptical Inquirer, intitulado "How do you solve a problem like a (Fritjof) Capra?", a chamada já diz que os livros de Fritjof Capra são "ingênuos e enganadores, ignorando o sucesso das explicações mecanicistas detalhadas, especialmente na biologia". O artigo termina adjetivando Capra como um "pseudocientista".

Se essas críticas são verdadeiras, então como Capra faz tanto sucesso? Simples: as pessoas, em geral, têm uma péssima educação científica. Na verdade, a maioria das pessoas tem ou teve dificuldade em entender ciências básicas, em especial a física e, portanto, acha que elas deveriam ser esquecidas ou modificadas. Como não dá para esquecer essas ciências (se nunca tivesse havido a física, não existiriam, por exemplo, celulares e computadores: dá para esquecer isso?), as pessoas gostariam muito de mudá-las para algo mais palatável, algo mais gostoso, e aí caem facilmente no conto de vendedor-de-carros-usados de gente como o senhor Fritjof Capra, que diz que existe uma ênfase exagerada no método científico e no pensamento racional (são palavras dele, não minhas).

É, talvez fosse melhor usar mais o pensamento mágico, ser não-racional, não-cartesiano. Aliás, eu já fui xingado (isso mesmo, xingado) como sendo um reles cartesiano. O que isso quer dizer? Bem, o pensamento de Descartes, o filósofo, sobre a existência humana pode ser resumido numa única frase famosa: "penso, logo existo". Ou seja, o ato de pensar confirma minha existência. Se eu não pensar, não sei se existo. Ou mais ou menos isso. Assumo, portanto, que ser não-cartesiano é negar isso, e não ver o pensamento como algo relevante para a existência. Se assim for, eu prefiro mesmo afirmar que sou cartesiano: eu penso e existo.

Eu estou exagerando, é claro: a crítica ao cartesianismo é, principalmente (assim espero), a crítica ao reducionismo - para os filósofos da "modernidade", é muito mais importante, hoje, pensar no todo antes, ao invés de dividir um problema em partes menores. Eu não sei, talvez o problema seja mesmo meu, mas eu tenho dificuldades em imaginar como seria uma ciência não cartesiana, não reducionista. Por exemplo, meu no-break parou de funcionar, repentinamente, estes dias; de acordo com a visão reducionista, eu o desmonto e procuro parte por parte onde está o defeito, e daí acho uma explicação - ah, é o fusível, logo houve um pico de energia elétrica na rede e o fusível fez o que era esperado dele. De acordo com a visão holística, o que eu deveria fazer? Olhar para o sistema computador-no-break-rede elétrica-casa como um todo e esperar uma intuição mágica do que fazer? Trocar tudo, todo o sistema computador-no-break-rede elétrica-casa, pois não faz sentido resolver o problema por partes?

Enfim, eu gostaria que as pessoas deixassem de ser preguiçosas e se esforçassem para aprender ciência. É difícil? É, ao menos para boa parte das pessoas. Mas não há mágica. Não há soluções maravilhosas fora da ciência, exceto talvez em milagres, mas esses são beeeeeeem raros. Eu, ao ter uma dor de cabeça, prefiro tomar um analgésico, que se sabe como funciona, do que esperar por uma solução, sei lá, mágica, holística, que ninguém sabe dizer se vai resolver mesmo o meu problema. Mas talvez isso seja só comigo mesmo, e eu esteja falando e pensando sozinho.

(imagem: diagrama representando uma complexa cadeia alimentar na Noruega; eu já dei aulas de ecologia e sei que nem tudo é simples, mas não é por isso que eu vou abandonar os métodos mais simples de resolução de problemas - a simplicidade funciona, na enorme maioria das vezes)

terça-feira, 13 de outubro de 2009

Tolerância



Li num outro blog que Maitê Proença está passando por "problemas" com os portugueses, por conta de um quadro com ela num programa de TV (que eu acho muito chato).

Bem , o que eu lembro de Maitê Proença? Eu me lembro da Playboy com ela, que tinha um caderno especial com fotos em preto e branco, sendo que uma mostrava o pé da moçoila. Eu me lembro de Dona Beija. Eu me lembro do Mário Quintana babando. E eu me lembro de um filme brasileiro, "Tolerância", que no site do imdb recebe uns poucos comentários, sendo que há um que diz "Tolerancia is a movie so bad, you cannot help laughing most of the time".

Eu lembro que no filme um pequeno proprietário de terras (ou um sem-terra, já não me lembro mais) é assassinado num crime comum (um assalto) que, bem, o filme faz entender que não era crime comum coisa nenhuma, mas sim uma encomenda bem disfarçada. Ou seja, o filme mostra que é plausível disfarçar crimes encomendados como crimes comuns, se você for esperto o suficiente.

O que eu quero dizer é que às vezes um charuto é só um charuto mesmo, mas isso quer dizer também que às vezes é algo mais. Eu, que sempre tive dificuldades com mentiras, e desconfiado por natureza, prefiro estar pronto para qualquer coisa, mesmo sabendo que o charuto é, na enorme maioria das vezes, apenas um charuto. Enfim, sei lá.

(imagem: um charuto, da wikipedia em espanhol - dá para reconhecer a imagem de fundo?)

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Guia do novo ENEM



A prova do ENEM vazou. E, por conta disso, milhões de candidatos foram prejudicados. A quem interessa isso? Quem foi beneficiado?

Se tivesse sido para passar informações privilegiadas a alguns candidatos, o vazamento teria sido sigiloso, e não teria sido anunciado a jornalistas. Logo, eu entendo que o que houve foi sabotagem, pura e simplesmente. Sabotagem para enterrar o projeto do "novo ENEM", ou para demonstrar que o atual governo é incompetente, não interessa: minha leitura é que foi sabotagem.

Pouca gente tem falado que o ENEM estava sendo usado, nos últimos anos, para a seleção dos candidatos às bolsas do programa ProUni. Nesse tempo nunca houve vazamentos. Bastou ampliar o alcance para incluir cursos tradicionais, de universidades federais, antes redutos da classe média, para que houvesse problemas.   Me lembra a discussão das cotas: por trás há polticagem e preconceitos, do pior tipo.

Enfim, pobre país em que acontecem coisas desse tipo. A oposição atual daqui não joga limpo.

(imagem: página com um ensaio do SAT, teste aplicado nos estudantes estadunidenses)

quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Dicionário prático japonês-português

Hoje fui à aula de japonês. E saí de lá com um problema. Difícil, certamente. Insolúvel? Não...

O problema? Minha professora me apresentou um vídeo bem bonitinho, tirado do final dos anos 60, de um grupo chamado "The Drifters", que fazia música e comédia na TV japonesa. A música que aparece no vídeo chama-se "Miyo-chan", e eu fiquei tão interessado que quis achar, por conta própria, a letra para fazer a tradução. Mas não achei nada na internet.

Língua errada, é claro: bastou escrever no Google ミヨちゃん e a letra apareceu. Na verdade, não foi tão simples assim, pois apareceu a indicação de um milhão de páginas: como eu, estudante iniciante de japonês, posso saber qual é a certa? Problema...

Achei a música no YouTube e a ouvi algumas vezes. Peguei um trecho cujos sons achei que entendi, descobri como escrevê-lo em japonês e voltei ao Google: 僕のかわいいミヨちゃんは. A primeira página indicada me deu o seguinte texto:
「みなさん、まあ僕の話を聞いて下さい。
ちょうど、僕が高校二年であの娘も
ミヨちゃんも、高校二年の時でした。」
僕のかわいいミヨちゃんは
色が白くて小ちゃくて
前髪たらしたかわいい娘
あの娘は高校二年生
ちっとも美人じゃないけれど
なぜか僕をひきつける
つぶらな瞳に出あう時
何にもいえない僕なのさ
それでもいつかは逢える日を
胸にえがいて歩いていたら
どこかの誰かとよりそって
あの娘が笑顔で話してる
(間奏)
父さん母さんうらむじゃないが
も少し勇気があったなら
も少し器量よく生まれたら
こんなことにはなるまいに
「そんなわけで、僕の初恋は
みごとに失敗に終わりました。
こんな僕だから恋人なんていつのことやら
でも、せめて夢だけは
いつまでももちつづけたいんです。」
今にみていろ僕だって
素敵なかわいい恋人を
きっとみつけてみせるから
ミヨちゃんそれまでさようなら
さようなら
É a letra da música que eu procurava? Acho que é, por comparação com o vídeo do YouTube.



Enfim, falta a tradução. Mas o legal de se estudar uma língua estrangeira é isso: descobrir coisas novas e, no processo, exercitar o raciocínio. E o mesmo vale para o estudo da natureza, pois como disse Galileu,
“(O Livro da Natureza) está escrito na linguagem matemática, e os seus caracteres são triângulos, círculos e outras figuras geométricas, sem os quais é humanamente impossível perceber uma só palavra; sem eles, vagueamos num escuro labirinto.”
Fazer ciência é estudar uma língua nova, a da natureza, e ser sempre um iniciante, vasculhando a resposta mais adequada entre milhares de possibilidades, quase às cegas. Por isso mesmo é tão excitante, e vez por outra você acaba até descobrindo uma música bonita... さようなら (ou, em caracteres ocidentais, sayonara, isto é, "até logo"!)

terça-feira, 29 de setembro de 2009

Depois do baile



Não pude deixar de perceber que eu poderia ter conversado com algumas pessoas que acompanham este blog (estou realmente surpreso que elas existam) e com autores de outros blogs que eu acompanho, em Arraial do Cabo, no último fim de semana. Mas praticamente não o fiz: entrei quase mudo e saí quase calado. Aos meus leitores acho que devo um pedido de desculpas, e essa postagem é meio que para isso.

Acho que a minha primeira paixão "aconteceu" quando eu tinha uns treze anos. Ela era uma mocinha oriental (acho que se chamava Kelly Cristina, ou algo assim) e, um belo dia, depois de perceber o quanto eu estava abobalhado, ela me convidou para uma festa na casa dela, para um daqueles bailinhos de adolescentes com músicas românticas. Eu me senti totalmente perdido: a menina era muito bonita, e sua casa era no centro da cidade, enquanto eu era muito feio e morava na periferia. Hoje vejo que eu estava no meio de um daqueles filmes de "besteirol americano", fazendo, é claro, o papel clássico de nerd.

Trinta anos depois disso, aconteceu o EWCLiPo (ótimas descrições do evento podem ser achadas em outros blogs), no último final de semana. E, ao ver as palestras e pessoas lá, saltei uns trinta anos para trás. As pessoas lá eram todas - todas - muito mais bonitas, mais bem vestidas, mais saudáveis e mais inteligentes do que eu. Ao ver uma palestra - muito, muito interessante - sobre gastronomia molecular, me senti um neandertal: gastronomia, para mim, é um luxo, algo que eu nunca entendi. Ao ver, na confraternização do primeiro dia, a distribuição de um risoto de (ou seria com?) frutos do mar, me senti um mendigo: eu nunca como nada assim tão sofisticado. Durante a confraternização algumas pessoas falavam de cervejas européias, estadas na Alemanha, pós-docs sei lá aonde.

Com o passar dos dias, meu sentimento de inferioridade só foi crescendo. A junção de arte e ciência era algo que eu só sonhava que existisse, como projeto, em minha cabeça, algo que eu nunca vira no mundo real, e estava lá, na minha frente, apresentada por duas pessoas, com o anúncio até de uma oficina literária. O ápice se deu com a apresentação de uma neurocientista, uma moça com uma fala e aparência tão diferente das moças e pessoas que eu vejo e vi nos meus dias, que já até apresentou uma matéria no Fantástico, que eu me senti um alienígena, morando num acampamento improvisado, vivendo num refúgio de periferia criado para criaturas estranhas como eu.

E mesmo as pessoas "estranhas", de aparência não televisiva, falaram de coisas tão inteligentes, que eu me senti uma ameba.

Não estou exagerando: estudei na USP e na UNESP, em diferentes cidades, campi, cursos e níveis, trabalhei em duas universidades federais, em dois estados diferentes, e nunca, nunca estive num meio tão socialmente sofisticado. Meu mundo foi, e é, o de gente comum, que come arroz, feijão e miojo todos os dias. Eu como miojo quase todas as noites. A peça de roupa mais cara que eu comprei na minha vida toda é a bota que eu uso hoje, que comprei apenas para poder acompanhar melhor os alunos em caminhadas no mato, e que custou uns cem reais.

Onde eu vivi esse tempo todo? Não sei. Acho que vivo de restos e migalhas de um mundo que eu não consigo enxergar, de uma mesa que é alta demais para que eu possa ver o que há nela. E eu, pelos critérios do Brasil, sou um privilegiado: eu estudei e tenho um emprego. Eu sou parte da elite - e não sou nada.

Tudo isso é muito estranho. A neurocientista, charmosamente carioca e impressionantemente "estilosa" (sentado atrás dela, não pude deixar de reparar que ela retocou o batom antes de levantar para falar), comentando, em sua apresentação, aulas de dança de salão que ela teve, me lembrou uma colega, oriental e bióloga, filha de cientistas, que dança graciosamente ao andar, e tudo isso me lembrou Kelly e as dúzias de paixões (não correspondidas) que eu tive: acho que as perdi, em parte, por eu nunca ter sabido dançar. Eu nunca dancei, eu nem mesmo consigo perceber o ritmo, a não ser quando já é tarde demais, e, por isso mesmo, acho que já dancei...

(imagem: mais uma imagem tirada da wikipedia - ""Il Ballo" (ou "A dança", com a legenda, em italiano, dizendo mais ou menos "Uma dança festiva desperta o amor e alimenta a esperança com viva alegria."), de Giuochi, Trattenimenti e Feste Annue Che si Costumano in Toscana e Specialmente in Firenze"; já o título dessa postagem é tirado de um conto de Tolstoi)

sábado, 26 de setembro de 2009

A terra dos meninos pelados



Dirigi por quase seiscentos quilômetros para participar da segunda edição do EWCLiPo (Encontro de Weblogs Científicos em Língua Portuguesa), em Arraial do Cabo. O que aprendi? Quem conheci? Não sei mesmo, mas me surpreendeu o bom humor do Cardoso, gostei de saber que existe alguém pensando em "Poesia para Físicos", e me marcou uma dica mostrada pelo organizador do evento, citando um poema de João Cabral de Melo Neto, intitulado "Graciliano Ramos":
"Falo somente com o que falo:
com as mesmas vinte palavras
girando ao redor do sol
que as limpa do que não é faca:

de toda uma crosta viscosa,
resto de janta abaianada,
que fica na lâmina e cega
seu gosto da cicatriz clara

Falo somente do que falo:
do seco e de suas paisagens,
Nordeste, debaixo de um sol
ali do mais quente vinagre:

(...)
Falo somente por quem falo:
por quem existe nesses climas
condicionados pelo sol
pelo gavião e outras rapinas.

(...)
Falo somente para quem falo:
quem padece sono de morto
e precisa de um despertador
acre como o sol sobre o olho

que é quando o sol é estridente
a contrapelo, imperioso,
e bate nas pedras como
se bate numa porta a socos."
É preciso falar de forma precisa, e saber falar do que se fala, ouvindo quem se quer como ouvinte. Isso me fez pensar: e eu que, por ficar isolado nos coffee breaks, aqui parece que cumpro mais uma vez o papel de Raimundo Pelado, eu, precisamente, para quem eu falo? Do que eu falo? Da minha janela, neste hotel, vejo sol, mar e areia, e reconheço meu tema e minha platéia. E, claro, aqui o vento não me deixa esquecê-lo, e espero que faça o seu trabalho: a ele confio minhas palavras, sempre.

(imagem: um marco histórico na Praia dos Anjos, em Arraial do Cabo, em foto da wikipedia - será que ele marca os caminhos de Tatipirun?)

domingo, 20 de setembro de 2009

O que é vida?



Diz a lenda que havia duas árvores importantes no Jardim do Éden bíblico, uma ligada à vida e outra ligada ao conhecimento do bem e do mal.

Diz a lenda que Moisés viu uma sarça ardente, "e eis que a sarça ardia no fogo, e a sarça não se consumia". E no meio da sarça Moisés encontrou Deus.

Diz a lenda que Buda parou embaixo de uma árvore, para meditar. E sob a figueira Buda alcançou a iluminação e encontrou o nirvana.

Fui a um aniversário de um amigo, e na casa da namorada dele havia, bem na entrada, uma mesinha com dois porta-retratos: num a moça, seu irmão e a mãe deles, no outro a bela folhagem de uma árvore fotografada de baixo para cima, em maravilhoso contraste com o céu, que eu não pude deixar de notar.

Na estrada, na divisa entre São Paulo e Minas Gerais, parei para ver um "ipê-amarelo", iluminado ao mesmo tempo pelas flores que vieram saudar a primavera e por um raio de um sol de um fim de tarde, escapando de um céu nublado. E eu, ao ver isso, não pude deixar de parar o carro.

Não, eu não sou Moisés ou Buda, mas acho que encontrei Deus e alguma iluminação, um dia, na beira do meu caminho, quando eu voltava da padaria, com um saquinho de leite B e um punhado de pães. E havia uns arbustos conhecidos como "coroa-de-cristo" cercando as laterais da viela sem asfalto por onde eu caminhava.

E o que eu vi era indescritível, mas era luz, vida e conhecimento, certamente.

Pena que hoje, em meu mundo, ao meu redor, exista pouco além de cimento e asfalto, e de uma corrida sem fim em busca de sucesso. E a cidade em que eu moro parece viver um inverno eterno, sem cores.

Não vivo no paraíso, não sou profeta, nem um grande cientista (não sou nem mesmo um cientista mediano), mas talvez eu também possa, com a pouca ciência que conheço, ajudar na descoberta do sentido da vida: eu sei que viver é conhecer, para o bem e para o mal. Onde o fogo, a luz, onde a vida? Tem que ser em mim, que conheço tudo isso. Que eu busque ser a árvore que dá frutos e sombra ou que, pelo menos, eu tente ajudar a embelezar e iluminar o caminho de outros...

(imagem: árvore fotografada por meu celular, no meio do nada)

Desvendando o arco-íris



Na estrada, em direção a mais um congresso, paro para entender os dois arcos coloridos que emolduram o meu caminho: nunca vi nada igual. O que isso pode significar? Será que o universo está querendo me dizer algo?

Dias antes, minha filha, de sete anos, sentada no banco de trás do carro, tinha me perguntado quantas cores há no arco-íris. Quantas? Sete é a resposta padrão, mas eu sei que é só uma resposta padrão: há entre o azul e o vermelho muito mais do que sete passos...

Enfim, o que haverá no final dessa estrada de asfalto com linhas amarelas? Há um tesouro no fim do arco-íris? Tudo bem, eu não queria encontrar mesmo um tesouro, mas sim uma ponte para uma outra realidade e, no entanto, sei que não é nada disso. O que eu vou encontrar é outro dia e outra estrada e outros dias chuvosos se misturando com dias ensolarados.

Não há mágica no universo. O que há é beleza, e eu posso parar para admirá-la e, talvez, indicá-la a outros. Hoje, isso é mais fácil, já que inventaram celulares com câmera, computadores e a internet, e eu posso rapidamente contar a todos o que aprendi: o que me trouxe aqui, o que nos trouxe aqui, não foi nenhum milagre - foi o trabalho de homens e mulheres, como eu e você.

Quantas cores há no arco-íris, minha filha? A lenda diz que são sete, mas eu sei que são mais, muito mais: a realidade é muito mais sofisticada que as lendas. Basta estudar para aprender a ver mais. E eu vou a mais um congresso, para ver se aprendo algo mais sobre pontes para outras visões da realidade.

(imagem: foto vagabunda que tirei com meu celular, perto de Guararema)

domingo, 6 de setembro de 2009

O governo Jânio Quadros


E para falar um pouco mais dos jornais de domingo, encontro na Folha de hoje um intelectual, José Arthur Giannotti, falando da política atual:
"Já tenho idade para ter assistido a várias dessas irrupções salvadoras e moralizadoras: Jânio, Collor... Qual seria o conselheiro da vez?"
Pois é: eu acho que faltou falar quem se beneficiou com o aparecimento dos aventureiros Jânio e Collor. Collor, por exemplo, foi criado para derrubar quem? "Cui bono"...

(imagem: o presidente Jânio Quadros, em foto divulgada na wikipedia; o título dessa postagem é o mesmo de um livrinho da coleção Tudo é História, da editora Brasiliense, de autoria da professora Maria Victoria de Mesquita Benevides, "homenageada" pela Folha recentemente, num episódio muitíssimo didático da "ditabranda" - recomendo a leitura do texto lincado aqui...)

Agosto


Hoje, domingo, peguei a Folha e achei, com bastante atraso, um texto lembrando da morte de Getúlio Vargas, escrito por um Ferreira Gullar, ex-poeta e ex-comunista, intitulado "Mataram o Velhinho". Eis alguns trechos:
"Lacerda, na "Tribuna da Imprensa", jornal que havia sido criado para combater o getulismo, chegou a escrever: "O senhor Getúlio Vargas não pode ser candidato; se candidato, não pode ser eleito; se eleito faremos uma revolução para derrubá-lo." De fato, Getúlio candidatou-se, elegeu-se e tomou posse na presidência do país. Lacerda, por sua vez, não desistiu das ameaças que fizera e desencadeou contra ele uma guerra sem tréguas, com acusações de toda ordem."

 "... todos que ali estavam mostravam-se a favor da deposição do presidente. Eu também, o que era natural, uma vez que a campanha de Lacerda surtira efeito: de minha sogra, que era católica, gaúcha e getulista, ao partido comunista, todos estavam contra Getúlio."
Resultado? Em 24 de agosto de 1954 Getúlio se suicidou e eis o que reporta Ferreira Gullar:
"... logo a multidão tomou as ruas, indignada com a morte de um presidente que, de fato, não roubara nem enriquecera."
Getúlio morreu, saindo da vida para entrar na história. E o que a história fala dele? Vamos à wikipedia:
"Getúlio era chamado, pelos seus simpatizantes, de "pai dos pobres" (título tirado do livro de Jó 29,16), e, por pessoas próximas, de "Doutor Getúlio"."
"Durante o governo provisório, Getúlio Vargas deu início à modernização do Estado brasileiro. Criou:
 A lista de realizações de Getúlio continua, com mais uma dúzia ou tanto de itens, e continua no Estado Novo:
"No Estado Novo foram criados o Ministério da Aeronáutica, a Força Aérea Brasileira, o Conselho Nacional do Petróleo, o Departamento Administrativo do Serviço Público, a Companhia Siderúrgica Nacional, a Companhia Nacional de Álcalis, a Companhia Vale do Rio Doce, o Instituto de Resseguros do Brasil, a Companhia Hidrelétrica do São Francisco, o Conselho Federal do Comércio Exterior, a lei da sociedade anônima.
Getúlio deu os primeiros passos para a criação da indústria aeronáutica brasileira. Foi criada a Fábrica Nacional de Motores (FNM), inicialmente planejada para ser fábrica de aviões, e que posteriormente produziu tratores e o caminhão "FNM"."
E a coisa continua, e continua e continua...

Getúlio foi um ditador, que tomou o poder numa revolução que acabou com a República do Café com Leite, controlada pela oligarquia (palavra complicada...) agrícola do Brasil. Ou seja, Getúlio "representava" uma revolução que modernizou o país e, de fato, ele fez isso. E foi eleito depois, com enorme apoio popular. E acho que foi isso, a popularidade de Getúlio, que deixou seus críticos, especialmente Lacerda e os paulistas, mais irritados.

Algum paralelo com o que acontece hoje? Quem representa Lacerda hoje? Quem vive irritado com a popularidade de personalidades públicas? Não sou só eu que vejo a semelhança...

Enfim, a história não é assunto muito conhecido pela maioria dos brasileiros, mesmo os educados (aliás, o que sabe a maioria dos brasileiros? Os jornais que eu leio, voltados para a classe média, têm ótimas seções de gastronomia, cultura e esporte, onde eu leio em cada página o lema "pão e circo". A quem isso interessa?). E, citando sem saber a fonte, "um povo que não conhece sua própria história é fadado a repetir os mesmos erros do passado."

Em tempo: em seu tempo, a imprensa do "golpista" Lacerda influenciou até mesmo intelectuais como Ferreira Gullar; hoje, eu vejo, com medo, o mesmo acontecendo com a classe média toda. É triste e trágico.

(imagem: "Bota o retrato do velho outra vez\ Bota no mesmo lugar\ O sorriso do velhinho\ Faz a gente trabalhar\ Eu já botei o meu\ E tu, não vai botar?\ Já enfeitei o meu\ E tu vais enfeitar?\ O sorriso do velhinho\ Faz a gente trabalhar", marchinha de carnaval, de Haroldo Lobo, em homenagem a Getúlio - a foto é da wikipedia)

1984


Os jornais, os jornais: não gosto deles, mas os leio todos os dias. Para mim a imprensa brasileira é elitista, parcial, conservadora, direcionada, manipuladora, provinciana, e eu acho que poderia adicionar uns outros tantos adjetivos nada elogiosos. E quando eu comento isso com algumas pessoas, elas me perguntam: "qual a fonte de informação que é confiável? Onde buscar a descrição dos fatos de forma mais próxima do que na realidade aconteceu?" Eu, sinceramente, não tenho essa resposta. Só o que eu sei é que é preciso ler os jornais de forma crítica, com uma lente, lendo o que não foi escrito neles. Repetindo o que eu escrevi num outro blog:
"Eu leio a Folha (sou assinante há N anos, até me mandaram um cartão por isso) e o Estadão (raramente vejo a Globo) com um filtro na frente; na enorme maioria das vezes o que eles dizem é verdadeiro, mas há motivos por trás disso. Não sei se vocês lembram de um comercial que a Folha (é, a Folha...) fez, onde depois de falar várias coisas boas e verdadeiras de um sujeito ela mostrava quem era o sujeito."
Enfim, eis o comercial da Folha:



A história é sempre escrita pelos vencedores, mas para vencer, muitas vezes, é importante escrever a história antes...

(imagem: Senate House, em Londres, que, segundo a wikipedia, teria servido de inspiração para o Ministério da Verdade que aparece no livro 1984, de George Orwell)

quinta-feira, 3 de setembro de 2009

As origens do totalitarismo


Eu sonho. Na noite da terça para a quarta acordei com a clara recordação de meu sonho: eu sonhei que vivia num mundo em que Hitler vivia, um mundo controlado por nazistas e em que todos eram evangélicos... Em meu sonho uma mulher era fuzilada na minha frente por ter ido a um lugar "proibido" e visto o que não devia ser visto.

O que esse sonho quis me dizer? Simples: eu tenho medos. Ditaduras me assustam. Controle e manipulação das informações também me assustam. A imposição da verdade me assusta. O pensamento fundamentalista me assusta. A paixão cega me assusta.

E o que mais me assusta é ver que essas coisas existem de verdade, no mundo real. Ontem, quarta, vi no canal da National Geographic um documentário sobre os 70 anos da Segunda Guerra Mundial, que me assustou demais por seu realismo e suas ligações com a "modernidade". Só para constar: estava lá um dos pais do capitalismo moderno, Henry Ford, com seu apoio ao nazismo.

Enfim, eu sei que Goebbels não está mais na Terra, mas não tenho certeza quanto ao destino do seu espírito.

(imagem: você podia ter um desses de qualquer cor, desde que fosse preto...)

segunda-feira, 31 de agosto de 2009

Os robôs do amanhecer


Acabo de sair de um seminário da área de cognição, onde o palestrante falou sobre uma tal de "embodied embedded cognition", teoria em que se supõe que o pensamento é totalmente dependente do corpo e do ambiente. Cada indivíduo teria em si uma série de respostas pré-programadas (todas dispostas em camadas equivalentes no "corpo") que estariam esperando para serem ativadas; o ambiente é que dispara esta ou aquela resposta em detrimento das outras.

Achei interessante a idéia, para não dizer o mínimo, por ir além do dualismo cartesiano de corpo e alma. E, se não me engano, tem (ou pode ter) aplicações na psicologia e na robótica.

(imagem: um enxame de robôs - talvez nossos cérebros sejam assim, mil ações individuais prontas para trabalhar...)

Tristes trópicos


Eis Claude Lévi-Strauss, que encontrei num outro blog:

"Tudo o que os físicos e os biólogos ensinam me apaixona; nada estimula mais minha reflexão. Ao mesmo tempo, parece-me que cada problema resolvido, ou que acreditamos resolvido, faz surgir novos problemas, e assim por diante, indefinidamente; de modo que nos compenetramos cada vez mais da certeza de que nossa capacidade de pensar é e permanecerá sempre inadequada ao real, de que a natureza profunda do real escapa a qualquer esforço de representação."

Eis o que eu vivo querendo dizer, mas não consigo. Eu também sinto que o mundo é muito mais sofisticado - e ao mesmo tempo paradoxalmente mais simples - do que nossa mente é capaz de imaginar. Representar o mundo é quase impossível, mas é necessário.

É: às vezes, me dá uma enorme vontade de largar tudo isso e andar nas matas, e ser índio, ou bicho (golfinho acho que seria legal), em comunhão com o cosmos...

(imagem: representação clássica de indígenas brasileiros, por Debret, na wikipedia)

domingo, 30 de agosto de 2009

O 18 Brumário de Luis Bonaparte


Há num texto do filósofo Karl Marx a frase “todos os fatos e personagens de grande importância na história do mundo ocorrem, por assim dizer, duas vezes.” Não sei bem o que isso significa: eu nunca li Marx tão a fundo.

Mas tenho minhas memórias e é delas que eu tiro algo particular: em 1989 eu morava numa república de estudantes em Araraquara, interior de São Paulo. Éramos seis, e só um de nós não estudava farmácia (fazia economia), e só um não era do interior de São Paulo (eu). Pois bem, era ano de eleições e, aparentemente, cada um ia votar num candidato diferente: meu colega da economia gostava do candidato dos comunistas, outro gostava de um velhinho que se lançara candidato, havia um outro que ia votar num ex-prefeito biônico de São Paulo, que mais tarde se tornaria senador e governador (ou ele já era senador? sei lá! olha na wikipedia, que eu estou com preguiça..), e assim por diante.

Eu me lembro que, num dia daqueles, eu vi claramente que todos os candidatos tinham seus méritos, menos um, que para mim tinha cheiro de golpe. Me lembro de ter falado aos meus colegas: votem em quem vocês quiserem, mas não votem nesse sujeito - ele é uma fraude. Adivinha quem ganhou a eleição? Ah, é, não precisa adivinhar, está tudo nos livros de história. Houve um impeachment uns poucos anos depois, quando eu já estudava física...

Enfim, de novo sinto aquele cheiro de vinte anos atrás. Não é o mesmo, mas é parecido. Parece, na verdade, um cheiro de uns poucos anos atrás - ou, muito, mas muito de leve, com um cheiro que não morre, um de muitos anos atrás, de mais de setenta anos de idade. Como eu sinto esse cheiro, acho que não me custa avisar, mesmo que eu esteja errado, mesmo que ninguém ouça.

E se a história se repetir? Bem, eu não controlo as forças históricas: sou só um Zezinho de uma esquina de periferia, que gosta de pensar que pensa de forma independente. Mas tudo isso pode ser mera ficção ou, mais provavelmente, um enorme auto-engano.

(imagem: uma personagem grega)

sábado, 29 de agosto de 2009

Uma teoria da dissonância cognitiva


Umas poucas postagens atrás, eu usei um truque sujo: eu falei mal de algo ao mesmo tempo em que usava essa mesma coisa. Eu explico: quando os outros usam é golpe baixo, já quando eu uso o uso é justificado ;)...

(imagem: um pensador num cemitério; uma dissonância cognitiva muito grande pode levar à inação e à morte - assim é melhor racionalizar e se auto-justificar...)

A dialética da natureza

 


Li numa postagem recente uma notícia em que aparecia o seguinte trecho:
"The most public critique came from Sam Harris, a prominent voice in the neo-atheist vanguard of best-selling authors and polemicists, said that "few things make thinking like a scientist more difficult than religion." (A crítica mais pública veio de Sam Harris, uma voz proeminente na vanguarda neo-ateísta de autores de best sellers e polemistas, cujo artigo opinativo de 26 de julho no The New York Times dizia que "poucas coisas fazem pensar como um cientista mais difícil do que a religião")"
Não sei não, mas não acho que essa opinião esteja correta: Newton certamente era religioso (gastou boa parte da vida tentando decifrar a Bíblia) e Einstein também (embora deva ser lembrado que ainda que religioso, Einstein não era um religioso comum).

A religião é incompatível com a ciência? Eu acredito que não. Mas há muita gente - do lado religioso e do lado científico - que quer que elas sejam antagônicas. Eu, certamente, não sou uma dessas pessoas: eu acredito e, ao mesmo tempo, reflito sobre minhas crenças. Meu espírito é o da conciliação.

(imagem: busto de Parmênides, um filósofo grego que escreveu sobre opostos)

quinta-feira, 27 de agosto de 2009

...sexo e física quântica


Como professor, tenho encontrada muita gente bem intencionada e bastante motivada que vem me apresentar coisas que elas consideram interessantes. "Professor, o senhor conhece o filme tal?" "Eu li em tal lugar que tal coisa é assim ou assado: o quê o senhor acha?"

Como professor com formação em física, muitas vezes as pessoas me apresentam coisas que elas imaginam serem relacionadas à mecânica quântica. "A mecânica quântica explica a alma, não é professor?" Bem, quando eu ouço coisas desse tipo eu me lembro de um dos maiores físicos ainda vivos, Stephen Hawking, que teria dito  "When I hear of Schrödinger's cat, I reach for my gun" (Quando ouço falar do gato de Schrodinger, eu procuro minha arma), e de um dos maiores físicos que já existiu, Richard Feynman, que teria dito "It is safe to say that nobody understands quantum mechanics" (É seguro dizer que ninguém entende a mecânica quântica).

Eu mesmo não acho que entendo a mecânica quântica (e olha que eu estudei esse negócio, como qualquer físico teórico). No entanto, entendo um pouquinho a ciência, de forma geral: mecânica quântica é um ramo da ciência como qualquer outro, com área de aplicabilidade bem definida. Não dá para explicar, por exemplo, a digestão dos alimentos no organismo humano usando a teoria da relatividade: a teoria da relatividade não tem essa função. Do mesmo modo, não dá para explicar um monte de coisas com mecânica quântica: a mecânica quântica não é uma teoria mágica e todo-poderosa que explica tudo. É só uma teoria boa para explicar o funcionamento de algumas estruturas pequenas - e só. Usá-la para explicar, por exemplo, a alma, a homeopatia ou a evolução é charlatanismo ou ignorância (ou ambas as coisas).

Usar a mecânica quântica para vender livros (ou filmes, ou conceitos, ou "sabedoria") a mentes jovens e impressionáveis é mais do que charlatanismo ou ignorância: é estelionato intelectual, algo como vender terrenos no céu, ou algo como usar sexo para vender qualquer coisa...

Enfim, é uma pena que as pessoas queiram explicações mágicas: eu só posso indicar explicações honestas.

(imagem: gatinho revoltado da desciclopedia; esta postagem, cujo título saiu de uma postagem noutro blog que achei por aí, faz parte de uma blogagem coletiva)

segunda-feira, 24 de agosto de 2009

O triunfo da vontade


Há algum tempo li um livro bem interessante sobre a história da eletricidade: "Universo Elétrico", de David Bodanis. O livro conta, por exemplo, parte da história de homens como Faraday, um brilhante autodidata que, talvez por inspiração religiosa, "inventou" o conceito de campo, Hertz, um experimental dedicado que morreu precocemente, e Turing, o pai da computação moderna (há uma versão, bastante plausível, de que o logotipo da Apple é o que é em homenagem a ele, que se matou mordendo uma maçã envenenada).

Nesse livro aparece um trechinho que eu não conhecia e que me assombrou pela sua modernidade: "Toda propaganda deve apelar ao povo, e seu nível intelectual deve ser ajustado de acordo com a capacidade receptiva das pessoas mais limitadas entre as que ela pretende atingir. Quanto maior a massa de homens a ser atingida, tanto mais baixo se deve ajustar o seu nível intelectual. [...] Mesmo das mentiras mais impudentes sempre fica alguma coisa."
O autor desse texto, tirado do livro "Minha Luta", é um famoso líder alemão que criou a Segunda Guerra Mundial.

Sim, os nazistas entendiam de manipulação da informação, a começar por seu líder.

Minha razão para lembrar disso? Hoje, como ontem, as pessoas são manipuladas e nem percebem. Os "nazistas" de hoje ganham muito dinheiro. E poucos, pouquíssimos, tentam pensar criticamente. Sinceramente, não conheço quem conheça o termo "cui bono" (que não existe na wikipedia em português): no entanto, para mim, é sempre preciso perguntar - em qualquer ação - "a quem isto beneficia?"

Vi ontem um filme, em casa, com a família de minha esposa - evangélicos - que se regozijaram com a mensagem passada: nem todos os chamados serão escolhidos. O filme? "Presságio", com Nicholas Cage. Para mim, não foi um filme, foi algo como tortura chinesa - em poucos minutos eu vi a "propaganda" religiosa/conservadora descarada e decifrei qual seria o desfecho, algo que ninguém mais na sala (havia umas dez pessoas) viu...

Enfim, eu leio jornais todos os dias - tenho a assinatura de dois diferentes - e vejo um monte de propaganda neles. As manchetes principais são pura propaganda, mas parece que só eu vejo isso. A classe média todinha, que me envolve em meu ambiente de trabalho e que eu ouço de minha mesa, parece incapaz de fazer essa mesma análise e compra sem pestanejar o que é vendido.

Pena: falta o ensino de pensamento crítico nas escolas do Brasil. E a quem isso beneficia?

(imagem: Leni Riefenstahl, cineasta alemã que trabalhou - muito bem - para o partido nazista alemão e cujo filme principal, "O triunfo da vontade", recebe o seguinte comentário na wikipedia em português: "É um dos filmes de propaganda política mais conhecidos na história do cinema, com grande reconhecimento das técnicas utilizadas por Riefenstahl, que depois passaram a influenciar filmes, documentários e comerciais".)

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

Any colour you like


Li num blog de um amigo uma discussão interessante sobre os conceitos biológicos de espécie - parece que os biólogos não tem uma definição única, satisfatória em todos os sentidos. Biólogos são mesmo uma espécie complicada...

O problema, porém, parece não ser apenas da biologia: estou estudando japonês e uma das palavras que aprendi - "aoi" - pode significar azul e verde (isso mesmo: basta procurar num dicionário online para ver essa indefinição).

O que parece é que a "categoria" cor é uma invenção humana. O Sol, por exemplo, emite luz em faixas contínuas, que a gente enxerga como branco e, por isso mesmo, essa cor branca pode ser explicada como composta pela mistura de todas as cores. Um prisma separa a cor branca em um arco-íris, mas as diferentes cores aparecem lado a lado - assim, num arco-íris, onde termina o amarelo e começa o laranja? Há amarelos mais alaranjados e laranjas mais amarelados... A diferença entre o que é considerado uma espécie e o que é considerado outra muitas vezes é quase assim também: basta uma mudança sutil, de base genética.

Pois é: na natureza as gradações, em geral, não são descontínuas - entre o 1 e o 2 há o 1,4, o 1,4142, o raiz de 2, e assim sucessivamente. E ir do 1 ao 2 pode envolver infinitos passos, especialmente em sistemas complexos, como são os sistemas envolvendo a vida. Ainda bem que eu não sou biólogo...

(imagem: de que cor são os círculos e os quadrados? A resposta é interessante... O título dessa postagem vem de uma música do Pink Floyd, que aparece no disco "The Dark Side of the Moon", cuja capa é um prisma.)

quarta-feira, 12 de agosto de 2009

Abbey Road


No mês passado, comemoraram-se os quarenta anos da chegada do homem à Lua. Coincidentemente, eu também fiz quarenta anos, quase no mesmo dia. E não vi motivos para grandes celebrações em nenhum dos casos. O homem foi à Lua: e daí? Foi por razões políticas, um país querendo mostrar que podia mais que o outro, e só. Pavões mostrando suas caudas e, terminado o embate, cada um foi para o seu lado. A Lua ficou lá, no céu, esquecida e despovoada como antes. Quanto a mim, fiz quarenta anos e também pensei: e daí? Estou velho, e é só.

Na semana passada, acordei com uma música dos Beatles na cabeça, vinda da região fronteiriça entre o sonho e a cosnciência. Imediatamente me lembrei do álbum que tem a música, e fui buscá-lo no meu escritório, onde ele jazia adormecido. Ao por o CD em minhas mãos , notei que eu não o ouvia há anos. Curioso que eu tivesse me lembrado da música assim, do nada. Levei o CD para o meu carro e fiquei com ele no aparelho que tenho lá, e lembrei da minha adolescência, quando descobri os Beatles e um mundo de coisas.

No sábado, a surpresa: fazia quarenta anos que a foto da capa do CD havia sido tirada. Haveria uma comemoração em Londres. Eu não fazia idéia.

E eu conto tudo isso para dizer que essa semana, saindo de casa pela manhã, ao parar com o carro num semáforo perto de casa, ouvindo o mesmo CD dos Beatles, dei de cara com a morte. Não, não vi a morte de alguém, vi a minha morte, que veio clara, com uma certeza infalível. Eu me vi morrer, não num tempo definido, mas em breve, não num futuro distante e quase inatingível, mas num dia desses, que pode ser amanhã ou daqui a quarenta anos. E isso não me assustou, muito pelo contrário: achei tão natural como esperar que depois da manhã venham a tarde e a noite.

Pois é, estou consciente da minha mortalidade e da minha irelevância. Eis o que eu vejo no espelho retrovisor que existe dentro da minha cabeça: um homem pequeno, de capacidades intelectuais tão grandes quanto as de um esquilo (não é auto-depreciação, não: após um teste aparentemente simples fui avaliado por um estudioso da área de cognição, que classificou minha capacidade de dedução como equivalente à de um esquilo), e que vai se gastando como o estofamento do meu carro, pelo uso puro e simples.

O que as pessoas ouvirão daqui a quarenta anos? Beatles, Beethoven, NX Zero? Sei lá... O que lembrarão de mim? Sei lá... Assim como a Lua permaneceu pouco tocada pela passagem humana, também o mundo provavelmente continuará o mesmo depois da minha passagem: eu, como todo mundo, só estou aqui como um pavão, mostrando minhas penas numa infinita competição de egos.

Pena que não era nada disso que eu tinha em mente, ao menos lá atrás, quando eu era um adolescente. Por isso, lá atrás em minha vida, escolhi a ciência: eu achava, ingenuamente, que podia fazer alguma diferença.

(imagem: um machado prateado de um geólogo, usado para mostrar a efemeridade da vida - dá para ver um fóssilzinho no meio das pedras...)